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2.2 O gás natural no mundo

2.2.2 Produção e consumo de GN no mundo

Como mencionado anteriormente, a produção para o consumo em escala comercial do gás natural tem seu marco inicial no após-guerra9. Este período é a referência para os primeiros gasodutos de longas distâncias, quando se tornou possível transportar grandes quantidades de GN sob elevada pressão.

Os EUA, Canadá e antiga União Soviética foram os primeiros consumidores do energético. A descoberta de reservas (EUA e, principalmente, antiga URSS) e o baixo preço relativo do energético foram fatores essenciais na substituição e viabilização de escala mínima inicial10. A preexistência de redes de distribuição e a cultura de utilização de gás canalizado nas residências e a descoberta de reservas no Mar do Norte foram os principais "motores" para a elevação inicial do consumo europeu, cujo surgimento remonta à década de sessenta. Esta mesma década marca, ademais, o início do desenvolvimento de técnicas criogênicas para liquefação e transporte de GNL, muito importantes para o suprimento europeu e, principalmente, japonês (Centeno, 1974).

Nos EUA, já em 1950, o gás respondia por volta de 20% das necessidades primárias de energia. Os principais campos de produção eram no Texas, Novo México, Oklahoma e Kansas, donde cresciam as primeiras redes de transporte estaduais e interestaduais. A fixação de preços por parte da Federal Power Comission fez com que os preços chegassem extremamente competitivos ao consumidor final, especialmente para os industriais e geradores de energia, cujos contratos de volume superior e de longo prazo permitiam a aquisição aos melhores preços possíveis junto aos produtores. A substituição de outras fontes de energia caminhou a passos largos, bem acima do avanço da produção e descoberta de reservas. Em meados da década de setenta, graças aos preços baixos e os crescentes custos de produção e exploração, a relação reservas/produção reduzia-se à marca de 10 anos, forçando a ampliação das redes de importação do Canadá e a elaboração de

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Algumas experiências são relatadas no período entre-guerras nos EUA, porém a maioria dos autores prefere ressaltar o pós-guerra, quando a tecnologia se mostrou eficaz e houve possibilidade de crescimento contínuo para os mercados.

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Os EUA iniciaram a comercialização do GN associado texano já nos anos 30. Em 1945 o GN já representava 13% do consumo primária de energia, porém restrito aos locais ou reigiões de produção. Somente após 1945 o crescimento do consumo foi acelerado, atingindo 31% da matriz energética em 72 (Centeno, 1974).

projetos de GNL a partir da Argélia e Venezuela. O Canadá, que em meados da década de setenta era o terceiro produtor mundial – superado pela Holanda entre as décadas de setenta e oitenta – possuía grande volumes de reservas nas mãos de filiais estadunidenses. Aos poucos foi tornando-se um grande exportador para o país vizinho, em detrimento de seu próprio mercado. Temeroso em relação a este fato e visualizando problemas no desenvolvimento de sua indústria gasífera, o governo canadense centralizou a concessão de permissões para exportar, fixando, concomitantemente, regras de exportação máxima em função dos volumes de reservas, perspectivas de produção e demanda nacional para os anos subseqüentes11. Ainda em relação à formação da indústria de GN na América do Norte, cabe ressaltar que a predominância de capitais privados esteve sempre associada a um forte controle estatal, moldando as características institucionais durante o crescimento destes mercados (Centeno,1974).

A Europa, relativamente atrasada em relação a outras regiões desenvolvidas, iniciou os primeiros passos na indústria de gás natural na década de sessenta. Entretanto, somente na década subseqüente verificou-se importante crescimento do consumo em seus maiores mercados nacionais. Os principais produtores de gás no Velho Continente eram a Inglaterra e a Holanda. A França, a Alemanha e a Itália também possuíam alguns campos nacionais de produção de GN, porém tornaram-se importadores do produto, originário principalmente da Rússia e Argélia, quando seu consumo viu-se ampliado. Na infância desta indústria, ao contrário dos EUA e Canadá, os países europeus tiveram uma forte participação estatal nas empresas de produção, transporte e distribuição de gás. Na maioria dos casos o Estado participou como sócio dos empreendimentos, além de organizar e planejar o consumo doméstico e o comércio exterior. Como já mencionado, a Europa possuía uma relevante rede de distribuição de gases nas suas maiores cidades, podendo utilizá-las e dar uma escala inicial para o consumo. Além disso e como em quase todos os mercados mundiais neste período, o gás natural na Europa teve seu preço bastante baixo até os choques do petróleo. Se por um lado estes preços impunham severos condicionamentos econômicos12 aos projetos de transporte de longas distâncias, possibilitou um avanço rápido sobre a indústria

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Relação reservas/produção de 25 anos era o patamar mínimo para a permissão em determinados campos de produção.

e, em alguns países, sobre a geração termelétrica – veja-se, por exemplo, os casos de Alemanha e Holanda (Centeno, 1974).

A evolução das matrizes energéticas européias, bem como as norte americanas, foi particularizada pelo grande avanço do petróleo em relação aos combustíveis sólidos, notadamente o carvão. Em alguns países o petróleo chegaria assumir entre 60 e 75% das necessidades primárias de energia. Na segunda metade da década de setenta, os EUA e Canadá teriam por volta de 23% de suas matrizes ligadas ao gás. Os maiores mercados da Europa, neste período inicial, variavam entre 10 e 18%. A exceção ficou por conta da Holanda, grande produtora, que atingiu notáveis parcelas de quase 60%, bastante superiores às do petróleo. Recentemente também se destaca a Noruega, grande produtora no Mar do Norte.

O Japão, que no início da década de oitenta figurava entre os 10 maiores consumidores de GN ao lado de países como França e Itália, caracteriza-se pela elevada dependência de importação de fontes primárias de energia. O MITI13, desde aquele período, convencido a dirigir a matriz energética para fontes mais limpas de geração de energia, tratou de viabilizar estratégias de GNL, bem como viabilizar a sua conexão com a indústria – tanto no consumo final, quanto no fornecimento de equipamentos. Apesar do crescente volume de importações de GN na década de setenta, o grande desenvolvimento econômico e a elevação sem precedentes das necessidades energéticas no Japão, fez com que o petróleo, de logística mais barata e de rápida implementação, tivesse um salto muito superior, relegando o gás a uma posição inferior à 5% na matriz energética.

Por fim, a antiga União Soviética, outra importante região de desenvolvimento precoce da indústria de GN, teve um desenvolvimento bastante peculiar. A descoberta de grandes reservas e o planejamento estatal possibilitaram uma forte elevação do consumo nacional em conjunto com a elevação das exportações, principalmente para a Europa. Em meados da década de setenta, a matriz energética soviética já contava com uma participação de mais de 15% de GN, sendo a indústria e as centrais elétricas as principais consumidoras. A construção de gasodutos que ligavam vários pontos de seu extenso território possibilitou

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Os preços baixos não eram capazes de remunerar importações a partir das reservas do Oriente Médio, por exemplo. Grande parte dos contratos deste período era realizada por mais de um país importador, única maneira de viabilizar as escalas mínimas em mercados em formação.

conjugar também estratégias de importação de gás iraniano, viabilizando um planejamento geográfico do consumo interno e liberando suas reservas ocidentais para exportação – a preços superiores aos do gás importado – para a Europa Ocidental. As reservas do oriente soviético também passaram a ser objeto de cobiça e propostas comerciais do Japão, dada sua já citada dependência de fontes externas de energia.

A década de oitenta é marcada pelos resultados do avanço estratégico sobre as atividades exploratórias e de produção de hidrocarbonetos, tanto por empresas de países de terceiro mundo - em grande medida estatais - quanto pelas majors e outras empresas de países desenvolvidos. A busca pela auto-suficiência energética e exploração de potencial produção/exportação das reservas nacionais foi conseqüência da elevação de preços da década de setenta e dos impactos nos balanços de pagamentos nacionais. A inexistência de um mercado mundial de GN e os mecanismos de formação de preço neste energético14 fizeram com que os impactos de preços no GN pudessem ser de menor magnitude, estimulando a substituição no consumo. O revés “natural” destes mecanismos de defasagem de preços, o desestímulo no upstream, pode ser atenuado, dado a existência de economias de escopo em relação às atividades de pesquisa e exploração de petróleo. Assim, como se vê nas figuras 1 e 2, a produção e o consumo mundial de GN tiveram um crescimento contínuo ao longo das últimas duas décadas do século XX.

As figuras 1, 2 e os dados apresentados na tabela 2 retratam algumas importantes tendências e transformações processadas na indústria mundial de GN. O crescimento da produção e do consumo se manteve firme neste período, inclusive durante a década de oitenta, quando a produção de petróleo esteve estagnada15. Este crescimento percentualmente bastante superior ao do petróleo possibilitou um grande movimento de substituição, especialmente das frações mais pesadas16, em diversos mercados e usos finais.

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Ministério da Indústria e Comércio Internacional

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Em grande medida formados por contratos bilaterais de médio e longo prazos. O capítulo subseqüente trará uma discussão sobre os mercados de GN e a formação de preços.

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O consumo e produção de petróleo reduziram-se durante década de oitenta e só retornou aos níveis de 1979 entre 1988 e 1989, respectivamente.

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O óleo combustível é um exemplo de combustível que perdeu bastante mercado na indústria e geração termelétrica.

Figura 1 - Consumo de GN em regiões selecionadas (1980 - 2000) 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 1980 1985 1990 1995 2000 Ano Bilhões de m3 Ásia e Oceania África Oriente Médio Europa Oriental Europa Ocidental América S&C América do Norte Fonte: EIA

Figura 2 - Produção de GN em regiões selecionadas (1980 - 2000)

- 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 1980 1985 1990 1995 2000 Ano Bilhões de m3 Ásia e Oceania África Oriente Médio Europa Oriental Europa Ocidental América S&C América do Norte Fonte: EIA

Tabela 2 – Parcelas do consumo e produção mundial em regiões selecionadas (1980-2000)

1980 1985 1990 1995 2000

Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo Produção Consumo

América do Norte 43,23% 42,65% 32,85% 32,83% 30,67% 30,61% 32,27% 33,10% 30,39% 31,70% América S&C 2,30% 2,35% 2,81% 2,82% 2,74% 2,76% 3,31% 3,28% 3,89% 3,73% Europa Ocidental 13,98% 16,38% 11,82% 15,22% 9,84% 14,31% 11,29% 16,22% 11,56% 17,18% Europa Oriental 31,97% 29,98% 39,30% 37,13% 40,96% 37,92% 33,27% 29,29% 29,76% 25,71% Oriente Médio 2,67% 2,48% 3,81% 3,65% 5,05% 4,90% 6,40% 6,02% 8,59% 7,69% África 1,29% 1,39% 2,98% 1,72% 3,34% 1,84% 3,86% 2,15% 5,04% 2,30% Ásia e Oceania 4,57% 4,77% 6,42% 6,62% 7,40% 7,66% 9,61% 9,93% 10,76% 11,69% TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da EIA

As modificações na produção mundial de GN caminharam na direção de uma maior participação de regiões relativamente excluídas da indústria antes dos choques do petróleo, porém com elevados volumes de reservas. A elevação dos preços viabilizou economicamente a construção de infra-estrutura de produção e transporte de longas distâncias, concomitantemente a uma evolução da demanda na América do Norte e na Europa Ocidental acima da sua capacidade de produção. Países com elevados volumes de reservas e com baixo desenvolvimento de mercados internos de GN passaram a adotar estratégias exportadoras e abocanhar parcelas maiores na produção mundial. Os casos mais notáveis são os do Oriente Médio, Ásia/Oceania e África, com destaques para Irã, Arábia Saudita, Argélia, Malásia e Paquistão, além de outros casos de grande crescimento percentual, mas com volumes menos significativos.

Ainda em relação aos movimentos na atividade de produção de GN, cabe citar o crescimento dos volumes produzidos na América do Sul e Central, especialmente na Argentina e na Venezuela. Trinidad e Tobago também observou um crescimento na segunda metade da década de noventa, grande parte associado à exportação de GNL para os EUA. Na América do Norte, o Canadá e, mais recentemente, o México foram responsáveis pelo crescimento da oferta regional, enquanto na Europa a Noruega e o Reino Unido foram

os países com maiores elevações na produção. Os países do Leste Europeu, arrastados pela crise econômica, tiveram sua produção reduzida a níveis inferiores aos de 1990, perdendo uma parcela expressiva da produção total mundial.

Quanto ao consumo, verificou-se um avanço significativo de países em desenvolvimento e áreas com grandes volumes de reservas – os “novos produtores”. Nesse rol novamente se destacam países asiáticos e do Oriente Médio, que ocuparam uma percentagem de quase 20% do consumo global em 2000, contrastando com pouco mais de 7% no início da década de oitenta. Ainda neste quesito, áreas como América do Sul e América Central, bem como os países africanos, tiveram um crescimento moderado do consumo entre 1980 e 2000, elevando modestamente sua parcela do consumo no total mundial – e esta elevação do consumo foi inferior à elevação na produção regional.

Comparados com as regiões anteriores – especialmente a Ásia – estes países tiveram um crescimento econômico muito baixo, dificuldades na ampliação de suas estruturas energéticas e, na maioria dos casos, as dificuldades no balanço de pagamentos tornaram a internacionalização de sua estrutura petrolífera e a exportação de sua produção uma estratégia de curto prazo para obtenção de divisas. A Argentina foi exceção neste conjunto de países. As suas restrições em relação ao petróleo fizeram com que sua estratégia quanto ao GN fosse diferenciada desde a década de setenta. Tendo amadurecido sua infra-estrutura de distribuição em quase todos os mercados relevantes existentes no país, a Argentina pode ampliar seu consumo de acordo com suas necessidades e não optou pela adoção de uma estratégia exportadora. Entretanto, a desnacionalização de sua indústria petrolífera surtiu efeitos negativos após a crise vivenciada desde a virada do século. A desvalorização cambial e a desvalorização real das tarifas de energia desencadearam em uma crise de oferta de GN em 2004, acarretando em uma crise energética e em quebra de contratos de exportação (Repar, 2004; Lapeña, 2004).

O consumo de GN nas regiões tradicionalmente “mais importantes” nesta indústria – América do Norte e Europa Oriental – teve uma queda percentual na participação total bastante significativa. Em primeiro lugar, cabe ressaltar as dificuldades econômicas no leste europeu, principalmente nos países do antigo bloco soviético. A retração destas economias fica evidente inclusive nos dados de consumo, quando se observa o volume do ano de 2000,

inferior ao de 1985 e bastante inferior ao grande consumo de meados de 1990. A América do Norte apresentou um crescimento no total consumido, porém abaixo da média mundial. Esta queda percentual é razoável na medida que o desenvolvimento anterior aos anos oitenta foi bastante elevado e a dependência energética em relação ao exterior fez o maior mercado do mundo, os EUA, adotar uma série de medidas para economizar e racionalizar o uso das fontes de energia desde a década de oitenta.

Por fim, a Europa apresentou um crescimento percentual no consumo de GN no período todo, mesmo já tendo uma parcela significativa em 1980. Este processo esteve associado ao amadurecimento da União Européia, a uma planejada integração energética dos países membros e à conseqüente elevação do consumo de energéticos mais nobres em países como a Espanha, Itália e Turquia. Além disso, a descoberta de reservas no Mar do Norte avançou bastante na década de noventa, possibilitando a manutenção de um crescimento contínuo do consumo em mercados já tradicionais como o do Reino Unido, França e Alemanha.