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Newton e o estabelecimento de uma visão de mundo mecanicista

No documento História da Astrologia (páginas 141-143)

I linbora as resistências contra as observações físicas e astronôjmicas e

suas conseqüências fossem consideráveis, em meados do séc;ulo XVII

nenhum contemporâneo crítico podia mais se furtar à contuimdência iIa visão de mundo heliocêntrica. Porém, demoraria ainda un-na gera­ rão até que o novo paradigma predominasse definitivamente nna cons- i lência científica. Isaac Newton (1643-1727), cuja complexa t obra se mostrou mais tarde completamente unilateral como protótipo <i de uma visão de mundo mecanicista, como paradigma para o que, a p.partir de

então, se chamou de “física clássica”, teve aqui, como se sabe, uin.i

participação decisiva. Já no chamado annus mirabilis de Newton, o

"ano milagroso” de 1666, o filósofo e cientista natural desenvolveu os fundamentos dos três conhecimentos que o tornariam famoso. Primeiro, o cálculo infinitesimal da análise matemática, cuja descoberta foi rei vindicada por Leibniz a partir de 1690, já que o teorema só foi puhli cado postumamente; em segundo lugar, a teoria da “força de gravit i ção universal”, que partia da lei uniforme dos acontecimentos no cosmo e na Terra e servia, assim, como explicação tanto para a estabilid;i<l< do sistema solar como para a descrição de movimentos provocados, como a queda livre, o movimento pendular etc.; em terceiro lugar, ,i descoberta da natureza colorida da luz que Newton pôde comprovai com a divisão espectral da luz no prisma.

Essas descobertas apresentadas em 1687, em sua principal obr.i

Philosophiae naturalis principia mathematica (Os princípios matemáti cos da filosofia natural, observe-se que aqui se fala de “filosofia natu ral” e não de “física”), logo o tornaram famoso além da Inglaterra. Um ponto crucial para a imposição de suas opiniões, que se encontravam em clara concorrência à filosofia natural de René Descartes (1596

1650), é a enorme influência política que Newton possuía e que ampliou continuamente. Em 1669, foi nomeado professor catedrátieo de matemática em Cambridge; em 1672, tornou-se membro da “Royal Society of London for the Improvement of Natural Knowledge”; em 1696, recebeu o primeiro cargo público; em 1701, foi eleito para o

parlamento; em 1703, para presidente da Royal Society (até a s i m

morte); em 1705, tornou-se nobre com o título de “sir”.

O fato de Newton, com isso, ter sido visto como a personifica ção do “novo pensamento” contribuiu para que uma parte considera vel de sua criação, que se encontrava fora dos estreitos limites du matemática, fosse esquecida pela posterioridade. Somente hoje essa imagem começa a ser corrigida, ressaltando-se com maior intensid.i de os interesses esotéricos de Newton, suas contribuições para o hei metismo, a alquimia e a astrologia (Curry, 1987; Dobbs, 1991,

Fauvel, 1993). Assim, redigiu aproximadamente no fim do século XVII

28 0 Kocku von Stuckrad

lim comentário sobre a herm ética Tabula smaragdina, coiervad o

1

'umo manuscrito no Kings C ollege Cambridge. Também n s e u s

rs c rito s teológicos Newton uniu suas posições de filosofia a tu ra i, |tor um lado, com uma interpretação da história da religiã e, p o r outro, com uma apresentação do papel de Deus no process m u n ­

dial. Sua nova teoria de com etas, concebida em colaboraço c o m

l .ilmond Halley entre 1681 e 1 7 0 5 , por exemplo, que tambér previa

pela primeira vez o movimento dos cometas (e, com isso, argi-nenta- Vii contra a opinião astrológica tradicional de que com etasseriam presságios imprevisíveis), serviu-lhe de ensejo para expresar sua

rep u lsa ao poder do clero. Em Theologiae gentilis origines phijsophi-

Cne (As origens filosóficas da teologia pagã), em cuja redação c(meçou

u trabalhar em 1683, expõe que antes teria havido uma autêntca reli­

gião de filosofia natural que conhecia a verdadeira estrutura do

co sm o . De maneira simbólica, isso teria sido formulado no piagoris-

mo. Somente mais tarde, tal conhecimento perfeito teria sido cor­

rom pido, ao se idolatrar as estrelas e povoar o cosmo com alrrias. N o

décimo primeiro capítulo chega ao ponto de afirmar que a i-eligião cristã com seus sacerdotes cônscios de poder não seria men0s cor­

rupta que seus antecessores orientais e judaicos. Aqui, aliás, tinha consciência de compartilhar da opinião de Thomas Hobbes. O culto nos astros, conclui Newton, é apenas a outra face da falsa teoiria dos cometas, como também hoje a atribuição de almas aos astros e? a ado­

ração de ídolos, santos e entidades inferiores do cristianismo afasta­ riam da autêntica filosofia natural que, Newton tinha certezía, teria reconhecido Deus como instância única, absoluta e ordemadora. Mais uma vez, vê-se aqui como a ciência dos astros está estreittamen-

le imbricada com outras áreas da cultura: “[A] reforma da astro^nomia

leve funções morais, teológicas e políticas diretas" (Simon Scchaffer

em Curry, 1987, 241).

Em que residiu, então, o desafio do novo pensamento desenvol­ vido por Copérnico, Galileu, Newton e outros, o qual levou a s<Se falar de revolução científica? Um desafio já foi mencionado, ou s seja, o fato de que, na visão de mundo heliocêntrica, a posição singuular do

homem como centro da criação se perdeu. Para entender o desafio im nova física de Newton é preciso observar o conflito existente entre i visão de mundo aristotélica e uma concepção platônica conm Newton a desenvolvera — principalmente pela influência dos “Cam bridge platonists" Ralph Cudworth e Henry More. Da antigüidade

até o século XVII havia, a bem da verdade, um consenso de que as Iris

do céu e da Terra seriam basicamente diferentes, como Aristóteles n ensinara. Somente o campo sublunar, ou seja, os acontecimentos n,i Terra e entre a Terra e a Lua estavam, segundo essa concepç.m, expostos às leis da mudança e da decadência, todo movimento M' daria aqui de modo descontínuo. O Sol, os astros e os planetas, ,m contrário, eram tidos como imutáveis, contínuos e perfeitos. Por ess.i razão, o pensamento tradicional localizava os cometas, devido ao sen movimento irregular, no campo sublunar.

As manchas na superfície solar observadas por Galileu em 1610 II

foram consideradas, portanto, algo da dimensão do impossível. I .1

opinião de Newton de que as leis da gravidade deveriam valer cm

igual medida em toda -parte, tanto no campo sublunar como no uni

verso, o qual ele concebia, além disso, como infinito, era uma afron ta aberta contra o pensamento tradicional. Nesse momento, surgiu de repente a pretensão de retratar os acontecimentos do cosmo num.i filosofia natural una e, assim, abri-la à intervenção investigadora dn homem. Como conseqüência dessa nova filosofia, graças à igualdade de leis terrestres e celestes, o estudo das coisas comuns pode esc Ia recer características universais do cosmo. Isso significa não apenas que o estudo de processos sublunares imperfeitos permite o conhr cimento do verdadeiro ser da natureza, mas também que até mesmo

efeitos humanos produzidos artificialmente podem servir para 11

representação da natureza universal.

Ao lado da universalização das leis naturais, representada tenta tivamente na forma de cálculos matemáticos, um outro problema residia na exigência de eliminar completamente características octd tas dos objetos da teoria. Desse modo, tanto a divisão aristotélica dc matéria e forma foi alvejada como também a opinião de que existi

riam conexões ocultas que se devem , por exemplo, à atração >im pa- . tia”) entre planetas ou a uma "força” inerente às coisas. D tjc o rd o Com a visão de mundo m ecânica agora defendida, somente x p lic a - çòes físicas, com o a gravidade das partículas, podem ser cosid era- das em tais ligações. No entanto, é preciso fixar que a m atem tização das leis naturais jam ais foi realizada com êxito e que tam ém os modelos elucidativos mecanicista-materialistas se baseavam ^ p a rte em preceitos apriorísticos que não podiam ser verificados etp irica- mente. Como se pode demonstrar, por exemplo, que sensaçfes o lfa ­ tivas ou gustativas agradáveis ou desagradáveis são desencdeadas pela superfície áspera ou lisa das partículas que formam aque^s “co r­ pos”? Hoje, historiadores críticos apontam que isso se trata nais de

um “acordo entre cavalheiros" a respeito do que se aceita corr0 expli­

cação do que da comprovação racional do fenômeno.

Contudo, ainda que se procurem as razões para a imposição

desse paradigma no habitus social e não na argumentação superior,

não pode haver dúvida acerca do efeito radical do novo pensamento, lisse efeito atingiu também a identidade e a reputação púl>]jca da astrologia.

No documento História da Astrologia (páginas 141-143)