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Messias ou filho de Satanás: a discussão em torno do horóscopo de Lutero

No documento História da Astrologia (páginas 133-135)

Os prognósticos e folhetos astrológicos que surgiam em prolus.iu

foram, no início do século XVI, um meio decisivo para a formação <11

opinião pública, como já pudemos constatar acima. Dois prognóstico* de teor quase idêntico atiçaram de maneira especial a disputa entre católicos e protestantes, ou seja, aquele do astrólogo papal Paulus von Middelburg (1486) e o do astrólogo da corte imperial, Johannrt Lichtenberger (1488), que, como se supõe, simplesmente adotou algumas coisas de Middelburg. Ambos remetiam à Grande Conjunç.lo I do dia 25 de novembro de 1484 e ao eclipse solar subseqüente no signo fixo de Leão sobre o qual se acreditava que teria um longo cln

to. Em sua Prognosticatio, que abrange quarenta páginas in-fólio

Lichtenberger afirma que, logo após 1485, surgiria um sacerdote <lt< grande santidade, que alguns privilégios da nobreza e leis teriam de sei abolidos em razão da grande miséria dos homens e que uma série di< falsos profetas agitaria o cristianismo. Porém, um pequeno prolti.i entraria, então, em cena, um sacerdote versado na interpretação dim ; escrituras que prepararia uma boa reforma e melhoria da Igreja.

É evidente que representantes do catolicismo reconhecem em lutero um dos falsos profetas, enquanto os seus seguidores nham

icrteza de que falso seria o anticristo romano e, ao contráric0 seu

brlormador deveria ser o pequeno profeta anunciado. Essa piníão tonrece ter sido compartilhada pelo próprio Lutero, pois, no no de 1527, mandou imprimir o escrito em Wittenberg e Erfurt, ma, espe­ cificamente, na tradução alemã elaborada por Roth. Foi urrt hábil jogada, pois exatamente nesse ano servos alemães que exigarn do Imperador o soldo prometido após a defesa de Roma saquqram a k'idade Santa e expulsaram o papa de sua residência. A Witten)erg de

I utero foi exibida, então, como a "nova Roma”, e não admira qu a Pro-

f/notticatio tenha sido um tal sucesso que Lutero tenha publcado o rscrito novamente em 1535, em Estrasburgo; de fato, o prognóitico de lichtenberger foi reimpresso ainda inúmeras vezes até o ano d» 1813.

O direito de Lutero ao papel de conotação quase messiâ-rica de | reformador foi posto à prova logo cedo com o seu horóscopo natal, pelo «|iial ele mesmo teve inicialmente um interesse pertinaz. Er.quanto l.utero antes costumava citar 1483 como ano de seu nascimento, pas-

n o u, em face da Grande Conjunção e de seu significado, a preferjr o ano

lli! 1484. Seus amigos protestantes gostavam de tratar dessa questão, e 1’hilipp Melanchton debateu minuciosamente com seus colegas Philo- 1’feil e Carion as alternativas que aqui se ofereciam. Concordaram com

o 2 2 de outubro de 1484, embora discordassem do horário. Eke escre­

ve a seu amigo Johannes Schõner, o famoso astrólogo de Nurennberg: Carion mudou a hora de nascimento de Lutero, examinada pebr Philo, para a nona hora. No entanto, a mãe afirmou que Lutero teria nascido no meio da noite (mas eu acredito que ela tenha se enganado).).

Eu próprio prefiro um outro mapa astral, que Carion tambérm prefe-

■[ re, embora ele seja desagradável por causa da localização de Maarte e da

■ [ conjunção nas casas [em torno de] 5o, que representa uma grannde con­

junção com o ascendente.

Aliás, qualquer que seja a hora em que tenha nascido, essa a maravi­ lhosa conjunção em Escorpião não pode originar um homem i lutador, (de acordo com Hoppmann, 1998, 65)

O fato de ter sido possível interpretar a aglomeração de ciinjl planetas no Escorpião influenciado por Marte e, ainda por cima, soli a regência de Saturno como “maravilhosa conjunção" se deve mtiíln mais à política de interesses do que à tradição astrológica. De qual quer forma, Lutero pôde, assim, adaptar a sua pessoa à profecia <!•< Lichtenberger e difamar seus adversários romanos com o produto* de forças satânicas.

Esses adversários, porém, logo revidaram com a mesma arma r,

na verdade, na forma do famoso astrólogo Lucas Gauricus. Esm

sábio, que estudara com Pietro Pomponazzi e depois atuou como astrônomo e astrólogo em Bolonha, Mântua, Ferrara e Veneza, prcvl ra a honra papal para o então ainda irrelevante Alessandro Farncsi Quando esse, em 1534, subiu ao Santo Trono como Paulo lli, nomeou Gauricus bispo de Giffoni e, mais tarde, bispo da província Capitanata. Em 1530, Gauricus perguntou a Melanchthon qual seria, afinal, a hora correta do nascimento de Lutero. Por essa ra/Ao, o astrólogo italiano adotou o dia, mas não a hora, que retificou como

lhlO post meridiem, ou seja, 13h 10. Agora, o stellium em Escorpi.m

encontrava-se subitamente na nona casa, ou seja, no campo da rclí gião, ao que Gauricus logo conferiu uma interpretação incisiva que, no Tractatus astrologicus, publicado no ano de 1552, ou seja, após ,i morte de Lutero, se lê da seguinte forma:

Martinho foi, primeiro, monge durante muitos anos e aprendeu a se comportar de maneira monástica. Casou-se com uma abadessa d< Wittenberg de alta estirpe e dela teve dois filhos. O encontro de cinco

planetas no signo de Escorpião na IX casa celeste, que os árabes asso

ciavam à religião, é peculiar e suficientemente aterrorizador. Ele o tor nou um sacrílego, um herege, o inimigo mais mordaz da religião c r r. j tã, e o tornou profano. Na direção ascendente em conjunção com Marte, o infiel se arruinou. Sua alma perdida partiu para o inferno, onde é torturada eternamente com açoites ferventes por Allectus, Tesiphon e Megera. (Tractatus astrologicus, foi. 69”, citado de acordo 1 com Hoppmann, 1997, 67)

2 6 4 Kocku von Stuckrad

Embora lutassem com ardor, Gauricus respeitava completaen-

* Ir- a competência de seu colega M elanchthon e o inverso igualrrnte

■ co rria; como demonstra a carta citada acima, Melanchthon tarrém MAo estava inteiramente certo de que a constelação natal de Ltero Revelasse apenas venturas, e a interpretação de Gauricus deve telhe Tjfldo o que pensar, pois, afinal, estimava muito o seu julgamentojro-

I flssional.

No entanto, o próprio m estre não gostava de se deter emtais detalhes. A astrologia, que Lutero considerara, pelo menos até 1 24, Komo disciplina a ser levada a sério, capaz de interpretar sinais livi- lios, tornou-se desinteressante para ele devido às interpretações c;Sa- Uradáveis de seu horóscopo natal elaboradas por astrólogos pajais. Por essa razão, sempre voltava a se desentender com seu atiigo

Philipp Melanchthon e, em uma de suas famosas Conversas à Hesa

(de maio de 1546) chegou a ser até grosseiro: “E uma droga de *rte,

«eus filhos têm todos lunam combustam” (lunam combustam, a “lua

Incendiada”, designa a posição da Lua no horóscopo entre 16’ e 6o de

; distância do Sol, cujos raios, portanto, a “incendeiam").

■ Contudo, Lutero não pôde evitar que a Universidade de Witten-

Eberg se tornasse um centro de pesquisa astrológica no século XVI (ver

Oestmann, 2003, 32-5). E isso se deveu sobretudo a Philipp M elan­ chthon (1497-1560), que adquirira seus conhecimentos astrológicos com o astrônomo de Tiibingen, Stõffler, nos anos de 1512-18 e, a partir daí, atuou como defensor veemente da astrologia, elaboramdo de maneira correspondente o currículo da Universidade de Wittenberg. Considerava a interpretação dos astros como instrunnen- lo legítimo de investigação da vontade divina. A ação humana, en-itre- lanto, não poderia, segundo Melanchthon, ser prevista de forma ffata- lista, pois, em primeiro lugar, a vontade humana seria livre jpara combater ou apoiar o horóscopo, em segundo lugar, Deus, em sua liberdade, poderia guiar os homens também contra os seus pendc|0res r, em terceiro lugar, o diabo teria a capacidade de impelir homens^ de boa índole para o crime e o infortúnio. É verdade que Melanchtlthon era completamente familiarizado com a astrologia muçulmana, r mas

como a considerava uma superstição mágica, dava maior ênfase ,n doutrinas antigas, que estudou minuciosamente, incluindo-as no cm rículo. De acordo com os estatutos de 1 545, os m atem áticos “inferiu res" deviam lecionar aritmética e os conceitos básicos da astronomiii

segundo De S-phaera, de Sacrobosco; os matemáticos “superiores'', ,m

contrário, Euclides e o Almagesto, ou seja, a principal obra astronrt*

mica de Ptolomeu.

A astrologia difundida por Melanchthon, dotada de legitimai;ín i cristã, influenciou muitos sábios que tiveram contato com Witlcn berg, entre eles, Georg Joachim Rheticus, Erasmus Reinhold, Heinrii li

Rantzau e o famoso teólogo dinamarquês Niels Hemmingsen, • 1 1u>

confessa em uma carta a Rantzau:

Por isso, muitos sábios, instruídos por uma longa observação do minii do, prevêem as coisas futuras, e os astros não são os seus construtoic., mas os seus anunciadores, não são os seus operários, mas os seus guiai Pois os próprios acontecimentos têm as suas próprias causas, em paití necessárias e naturais, em parte também voluntárias e fortuitas. Comil isso era compreendido pelo especialmente bom Philipp Melanchllimi, um homem de pensamento santíssimo (que, à mesma época, vimos ■ ouvimos como professor em Wittenberg); ele era para seus alunos um pregador que os incitava a se esforçar muito no estudo da maternal ii i|,| para que fossem estimulados ainda mais à devoção a Deus, o Criadui e à vidência. Quem, portanto, não valoriza a ciência dos astros, nau í j um ser humano, mas um animal que despreza os dons. Quem, ao i iiil* I trário, se ocupa com esse estudo, torna-se um companheiro dos anjol( | que daí extraem a matéria para o louvor a Deus. (citado segundo

Oestmann, 2003, 35)

A influência de Melanchthon (não só) sobre a astrologia ili* i

cunho protestante do século XVI foi considerável.

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No documento História da Astrologia (páginas 133-135)