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O Gasbol e as transformações introduzidas pela oferta de gás

4. CAPÍTULO IV: Transformações recentes na indústria de GN brasileira

4.1 Produção e Oferta de gás natural no Brasil atual

4.1.1 O Gasbol e as transformações introduzidas pela oferta de gás

Desde meados da década de oitenta, a construção de uma infra-estrutura para importação de gás natural no Brasil foi apontada como uma das principais soluções para o avanço da indústria gasífera nacional. De maneira simplificada, tal diagnóstico partia do pressuposto da inexistência de reservas nacionais capazes de oferecer um horizonte estável de fornecimento do produto, configurando um desestímulo ao investimento em conversão ou substituição de equipamentos.

Por outro lado, como mostra o capítulo anterior, a potencial produção nacional, especialmente a da Bacia de Campos, fora deveras subaproveitada até a segunda metade da década de noventa. As queimas de gás foram freqüentes e atingiram, por vários anos do período, valores acima de 50% do total de gás extraído nos poços (ANP, 2001). Isso mostra que, por si só, o problema de volumes ofertados não pode ser encarado como o único empecilho para o desenvolvimento da indústria do gás no país. Neste sentido, cabe ressaltar que, além da oferta de combustível, a construção de um gasoduto com capacidade de transporte e oferta bastante acima da demanda, como o Gasbol, possibilitaria a criação e interligação de um conjunto de interesses econômicos em torno da formação e do avanço da indústria do gás natural no Brasil.

O Gasoduto Bolívia Brasil (Gasbol), inaugurado em 1999, é considerado uma das maiores obras para integração de infra-estruturas energéticas na América do Sul desde a construção de Itaipu. Além de uma importante obra da indústria de gás natural, o gasoduto adquiriu importante peso político para a aproximação entre Bolívia e Mercosul. Realizado a partir de um investimento superior a US$ 2 milhões, o gasoduto tem por finalidade trazer

ao Brasil o gás dos campos produtores bolivianos, país cujo consumo do energético situa-se em patamares muito abaixo de sua potencial produção.

A construção deste gasoduto, associada à abertura aos capitais privados, elevou as perspectivas de comercialização e desencadeou um surto de investimentos em prospecção e exploração de campos no país vizinho, elevando as reservas em 7,6 vezes entre 1996 e 2000. Este crescimento se manteve nos últimos anos e, em janeiro de 2003, as reservas bolivianas, segundo as estatísticas da revista World Oil, eram estimadas em aproximadamente 793 bilhões de metros cúbicos, significativamente superiores às reservas do ano de 2000, de 520 bilhões de m3 (ver tabela 1). Este crescimento acelerado viabilizou uma oferta potencial bastante grande ao mercado brasileiro e a utilização total do gasoduto, já que, segundo o acordo inicial de importação, os volumes transportados seriam limitados pela capacidade de suprimento do mercado boliviano38 (BNDES, 2000).

O trajeto do gasoduto foi planejado para beneficiar grande parte dos principais mercados consumidores do Sudeste e Sul do país, sendo esta última região, como visto anteriormente, isolada da infra-estrutura de produção nacional de GN. A empresa responsável pela operação do Gasbol (trecho brasileiro) é a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG), criada em 1997 e cuja estrutura societária é formada pelas empresas: Gaspetro (51%), BBPP Holding (29%), Transredes (12%), Shell (4%) e Enron (4%).

Outra fonte de importação de gás da Bolívia é o gasoduto Lateral-Cuiabá, uma ramificação do Gasbol, que tem início em São Miguel na Bolívia e chega em Cuiabá, onde alimenta uma termelétrica. A empresa operadora do gasoduto, que possui capacidade de transporte de 2,8 milhões de m3/dia, é a Gasocidente do Mato Grosso, cuja estrutura acionária é formada por: Enron (50%), Shell (37,5%) e Transredes (12,5).

É interessante notar que a existência de grandes reservas na Argentina e Bolívia e a demanda potencial do sudeste/sul brasileiros viabilizava e chamava a atenção para projetos

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O contrato inicial, realizado na primeira metade da década, previa o transporte inicial de 8 milhões de m3/dia no primeiro ano, ampliando estes valores progressivamente até o oitavo ano, quando seriam

transportados 18 milhões de m3 diários. Este acordo poderia ser modificado, como de fato foi, ampliando-se a capacidade de transporte até 30 milhões de m3/dia - capacidade total do gasoduto - caso as reservas bolivianas crescessem e permitissem o suprimento do gasoduto e a oferta adequada ao mercado boliviano (BNDES, 2000).

de integração energética no Cone Sul. Estes projetos têm sido discutidos desde meados da década de noventa. De fato, quando iniciaram estes debates, os estados brasileiros a serem atendidos pelo gasoduto tinham um PIB semelhante ao de todos os outros países do Cone Sul juntos39 e um consumo de GN de menos de 1/5 do consumo argentino (BNDES, 1997b; BNDES, 2000) o que consubstanciava um potencial de mercado e de intercâmbio energético de grande magnitude.

A integração das infra-estruturas de gás no Cone Sul, tendo o Brasil como principal demandante e Bolívia e Argentina como produtores, passaria também pela interligação do Gasbol à rede argentina. Assim, foi planejada a construção de um gasoduto interligando as cidades brasileiras de Porto Alegre e Uruguaiana, sendo esta última o ponto final de um gasoduto ligando os campos produtores do nordeste argentino e a termelétrica Uruguaiana da empresa AES no Rio Grande do Sul. Este gasoduto de 25 km está em operação desde julho de 2000 e é a terceira fonte de importação de GN para o país. Entretanto, para que se efetive a interligação do mercado do Rio Grande do Sul à produção argentina, o trecho II (ligando Uruguaiana-RS e a REFAP - 565 km) deverá ser inaugurado. Atualmente, a importação do gás argentino se direciona, quase integralmente, à alimentação da termelétrica da AES. O gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre será operado pela Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB), que é um consórcio formado por Gaspetro (25%), Totalfina Gas and Power Brazil (25%), Ipiranga (20%) Repsol YPF (15%) e Tecgas N.V. (15%), e que opera o trecho de 25 km concluído.

A finalização deste trecho central do gasoduto, além de permitir um incremento do intercâmbio comercial no Cone Sul40, seria um elemento importante em uma integração energética no Mercosul. Esta, para que obtenha êxito e real modificação das condições de investimento, deverá incluir aproximação de empresas locais, legislação e agências reguladoras, planejamento regional, dentre outras iniciativas de integração, principalmente no âmbito da distribuição de energia elétrica.

A construção da infra-estrutura relatada nos parágrafos anteriores modificou as condições de oferta no país. Sem nos esquecer de questões já mencionadas, relativas ao

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Dados para o ano de 1997 (BNDES, 1997b)

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Já existe gasoduto ligando a rede argentina e os produtores bolivianos. Também existem gasodutos de exportação da argentina para o Chile e Uruguai (em construção)

surgimento de diversos interesses econômicos em torno da indústria de gás canalizado no Brasil, pode-se afirmar que a certeza de uma oferta de longo prazo logrou impulsionar o consumo de gás no país, alterando significativamente o perfil de origem do produto.

Através da figura 5, que ilustra volume e origem da oferta de GN no mercado nacional, verifica-se uma expansão significativa do produto importado desde o início da década atual. A forte participação do gás estrangeiro no consumo nacional, especialmente o boliviano, leva-o a atingir proporções semelhantes à do gás de origem nacional no final do período. Cabe relembrar que o fracasso das previsões relacionadas ao PPT frustrou em grande medida as previsões de utilização do Gasbol, que teve sua capacidade de transporte e cláusulas “take or pay” (TOP) ampliados com antecedência. Entretanto, o avanço

significativo de mercados como o automotivo e o industrial, além da entrada de parte da capacidade térmica projetada, viabilizaram um aumento da utilização do gasoduto, principalmente após a retomada do crescimento industrial nos meses finais de 2003.

Os dados apresentados nas figuras 6 e 7 corroboram a afirmação de parágrafo anterior em relação ao crescimento industrial e o avanço das vendas de GN a partir dos últimos meses de 2003. No entanto, chama a atenção o fato de que as vendas do energético apresentaram crescimento contínuo durante todo o período, a despeito da volatilidade do crescimento econômico e do baixo crescimento do produto industrial. Segundo a Tabela 9 (ver Capítulo III) pode-se inferir que grande parcela deste relativo “descolamento” entre a

Figura 5 - Oferta de GN no mercado nacional, 2000-2004 (mil m3/dia)

0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 Jan- 00 Apr- 00 Jul- 00 Oct- 00 Jan- 01 Apr- 01 Jul- 01 Oct- 01 Jan- 02 Apr- 02 Jul- 02 Oct- 02 Jan- 03 Apr- 03 Jul- 03 Oct- 03 Jan- 04 Apr- 04 m il m3/ d ia

prod. nac. líquida importação Font e: ANP

produção industrial e a venda de gás esteve associada ao surgimento da demanda termelétrica. De fato, no início de 2004, esta demanda representava por volta de 20% das vendas de GN na Região que compreende o sul do país e o estado de São Paulo, maiores mercados do Gasbol, e era inexistente antes do ano 2000. Este percentual de vendas aumentaria significativamente se incluído o mercado de Mato Grosso que, no início de 2004, concentrava-se quase totalmente na termeletricidade. Cabe ressaltar, entretanto, que esta demanda é suprida pelo gasoduto Lateral-Cuiabá. Apesar deste relativo descolamento, a mesma tabela 9 mostra um crescimento de mais de 200% do consumo industrial de GN, evidenciando um investimento significativo de conversão de equipamentos em direção ao GN, a despeito das condições macroeconômicas desfavoráveis à indústria em grande parte do período.

Figura 6 - Crescimento da Produção Industrial* X Crescimento da Oferta de Gás (base: jan/2000=100) 100 120 140 160 180 200 220 janeiro 2000 abril 2000 julho 2000 out ubro 2000 janeiro 2001 abril 2001 julho 2001 outubro 2001 janeiro 2002 abril 2002 julho 2002 out ubro 2002 janeiro 2003 abril 2003 julho 2003 outubro 2003 janeiro 2004

Prod Ind./Brasil Prod Ind./Reg. Sul Prod Ind./SP Oferta de GN_Brasil

Fontes: SIDRA/IBGE e ANP * Produção Física Industrial (ind. de transformação)

Ainda em relação à figura 6, cabe ressaltar que a oferta de GN não se converte totalmente em gás distribuído pelas concessionárias estaduais. Apesar de não haver reservatórios de GN no país e os dados de oferta referirem-se à oferta nacional líquida41 adicionada da importação total, existe uma parcela importante deste total (gás rico) que é

processada, despida de impurezas e transformada em outros produtos, como o GLP. Além destes fatores, parcelas do gás ofertado são utilizadas para movimentar as estações compressoras dos gasodutos de transporte.

Quanto ao transporte do gás importado, é notável a proeminência do Gasbol em relação aos outros gasodutos descritos. Estes, por sua vez, na dependência de um único grande consumidor, tiveram acentuada variação dos volumes transportados durante o período e não apresentaram tendência de crescimento. Observa-se, ademais, que o volume transportado pelo Gasbol responde rapidamente ao reaquecimento da atividade econômica após a segunda metade de 2003, ao contrário dos demais.

Figura 7 - Transporte de Gás Natural importado por gasodutos no Brasil,

2000-2004 (mil m3/dia) 0 5000 10000 15000 20000 25000 Jan- 00 Apr- 00 Jul- 00 Oct- 00 Jan- 01 Apr- 01 Jul- 01 Oct- 01 Jan- 02 Apr- 02 Jul- 02 Oct- 02 Jan- 03 Apr- 03 Jul- 03 Oct- 03 Jan- 04 Apr- 04 mil m3/dia

Gasbol Lateral-Cuiabá Uruguaiana_P. Alegre (Trecho I) Fonte: Anp

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