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5. CAPÍTULO V: Mercados consumidores de GN no Brasil: avanços recentes,

5.1 Mercados de Gás Natural no Brasil: especificidades e perspectivas

5.1.5 Mercado Automotivo

Tabela 27 – Perfil de consumo energético do setor de transportes - rodoviário, 1987- 2002 (em %) 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Gás natural 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,1 0,1 0,1 0,3 0,1 0,3 0,3 0,6 1,2 2,0 Óleo diesel 55,8 55,9 54,9 54,6 53,9 54,7 54,1 53,2 51,8 50,9 50,4 50,9 52,3 54,7 56,1 56,4 Gasolina automotiva 22,5 21,7 22,6 25,4 26,2 26,0 26,4 27,1 29,7 33,5 33,3 33,5 31,7 31,0 30,3 28,4 álcool etílico anidro 4,3 3,9 3,0 2,2 2,9 3,9 4,1 4,9 4,8 6,5 6,3 6,5 7,4 7,1 7,5 7,8 álcool etílico hidratado 17,3 18,6 19,5 17,8 17,0 15,5 15,4 14,6 13,6 8,9 10,0 8,9 8,3 6,5 5,1 5,4 Total 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Total (milhões tep) 26,3 26,8 28,9 29,3 30,8 30,9 32,0 34,0 37,3 40,3 42,5 44,1 43,4 43,8 42,9 43,7

Fonte: Elaboração Própria a partir do BEN 2003

No Brasil, o setor de transportes é responsável por mais de 27% do consumo total de energia desde 1995. É de conhecimento comum a elevada participação do transporte rodoviário na matriz de transportes nacional e, por conseqüência, a importância do petróleo e do álcool combustível na matriz energética deste setor. Em 2002, o segmento de transporte rodoviário consumiu cerca de 43 milhões de tep, representando pouco mais de 24% de todo o consumo nacional de energia. Desta demanda total do segmento, cerca de

85% foi atendida por derivados de petróleo, e outros 13% pelos combustíveis originários da cana-de-açúcar, como pode ser visto na tabela 27.

No mundo todo o Gás Natural Veicular (GNV) tem conquistado espaço e propaganda em torno de suas vantagens ambientais em relação aos outros combustíveis. A redução na emissão de óxidos de nitrogênio, monóxido de carbono, hidrocarbonetos pesados e particulados é significativa e pode ser uma das estratégias para redução de emissão de gases causadores do efeito estufa e para adequação das frotas aos novos requisitos ambientais, especialmente nos países centrais e produtores de GN.

Além disso, o gás natural tem se tornado uma importante alternativa econômica aos combustíveis convencionais nos últimos anos. Os preços de derivados de petróleo têm acompanhado a escalada de preços internacionais do óleo e aumentado a diferença de preços em relação ao GNV.

No Brasil, quando foi liberado para uso em automóveis de passeio, em meados da década de noventa, ocupou espaço pela economia propiciada aos consumidores que percorrem grande quilometragem diária. Esta circulação é o fator que proporciona retorno do investimento em instalação de “kits GNV” que, geralmente custam entre 1500 e 3000 reais. Os taxistas do Rio de Janeiro foram os primeiros a se aproveitar desta comodidade e transformaram seu estado em maior consumidor de gás natural veicular através da maior frota de veículos convertidos. A figura 12 ilustra o grande crescimento do mercado nacional desde 1996.

Além do Rio de Janeiro, o estado de São Paulo também apresentou importante crescimento da frota movida a GNV. Atualmente, são pouco mais de 205 mil e 303 mil veículos convertidos em São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. Somadas, estas frotas correspondem à cerca de 65% da frota nacional que, até outubro de 2004, possuía pouco mais de 786 mil veículos. Além destas grandes frotas estaduais deve ser destacado o crescimento do mercado de Minas Gerais - 6,4% da frota nacional, do mercado da Bahia - 3,6% da frota nacional e do Espírito Santo - 3,7% da frota. Outros estados das regiões Sul e Nordeste também têm crescido bastante e registrado frotas entre 8 mil e 25 mil veículos

(Gasnet, Perfil do GNV no Brasil54). A Figura 12 ilustra a magnitude do crescimento de mercado do GNV desencadeado pelo forte número de conversões desde o início da década.

Fonte:Gasnet (jan/2005)

Figura 12:

Um elemento central para a elaboração de estratégias de combustíveis é o planejamento de estruturas amplas e confiáveis de abastecimento do produto. As limitações geográficas impostas por estas redes são entraves reais ao avanço do GNV, tanto em relação às frotas das cidades desabastecidas, quanto daquelas que trafegam onde não haja fornecimento - transportes intermunicipais, por exemplo. No caso brasileiro, o crescimento da rede de postos de GNV tem sido bastante rápido e amplo. Atualmente, como se poderia supor, os estados do Rio de Janeiro e São Paulo possuem o maior número de postos de GNV registrados: 318 e 255, respectivamente. Hoje são 900 postos no país, contra 252 há dois anos atrás. Além disso, estima-se que em 2005 a casa dos mil postos será superada. Segundo estimativas da Agência Nacional do Petróleo (ANP, 2003), até 2003 teriam sido investidos mais de 220 milhões de reais neste segmento de distribuição. Para atingir as previsões de um milhão de veículos e mil postos deverão ser investidos mais R$ 1 bilhão, sem considerar os investimentos em gasodutos e oficinas de conversão. Estimativas mais completas realizadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Instituto Brasileiro de

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Petróleo e Gás (IBP), levando em conta os diversos elos da cadeia, estimam cerca de 4,5 bilhões em investimentos até 2007 (ABGNV, junho/2004).

Estes interesses econômicos originados da expansão do GNV, refletidos nos montantes investidos na atividade, são altamente beneficiados por quaisquer avanços tecnológicos e inovações que gerem novas fontes de crescimento deste mercado. Assim sendo, é essencial que as políticas para o setor saibam estimular associações viáveis, projetos em comum, como desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologias, estabelecimento e homogeneização de procedimentos que evitem acidentes neste mercado, treinamento de profissionais do setor, promoções que estimulem conversões, propaganda e esclarecimento de potenciais consumidores, dentre outros. Estes e outros motivos relacionados à infra-estrutura de distribuição nos parecem favorecer a ampliação da rede de postos em detrimento aos compressores domésticos propostos por Santos (2002).

Esta explosão de demanda por GNV também tem seus contratempos e gerou manifestações de grupos insatisfeitos, especialmente aqueles ligados ao setor sucroalcooleiro. De fato, o grande crescimento das conversões não foi acompanhado de devida fiscalização. Estudos realizados pela CETESB e pelo IBAMA (Saneamento Ambiental, no98; Revista Época, mar/04) mostram que as conversões com kits inadequados podem criar uma frota mais poluente que a atual. Estas falhas podem ocorrer quando o carro convertido precisa utilizar a gasolina ou mesmo quando queima o GNV. Para evitar estas falhas existem algumas tentativas de regulamentação, tais como a resolução do CONAMA de outubro de 2001, exigindo o CAGN (Certificado Ambiental para uso do Gás Natural) nos kits. Esta certificação deveria estar associada à obtenção de licenciamento do veículo, segundo as normas do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (PROCONVE). Entretanto, as respostas negativas do setor (Firjan, 2004) e as dificuldades para atuação conjunta do IBAMA e INMETRO (Folha Online, 24/05/2004) têm retardado a adoção desta fiscalização.

Esta questão ambiental é um ponto extremamente central para o desenvolvimento do mercado de GNV. De fato, como argumenta trabalho realizado pelo Gas Research Institute e pelo Gas Vehicle Coalition (1998), os benefícios ambientais não são necessariamente contabilizados diretamente pelo consumidor. Entretanto, esta redução da

poluição é repartida entre o conjunto da sociedade, justificando políticas de incentivo por parte do Estado. Estes incentivos, como a já existente redução em 95% do IPVA de veículos a gás no Rio de Janeiro, são medidas essenciais para a inserção do gás natural em veículos do consumidor comum. Estes benefícios são necessários para tornar economicamente viáveis os gastos em conversão, já que a maioria dos consumidores comuns trafega muito menos que taxistas, por exemplo. Ademais, estas isenções poderiam estar vinculadas à obtenção do CAGN, já que esta certificação gera custos adicionais na conversão, que ficaria por volta de três mil reais55.

Alguns analistas mais céticos, como Adriano Pires do Centro Brasileiro de Infra- Estrutura (CBIE), argumentam que o avanço desenfreado em direção ao GNV poderá desencadear situações semelhantes às do pro-álcool (TN Petróleo, no36). Assim como a demanda e o preço do açúcar geraram escassez de álcool no início da década passada, uma elevação das necessidades de gás para termeletricidade poderia deixar os consumidores à pé. Primeiramente, devem ser desconsideradas as diferenças em relação à formação de preços no mercado de gás, onde prevalecem contratos de longo prazo. Além disso, ao contrário do açúcar, o gás não pode nem deve ser tratado como commodity. De fato, o governo deveria estabelecer uma política adequada para combustíveis. Isso implicaria, por exemplo, regulação de estoques e planejamento do abastecimento – além dos já mencionados incentivos aos combustíveis mais limpos. Em segundo lugar, com a difusão das tecnologias multi-combustíveis os danos acarretados ao consumidor seriam facilmente minimizados e a substituição de combustíveis seria altamente sensível às variações de preços. Cabe lembrar que os veículos convertidos podem optar pelo consumo de GNV ou gasolina. Essa flexibilidade, por outro lado, pode acarretar variações não desprezíveis na demanda de GN veicular, com impactos econômicos de magnitude semelhante nos agentes do setor. A recente crise na Bolívia e os prováveis reajustes no preço do GN podem ser um freio significativo ao avanço do GNV no médio prazo. Por fim, desenho do novo modelo do setor elétrico caminha para um planejamento mais preciso em relação à oferta futura de energia elétrica, mesmo que existam dificuldades de implementação em seu início. O desenho adequado dos mercados secundários de gás natural e do consumo interruptível evitaria surpresa aos consumidores.

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Quanto à substituição de outros combustíveis, a tabela 27 de consumo energético do setor de transporte rodoviário aponta para uma substituição da gasolina. De fato, este derivado de petróleo tem apresentado um crescimento significativo de preços em relação ao GNV e vem sendo substituído nas cidades já atendidas por gasodutos ou GNC. Entretanto, a substituição do óleo diesel é que deveria ganhar ênfase política. São dois os motivos principais para esta proposição: o óleo diesel é o combustível utilizado em veículos com maior índice de emissão de poluentes e; não possui produção suficiente nas refinarias nacionais para atender a demanda – cerca de 15% do consumo foi importado nos últimos anos. Neste sentido, a substituição das frotas de ônibus municipais tem sido objeto de testes nas capitais dos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. Em São Paulo, por exemplo, uma lei determina a conversão da frota para combustíveis alternativos até 2020. Acredita-se que o GNV poderá ocupar grande parte deste espaço.

Além dos ônibus, os caminhões também podem ser convertidos com os mesmos benefícios ambientais e econômicos. Entretanto, as frotas de transporte dependem mais do desenvolvimento de redes de distribuição, ao contrário de empresas de transporte coletivo que podem adquirir compressores e efetuar o abastecimento de seus veículos em suas próprias garagens. Há algum tempo, iniciaram-se discussões para formação dos chamados “Corredores Azuis” na Europa: rodovias com distribuição de GNV, interligando Rússia, Alemanha e Itália. Inicialmente previu-se a conversão de mais de mil caminhões (Freitas & Almeida, 2003). Este tipo de integração internacional é modelo para projetos semelhantes entre Brasil e Argentina e mesmo para rodovias nacionais56. Quanto maior a abrangência das redes de distribuição de GNV, maior a chance de adoção de uma estratégia das montadoras em relação ao produto. Atualmente, Argentina e Brasil são os maiores mercados consumidores de GNV do mundo e a cultura de utilização deste combustível tem avançado significativamente nestes países. Juntos, estes países possuem 55% dos veículos convertidos a GN em todo o mundo. Neste sentido, pode se argumentar que a escala deste mercado e seu potencial de crescimento habilita-o a se tornar locus de introdução de novas tecnologias de GNV. A adoção de políticas de estímulo ao setor e de suporte à pesquisa e desenvolvimento neste segmento poderá tornar o Brasil referência para o desenvolvimento

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Os corredores azuis no Brasil têm sido estudados por comitês no Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

de estratégias e pesquisas com combustíveis alternativos. Esta possibilidade é reforçada pela existência prévia de pesquisa na área, como o motor a gás da Mercedes Benz – adequado às exigências ambientais da Europa, a introdução de automóveis multi-fuel, além dos grandes conhecimentos e avanços acumulados com outros combustíveis alternativos e renováveis.

As potencialidades do mercado brasileiro de GNV são bastante significativas e as motivações vão além daquelas enumeradas ao longo desta seção. Além das estimativas de um milhão de automóveis em 2005, recentes declarações têm apontado para três milhões em 2010. Segundo palestra apresentada por Ildo Sauer, diretor de Gás e Energia da Petrobrás, no IV Congresso de Planejamento Energético (março/2004), o mercado de GNV deverá consumir entre 14 e 20 milhões de m3/dia em 2015. Estas perspectivas são altamente otimistas e colocam o GNV em um patamar de destaque nas políticas de gás natural. Em linhas gerais, o estabelecimento de políticas de planejamento do mercado de combustíveis, regulamentação e implementação de normas técnicas para instalação e abastecimento de veículos movidos a gás natural veicular, a educação do usuário, o estímulo aos investimentos no setor e à associação e promoção de pesquisa tecnológica são diretrizes básicas que devem compor as políticas para o sucesso do desenvolvimento da indústria associada ao GNV e dos objetivos de elevação da eficiência econômica, energética e ambiental.