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No documento História da Astrologia (páginas 129-133)

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l ig. 9: Capa da Prognosticatio de Johannes Carion (1521). O texto com o anún­ cio do dilúvio é complementado por ilustrações que exibem drasticamente as con­ seqüências para o clero, camponeses e cavaleiros.

camponês com a espada erguida. Warburg supõe que o artista imagi­ nou Saturno como representante dos camponeses (Warburg, 19lW [1920], 510).

Pode-se concluir facilmente dessas classificações que padrões de interpretação astrológicos gerais — por exemplo, Marte como força guerreira — primeiro têm de ser estabelecidos num meio cul tural concreto para que um jogo de linguagem compartilhado por todos possa surgir. Assim ocorre que, apesar da constância ímpar das metáforas astrológicas através dos milênios, a formulação concreta em contextos mundanos esteve sujeita a fortes oscilações. Num ambiente cristão, as caracterizações inicialmente neutras das forças planetárias foram, obviamente, adaptadas de determinada maneira, identificando-se, por exemplo, o papa com Júpiter, como o bem supremo, o que, aliás, nem sempre foi visto dessa forma por astrólo

gos protestantes (ver Capítulo VI, 1).

A catástrofe torna-se um fen ô m en o de massa — Até agora, mostrei apenas como o encontro entre cristianismo e astrologia desencadeou efeitos sinérgicos que — como sempre visível na história da astrolo gia — desembocaram numa semântica muito própria. Uma vasta histeria social só pôde ocorrer quando tais profecias se tornaram amplamente populares, também naqueles círculos que não domina vam o latim. A arte da tipografia representa, portanto, um ponto de mudança decisivo no que se refere à repercussão de profecias astro lógicas e cristãs. Paola Zambelli e, seguindo-a, Anthony Grafton falam

aqui do primeiro grande acontecimento midiático da modernidade

(Zambelli, 1986; Grafton, 1999, 96). Hans-Joachim Kõhler chega a mesma conclusão a partir da análise dos folhetos da época e refere se ao folheto como mídia de massa. Para entendê-lo, é preciso con siderar os números: entre 1501 e 1530, foram impressos no Sacro Império Romano da Nação Alemã cerca de 10 mil diferentes folhe tos cuja edição geralmente alcançava mil unidades, o que eqüivale a

um número de 1 0 milhões de folhetos para aproximadamente I '

milhões de habitantes. Observando-se melhor, nota-se um aumento

256 Kocku von Stuckrad

vertiginoso das publicações, ou se ja , d e 5 3 0 por cento nos anode

1517 e 1518, bem como um “b o o m de publicações” entre \5) e

1526 (Kõhler, 1986, 249s.).

I Ao imiscuir-se cada vez mais nos setores públicos, a expectíiva

escatológica foi, ao mesmo tempo, s e distanciando da astrologiide ambições científicas. Porém, não p o u cos astrólogos saltaram nsse Irem e garantiram a sua cota no n egócio com o medo. Entretantogm muitos lugares ouviam-se vozes que alertavam para os limites das ro-

lecias astrológicas e uniam esses avisos não raro à difamação de íjus

eolegas “leigos”. Girolamo Cardano, por exemplo, escreveu a respito ile uma profecia de Stõffler:

Ele acreditava que os astros ameaçavam àquela época, como reinada a mais serena calma, uma inundação, e anunciou aos homens um gan- de infortúnio. Muitos fugiram para as montanhas. Eu, porém, com ípe- nas vinte anos então, assegurei ao nosso duque Francesco [Sforza] que não havia perigo. Na verdade, [a constelação] anunciava à nossa qda- de a peste para aquele ano, que, entretanto, apareceu apenas muito iso­

ladamente. (Aphorismi astronomiciVII.34; Libelli quinque, 1547, 2fi2ro)

O colega de Cardano, Agostino Nifo, viu-se obrigado, diante do lato de que muitos italianos já começavam a construir arcas, a elabo­ rar uma erudita contestação da profecia sobre o dilúvio. Ressaltou t|iie eclipses eram indicadores cósmicos muito mais relevantes do que aglomerações de planetas. Em especial, o eclipse solar de 23 de agros- lo de 1523 teria efeitos extremamente favoráveis, já que Júpiterr, o planeta abençoador, conteria o cruel Saturno. Nifo esperava qu<e o seu “livreto” viesse a “libertar todas essas pessoas de seu gramde

medo” (De falsa diluvii -prognosticatione, Florença, 1520, [A]vo). A i es­

perança de Nifo, como sabemos, foi frustrada, o que talvez se deeva ao fato de que, ao contrário da sua opinião, eclipses solares fossçem basicamente vistos como períodos muito críticos. Há exemplos elu jci- dativos disso na Antigüidade.

O dilúvio de fevereiro de 1524 não aconteceu. E verdade qijue,

e m Bolonha, foram registradas fortes chuvas, ventanias e tempeslsta-

des, e Johannes Stadius escreveu mais tarde que 1 5 2 4 teria sido um ano chuvoso (outras fontes falaram, ao contrário, de um tempo enso larado), mas tudo isso não correspondia obviamente às histérica* expectativas. Apenas a eclosão da guerra campesina pôde ser visia como uma confirmação dos sinais cósmicos.

O exemplo da profecia a respeito do dilúvio comprova um falo importante: a astrologia deve ser concebida como uma disciplina hei menêutica culturalmente jamais autônoma, mas em princípio neutra, que, na verdade, pode tornar concretos eventos astrais excepcionais,

embora nunca possa produzir a partir de si mesma uma profecia esca

tológica radical dos respectivos eventos mundanos. Para essa finali dade, são necessários sistemas interpretativos culturais que exagerem a semântica especial dos jogos de linguagem astrológicos transfor mando-a em expectativas de fim de mundo. Nesse sentido, cabe um papel central ao discurso astrológico dos ciclos planetários e dos eclipses, pois é passível de ser diretamente transposto para os concci tos teológicos e a história sacra cristã. Além da fusão de esboços ila realidade cristãos e astrológicos, os conflitos em torno do eclipse dc

1523 e do stellium do ano de 1524 mostram ainda a grande impoi

tância da popularização do conhecimento acadêmico. E somenlc

como evento midiático que a catástrofe do fim do mundo fornece o

material inflamável necessário ao debate público.

V I

O F I M D A A S T R O L O G I A ?

R e v o l u ç õ e s c i e n t í f i c a s

e p e s q u i s a n a t u r a l

I L U M I N I S T A

Pois uma coisa é certa: a ciência da astrologia é valiosa e verdadeira, é uma coroa da espécie humana e toda a sua honrosa sabedoria, um testemunho de Deus.

Ph i u p p Me l a n c h t h o n

Que o homem decifre a força do Céu; pois conhecida, torna-se útil:

aquilo que não conhecemos jamais se mostra excessivo para nós.

Que lute arduamente quem perdeu e a vitória, então, lhe trará proveito:

com vosso espírito, homens, conquistai a força da Natureza.

Jo h a n n e s Ke p l e r

« ) QUE DESCREVI NO ÚLTIMO CAPÍTULO como a nova formatação do

discurso astrológico teve continuidade em vários níveis naquela época u|ue hoje denominamos com tanta convicção de "Idade Moderna”. II louve, por um lado, as chamadas revoluções da ciência natural, ;associadas sobretudo aos nomes de Copérnico e Newton: enquanto <( bpérnico soterrou de uma vez por todas o entendimento próprio do lhomem de que viveria no centro do cosmo, Newton cuidou para que

se impusesse um paradigma da ciência natural que não mais recorri.i a forças veladas — ocultas — , mas que aceitava apenas as explic.i ções que resultassem de séries de experimentos fisicam ente mensu ráveis. A física, antes praticada no contexto da filosofia natural, evu

luiu até o século XIX para disciplina-mestre em cujos parâmetro',

todas as outras áreas da cultura eram postas à prova.

Por outro lado, havia o iluminismo, que não queria mais se con formar com a soberania de interpretação da Igreja nas questões liga das à explicação do mundo e considerava a razão como único guia pau o conhecimento da verdade. Para falar com a famosa expressão dc Kant, interessava aos iluministas libertar o homem da dependênei.i

que ele mesmo causara. Em seu prefácio à primeira edição da Crítica

da razão pura, Kant escreve, em 1781, de forma determinante: Nossa era é a verdadeira era da crítica, à qual tudo deve se submetei A religião, por sua santidade, a legislação, por sua majestade, geralmente querem esquivar-se àquela. Mas então levantam uma justa suspeita con tra si e não podem requerer a autêntica consideração que a razão conce j de apenas àquele que pôde suportar a sua investigação livre e pública. E claro que em virtude das revoluções científicas e da “investiga ção livre e pública” perante o tribunal da razão, não só a Igreja se encon trava sob forte pressão para justificar-se, mas também as disciplinas eso téricas “ocultas”, sobretudo a astrologia. A crise na qual esse desafio

lançou a astrologia é denominada em muitas publicações científicas de j

seu “fim", pois, a partir daí, não mais seria possível sustentar testemu nhos de crença não protegidos pelo empirismo e pela razão, como os que constituem a base da astrologia. A pesquisa mais recente começou, no entanto, a se confrontar criticamente com esse julgamento, pois, ali nal, a separação entre ciência natural e esoterismo não é de modo algum tão simples como antes se costumava supor. Newton escreveu comen­

tários a respeito da Tabula smaragdina hermética e praticava a alquimia,

Copérnico trabalhou paralelamente como astrólogo, iluministas como Leibniz ou Herder eram membros de sociedades secretas esotéricas.

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E otn o isso se ajusta? Seriam nossas definições atuais de “racionalidade”, ■irrdade”, “objetividade” e “ciên cia” construtos historicamente determi- pmdos que não podem absolutamente ser aplicados de forma coerente à fp o c a anterior a aproximadamente 1850?

Pretendo mostrar neste capítulo que, de fato, temos de abordar fl| questão de um modo muito m ais diferenciado, se quisermos enten- m er a discussão em torno da astrologia e a transformação da ciência nk>s astros à luz da revolução cien tífica e do iluminismo. Modelos eso- Hfricos de explicação do mundo não se romperam simplesmente; na ■frrdade, encetaram um diálogo complexo com as novas idéias sobre B lé n cia e verdade. E claro que os iluministas posicionaram a razão ■tontra as disciplinas ocultas e cuidaram para que a astrologia desapa- B tc e sse das universidades e se transferisse para outras áreas da cul- í lura, por exemplo, para a arte ou para manifestações populares, mas, | * i mesmo tempo, produziram uma imagem do irracional e do empi- ■fjiam ente não palpável da qual necessitavam para a sua própria iden- illil ade. O que antes estava entrelaçado, foi agora relacionado retori- ■Cíimente como oposto. Em última análise, poderia se dizer: foi

■ lomente o século XIX, que se entendia como esclarecido, que gerou a

Wstrologia como o “inteiramente diverso da Razão”.

Essa reflexão é um leitmotiv para a minha descrição da história

I du astrologia na Idade Moderna. Um ou outro detalhe histórico e a menção a todos os representantes que interessam aqui — material «uficiente para uma obra de vários volumes — têm de dar lugar a lima exposição concisa que documente e relacione exemplarmente as Miais importantes posições e linhas de desenvolvimento.

1. A A S T R O L O G I A S O B A I N F L U Ê N C I A

H : D A S C O N F I S S Õ E S

No último capítulo, já foi mencionado como a astrologia contri­

buiu para o surgimento, no início do século XVI, de uma histeria e um

t lima de medo do fim do mundo que tomaram conta de toda a Europa.

Expectativas e medos ligaram-se a prognósticos astrológicos qu* foram em parte compartilhados pelos soberanos; por outro lado, tam bém utilizados habilmente como instrumentos. Isso valeu sobretiull para o conflito entre a Igreja Católica e o movimento de Refomiii encenado por Martinho Lutero, que logo dividiu o cristianismo curo peu e provocou conflitos devastadores, os quais, finalm ente, atingi

ram o seu apogeu temporário na Guerra dos Trinta Anos. No séi 1 11>>

das confissões, como geralmente é chamado, a astrologia tornou um meio decisivo para legitimar demandas próprias e deslegitimai o| respectivos adversários. Pode-se entender bem o que isso signilu por meio da discussão em torno do horóscopo de Lutero, cuja d.ilii

ção e interpretação podiam se dar, dependendo do interesse, tlp

maneira completamente diversa.

Messias ou filho de Satanás: a discussão

No documento História da Astrologia (páginas 129-133)