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6. CAPÍTULO VI: Política energética e instituições na indústria de gás natural

6.3 Preços, tarifas e regulação

A questão dos preços do gás natural, como apresentado nas análises de demanda, é extremamente importante para determinação dos termos em que se processará a competitividade de um combustível que não possui mercados cativos. O avanço do gás natural é amplamente dependente dos custos e nível de eficiência na produção, transporte e distribuição, condições que afetam diretamente os preços de oferta do energético, bem como das características da regulação e tarifação, que determinam os sinais para alocação de recursos pelo mercado.

Como apontado na última seção, cabe à ANP regular as atividades de produção, importação, exportação e transporte de gás natural entre os campos de produção e os city- gates. Por extensão, a Agência Nacional do Petróleo é responsável pela regulação das condições contratuais e tarifárias, estabelecendo parâmetros para a repartição das rendas econômicas entre os agentes da indústria (Pinto Jr., 2001). Após a entrega deste gás às distribuidoras, cabe às agências estaduais o papel de regular e determinar as tarifas aos consumidores finais.

O preço do gás natural entregue nos city gates é composto por duas parcelas gerais: o preço na boca de poço66 e a tarifa de transporte entre as áreas de produção e consumo. Como explicitam as próprias nomenclaturas, a primeira parcela corresponde às remunerações do produtor, enquanto a tarifa de transporte remunera o agente responsável pela movimentação do combustível (ANP, 2002).

Como descreve Turdera (1997), os preços do gás natural podem ser determinados pelos sistemas net-back ou cost-plus. No sistema net-back, de forma sucinta, a determinação de um preço final é dada por preço-teto ou pelo mercado. Neste caso, o preço de boca de poço é um resíduo originado da subtração das tarifas de transporte em relação ao preço final. No sistema cost plus são computados e somados os custos e taxas de

remuneração das etapas da cadeia. Obviamente, para países importadores o sistema net- back pode ser mais interessante, enquanto a soma de custos pode ser preferível para os produtores, especialmente para aqueles onde haja maiores custos de produção.

Também é comum que os preços finais de gás natural estejam atrelados à outros combustíveis concorrentes. Geralmente é mais interessante aos produtores uma aproximação com preços de petróleo e aos consumidores uma aproximação com substitutos diretos como o óleo combustível ou energia elétrica (Turdera, 1997).

No que tange às tarifas de transporte, o cômputo dos custos fixos e variáveis pode ser efetuado por diversas metodologias. Basicamente, os custos variáveis são proporcionais aos volumes transportados. Por outro lado, também de uma maneira simples, a estimativa dos custos fixos leva em conta os gastos com construção e manutenção de capacidade de transporte. Além disso, podem ser considerados ou não os custos referentes à distância transportada. Mais especificamente, as chamadas "tarifas postais" são aquelas onde não há discriminação da distância no preço final. Estes critérios são comuns em países onde há monopólio de uma empresa, ou onde o estabelecimento de tarifas com critério locacional seriam custosos ou desnecessários, como em indústrias com elevada maturidade e grande rede de transportes. A inclusão de critérios locacionais67 reduz os subsídios cruzados, facilitando o desenvolvimento de mercados geograficamente melhor posicionados em relação às reservas. Neste caso seriam possíveis os critérios de alocação de investimentos e eficiência de mercado, viabilizando preços mais baixos ao consumidor bem posicionado. Aos custos descritos são acrescidos os impostos e uma taxa de retorno considerada justa. Para o cálculo da tarifa, são realizadas estimativas de demanda68 para o tempo de vida útil do gasoduto, de maneira a proporcionar a cobertura dos custos, impostos e proporcionar a referida taxa de retorno. Além disso, as tarifas de transporte podem variar segundo as formas de aquisição “firme” e “interruptível” de capacidade. Enquanto na aquisição firme o usuário do gasoduto contrata uma determinada capacidade a que terá direito invariavelmente, na modalidade interruptível ou não firme o usuário depende da ociosidade

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Preço da commodity ou wellhead price.

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As tarifas por distância podem ser calculadas ponto a ponto ou por zonas, calculando a distância até os centros de carga. Além disso, podem ser adotadas tarifas mistas, ponderando os critérios locacionais e a tarifa postal.

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do gasoduto, sendo recompensado, via redução de preços, por este risco (SCG/ANP, 2002b).

No Brasil, os preços de gás natural obedecem a critérios diferenciados. Nos gasodutos nacionais, onde a totalidade do transporte é realizada pela Petrobrás, inicialmente eram fixados preços-teto, a partir dos quais, por net-back, calculava-se o custo na boca de poço69. Na verdade, esta separação foi adotada como uma medida provisória, até que se estabelecessem contratos de comercialização – pois a Petrobrás entregava o gás com um “preço fechado”. Em outras palavras, não havia separação entre as atividades de transporte e comercialização. Essa situação foi uma herança do período monopólico, quando sequer haviam definições concretas para separação entre transporte e distribuição. Além disso, até 2000, com a edição da Portaria Interministerial MF/MME no3, os preços do gás natural eram atrelados aos do óleo combustível, sem quaisquer menções aos custos de transporte ou produção (ANP, 2002).

A mencionada portaria estabelecia um novo preço-teto, resultado da soma de custos referentes ao gás na entrada do gasoduto (produção, transferência e processamento) e os custos de transporte. Esta metodologia pretendia acelerar o processo de separação entre transporte e comercialização (unbundling) no Brasil, dando maior transparência às estruturas de custo, além de desvincular o preço do gás do preço do óleo combustível que, por força das desregulamentações no mercado brasileiro de combustíveis, estava enfrentando grande volatilidade. Ademais, estabeleciam-se parâmetros locacionais para o transporte, através de uma tarifa mista, com peso de 30% para os critérios de distância. Em 2001 foram feitas tentativas de ampliação do peso da tarifa por distância e de introdução as instalações de transferência no cálculo das tarifas de transporte. Entretanto, como em 2002 seriam totalmente liberalizados os mercados de combustíveis no Brasil, deixou de caber à ANP o controle de preços, que passariam a ser fixados pelo mercado. Além disso, como o Concurso Aberto para expansão de capacidade previa que as novas tarifas seriam calculadas pelo critério roll in70, havia forte incentivo para que a Petrobrás caminhasse em direção às definições de contratos e tarifas para as capacidades existentes (ANP, 2002).

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Esta nomenclatura apresentou problemas pois os chamados gasodutos de transferência não eram computados no custo de transporte. Assim, o preço resíduo do net back era chamado “preço na entrada do gasoduto”.

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Entretanto, alguns destes prognósticos frustraram-se. A Petrobrás permanece dominante e a Abegás tem manifestado dificuldades nas negociações em relação aos preços. Estes ainda permanecem influenciados por tarifas postais, conforme os contratos firmados entre o Consórcio Malhas Sudeste Nordeste e a estatal (SCG/ANP, 2004). A ANP permanece amarrada à legislação que liberalizou os preços dos combustíveis, em uma política que nitidamente esteve viesada para os mercados de derivados de petróleo.

Os preços do gás importado são liberados e seguem os contratos firmados entre os produtores e comercializadores. Entretanto, enquanto os preços do gás nacional variaram em torno de dois dólares por milhão de BTU, o gás importado foi vendido inicialmente à US$ 3,475/ MMBTU, sendo 1,8 dólar referente ao custo de boca de poço e 1,675 referente à tarifa de transporte (ANP, 2002). Após uma redução de preços negociada com os produtores em 2002, ao final de 2003 ocorreu a última modificação destes valores, segundo os contratos da Petrobrás, com pequena redução no preço do gás que superasse volumes demandados até então. Estes preços seriam de US$ 3,36/ MMBTU para o gás já contratado e de US$ 2,70/MMBTU para o gás adicional. Além disso, os preços do gás contratado anteriormente seriam progressivamente reduzidos quando as aquisições adicionais superassem 40% do volume inicial. Esta redução atingiria seu máximo quando a capacidade adicional fosse de 100% da capacidade prévia. Os preços seriam então de US$ 2,86 e US$ 2,70 por milhão de BTU, fazendo com que o preço médio do gás adquirido pela distribuidora fosse de US$ 2,78/ MMBTU (Canal Energia, 23/12/2003). Na verdade esta proposta pouco animou as distribuidoras, pois as metas para efetivas reduções de preço demorariam muito para serem atingidas. Além do mais, essa progressão é difícil de ser repassada para os consumidores instantaneamente, pois o preço efetivo se torna variável, atrasando o efeito desta redução sobre a demanda. Estas modificações, que se referiram somente aos preços do gás importado, atingiram apenas os estados das regiões Sudeste e Sul, atendidos pelo Gasbol. As tarifas cobradas pela Petrobrás são do tipo postal, ao contrário das tarifas referentes aos contratos da BG e Enron, estabelecidos com critérios de distância após a resolução de conflitos com a TBG (ANP, 2002).

Outro nível de preços de gás natural é adotado para o consumo das térmicas do PPT, como já mencionado em seção anterior. Este preço, de US$ 2,581 com tarifa postal, tem reajuste com a inflação norte americana e um intervalo de 12 meses para reajustes

cambiais, de maneira a sincronizar os reajustes de custos do gás aos reajustes de preços da energia vendida (Santos, 2002; ANP, 2002). Por último, devem ser citados os descontos ao preço do gás vendido para distribuição como GNV, atrelados ao preço do óleo diesel. Este preço – 55% daquele cobrado para o diesel – é oferecido apenas para empresas concessionárias de linhas de ônibus (Notícias Petrobrás, 27/01/04).

Segundo Dutra (2004) esta política de preços diferenciados é insustentável no médio prazo, pois acarreta em prejuízos à Petrobrás, especialmente no caso das térmicas. Esta própria insustentabilidade pode ser apontada como fator de incerteza para construção das usinas, já que estas poderiam projetar dificuldades para futura renegociação de preços junto à estatal. Mesmo com a entrada de uma nova quantidade de gás natural nacional, especialmente a partir da nova produção na Bacia de Santos, o mix de preços ainda será bastante pesado pelo volume de gás importado da Bolívia. Cabe lembrar também que há de ser construída complexa infra-estrutura para exploração deste gás novo - encontrado em elevada profundidade, podendo forçar os custos iniciais desta nova produção para valores acima dos US$ 2,00 por milhão de BTU estimados. Contudo, conforme a oferta de gás nacional for adquirindo uma parcela mais significativa da oferta nacional total, os preços podem seguir uma trajetória cadente.

Em recente nota técnica publicada pela SCG/ANP (2004), as principais questões referentes à política de preços do gás natural no Brasil são apontadas. Além das questões gerais, que versam sobre transparência, previsibilidade e valores justos, são apresentados pontos polêmicos como a regulação ou não de preços, vinculação de preços à concorrentes, equalização do preço do gás entregue às distribuidoras, discriminação de consumidores e critérios locacionais para tarifas de transporte.

De fato, quanto mais livres os preços, maiores as garantias para os investidores nos diversos elos da cadeia. Entretanto, a liberalização de preços nacionais - por força da Lei 9478/97 - estancou os avanços que vinham sendo produzidos em direção à transparência na comercialização do gás de origem nacional. Ademais, o monopólio de fato da Petrobrás nas atividades de produção e transporte torna ineficazes os mecanismos de concorrência.

Atrelar os preços do gás a concorrentes pode ser uma boa estratégia para desenvolvimento de mercados setoriais, como o caso do GNV. Entretanto, como verificou-

se no início da década, a vinculação à outros combustíveis em uma situação de preços livres pode acarretar volatilidade indesejada. A preocupação com o nível dos preços relativos é válida, principalmente para auxiliar o avanço do GN em mercados onde existam vantagens ambientais. Entretanto, a intervenção não deve ser direta, como realizada antes de 2001. Deve ser objeto de políticas fiscais localizados, sem ônus para os agentes da indústria do gás, e somente viabilizando discriminações de preço onde haja claro interesse público, benefício ambiental ou elevação da eficiência energética.

As tarifas por distância devem, gradativamente, ser introduzidas no cálculo das tarifas de transporte, viabilizando critérios alocativos. Entretanto, esta introdução deve ser feita de maneira a minimizar os impactos aos consumidores que já realizaram investimentos para o a aquisição do combustível. Este objetivo poderia se atendido com a sincronização desta modificação de parâmetros e a entrada de novos gasodutos e campos de produção nacional, com preços menores ao combustível importado.

A vinculação dos preços do gás boliviano à inflação e moeda americana, bem com a uma cesta de óleos também tem sido fonte de críticas. De fato, este tratamento gera uma incerteza grande em relação ao preço do combustível ao longo do tempo, configurando uma situação que dificulta a inserção do GN em diversos setores mais concorridos. Wagner Victer, secretário de Energia, Indústria Naval e Petróleo do Rio de Janeiro, apresentou uma proposta para realização de um hedje, através da exportação das reservas de Santos. Segundo ele, as receitas em moeda americana permitiriam a manutenção de preços estáveis ao consumidor brasileiro, facilitando o avanço do energético no país (Victer, 2004). Entretanto, como mostra este estudo, as perspectivas de demanda nacional de GN tendem a ser significativas e atingir em alguns anos as estimativas apresentadas pelo governo e Petrobrás. Isso significa que não há sobra de GN no país. Além disso, após as descobertas de Santos não foram realizadas outras que possibilitassem um significativo incremento da relação reservas/produção. Casos recentes de elevação brusca de preços no mercado norte americano e problemas de suprimento na Argentina são claros indícios de que o planejamento adequado da oferta nacional é essencial para manutenção dos investimentos e da confiabilidade da indústria do gás natural.