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O fim do modelo geocêntrico

No documento História da Astrologia (páginas 138-141)

N icolau C opérn ico —- Nicolau Copérnico (1473-1543) é, com cerle za, um dos mais importantes precursores do novo pensamento. Su.i descoberta do movimento da Terra em torno do Sol foi tida posterior mente como mudança fundamental, e em 1832 Goethe expressou com páthos, perante o chanceler Von Müller, que essa seria “a maioi descoberta, mais sublime, mais rica em conseqüências, que o homem jamais fizera, mais importante que toda a Bíblia”. Contudo, Copérnico pôde recorrer a modelos de cálculo que haviam sido desenvolvidos antes dele, da mesma forma que o modelo da Terra como esfera ja possuíra adeptos desde a Antigüidade (ver a respeito Krüger, 2000).

Copérnico estudara inicialmente em Cracóvia com os famosos astrônomos e astrólogos Johann von Glogau e Albert Brudzewo, depois

272 Kocku von Stuckrad

I

« i Itália, onde recebeu o título d e doutor em direito canônico pel ■Iniversidade de Ferrara. Porém, s e u interesse principal continuava ■ k'r a ciência dos astros, que ele co n cilio u com sua visão de mund

ilristã, de influência platônica, p artin d o do princípio de que Deu irveria ter criado um sistema c ó sm ic o simples e elegante e não ífomplicado modelo necessário para calcular geocentricamente os movi

lientos planetários. Como muitos outros sábios antes dele, Copér rHli o também supôs que o estranho desaparecimento e reaparecimen

Io de Vênus e Mercúrio poderia se r explicado muito mais facilment'

|iclo fato de que girariam em torno do Sol, e não da Terra. Após se Nomeado, em 1510, chanceler do cabido da catedral de Frauenberg Urdicou-se completamente à elaboração do modelo heliocêntrico

P resultado desse trabalho foi D e revolutionibus orbium coelestiun

[Sobre as revoluções dos orbes celestes), cuja primeira versão impress; [foi entregue ao autor no dia 25 de maio de 1543, o dia da sua morte Jrt entre 1510 e 1514, Copérnico enviara um primeiro esboço de su;, fceoria a conceituados matemáticos e astrônomos, mas a reação des. llenhosa dos sábios foi tão arrasadora que ele se recolheu amargura-

1 tio e somente por conselhos de amigos e colegas foi levado a, finaf-

liiente, publicar o escrito.

O interessante é que foram sobretudo astrólogos que incitaram

I o mestre à publicação, entre eles, Rheticus (Georg Joachim ), que; | publicara ele mesmo, em 1539, em Danzig, um relatório prévio sobre <ii teoria de Copérnico e agora obtivera para o vasto manuscrito a auto--

| rização de impressão do rei da Polônia e Saxônia, ajudando a finan--

> l iar a publicação. A nova doutrina que, devido à resistência por partes cia Igreja, só se impôs hesitantemente dizia em suma que a Terra rea-- f lizava três movimentos: um em torno do próprio eixo, um em torno> | do Sol e um movimento pendular do eixo terrestre em torno do póloo cclíptico, o que, por sua vez, provoca a precessão. Para a Igreja cris-,- | lã e, na verdade, tanto para católicos como protestantes, esse mode-- í Io era uma afronta na medida em que soterrava a posição singular daa [ 'Terra — e, com isso, do homem — como centro e derradeiro fim daa

criação divina. A í residiu a verdadeira revolução que permaneceriaa

sem par para a identidade cristã até Charles Darwin, no século \l\

destronar ainda mais o homem, ao fazê-lo descender do macaco. I*; 1 1.»

a astrologia, no entanto, o desafio era muito menor, e Copérnico u reconheceu tão bem quanto os seus colegas Galilei ou Kepler. Ibilm os três se ativeram à exatidão da astrologia (Galilei e Kepler eram,

além disso, astrólogos praticantes) e, no décimo capítulo de De rcro*

lutionibus, Copérnico se exprime à maneira astrológica, recorrendo expressamente a Hermes Trismegisto.

Johan n es K e p le r— Copérnico deve ter tido, portanto, a mesma opl nião que Johannes Kepler (1 5 7 1 -1 6 3 0 ), que, em 1610, publicou

a obra Tertius interveniens, que traz o belo subtítulo: "Advertência 14

todos os teólogos, médicos e filósofos, principalmente D. Philipptim Feselium, para que, ao condenarem levianamente a superstição dt*

observação dos astros, não descartem tudo a priori e, com isso, ajam

inconscientemente contra seu ofício. Adornado com muitas questòi filosóficas altamente importantes, até então jamais suscitadas ou clu cidadas, destinado à necessária instrução de todos os verdadeiic, amantes dos mistérios naturais, elaborado por Johann Kepplern . Nii quadragésima tese do livro, ele responde da seguinte maneira sobre u efeito da nova teoria para a astrologia:

Resposta similar pertence também à dúvida se o Céu ou a Terra gn.i Essa dúvida não traz suspeita à astrologia, porque não lhe diz respeito, pois basta que o astrólogo veja como vêm os raios de luz agora du Oriente, depois, do meio-dia, finalmente, do Ocidente para depor, desaparecerem: basta que se saiba quando dois planetas são vistos lado a lado e quando se opõem, igualmente quando fazem um sextilcm

quintilem, quadratum etc., o que aplicados astrônomos podem mosli.n à noite em seus instrumentis circularibus tão logo dois planetas surjam Para que o astrólogo precisa perguntar aqui, ou ainda a mtura sublunari\, como tal acontece? De fato, tanto como o camponês pergunta como chega o verão ou o inverno e, todavia, se orienta por eles. (Opera omniu ed. Frisch, vol. I, 582s.)

H Em suas pesquisas m atem ático-astronôm icas, Kepler co m u o u

í N desenvolver de modo conseqü ente as idéias copernicanas e> m e- Icru uma explicação geométrica co ere n te para elas, b en eficialo-se principalmente de registros que o grande astrônomo Tycho Brae lh e I Irgara. Sobretudo por meio da sua descoberta das três leis p h e tá - rlns, Kepler logrou mostrar a plausibilidade do modelo coperr;ano;

j provou que os planetas giram em torno do Sol não em órbitas c c u la -

í fcs, mas em forma elíptica. E apontou para o fato fascinante ç q u e

|ms distâncias dos cinco planetas em relação ao Sol correspondií-n aos

Icnrpos regulares da geometria platônica, ou seja, cubo, tetiiedro, jdodecaedro, icosaedro e octaedro (ver figura 10). Daí con clu j q u e (deveria haver exatamente cinco planetas, já que o Deus criadoideve-

rla ter concebido um sistema matem aticamente perfeito do mmdo.

Kepler queria conciliar a concepção neoplatônica de urr^ har­ monia universal dos mundos com as leis geométricas e, assin, des­ crever a estrutura racional da ordem determinada por Deus e^ toda H sua simples beleza. Apresentou o resultado em suas duas principais

lobras, Astronomia nova e Harmonices mundi (ambas de 1619). O que

filósofos naturais haviam suposto desde Pitágoras tornava-se agora uma certeza cientificamente fundada: Deus era um matemático e a liplicação conseqüente de princípios matemáticos levaria ao conheci­ mento definitivo da ordem de criação divina. Esse modelo raciQnal do

cosmo foi reforçado posteriormente por Newton, Leibniz e C}utros,

que desenvolveram a visão da natureza como uma máquina dje fun­ cionamento mecânico e matematicamente demonstrável. Maisj a res­ peito adiante.

Portanto, Kepler não viu em absoluto nos novos modelos; astro­ nômicos um desafio para a astrologia. Ao contrário: como rmuitos outros intérpretes dos astros do seu tempo, viu na interpretação dos movimentos planetários um meio legítimo e devoto de enter;nder e prognosticar os acontecimentos terrestres. Por isso, atuou nãoo só na arte da interpretação de horóscopos, mas também forneceu pr<rognós- licos detalhados dos acontecimentos mundanos. Um exemplo c disso é

O R BIV M PLAN ETARVM D IM E N S IO N E S E T DISTAN TIAS P E R Q V IN Q V E R EG V LA R IA G E O M E T R IC A EXH 1BEN S

a Spharea Ti,

(3 Cubus primum corpus regulare Geometricum distantiam ob orge Tiusque ad 2J. exibens,

7 Spharea 21-

8 Tetraedron siue pyramis, 2J. este-

rius Sphaeram % attingens, inte-

rius

cf

maximam inter Planetas

distantiam causans.

e Spharea

cf •

f; Dodecaedron, 3. corpus a Spharea

Cf usque as Magnum orgem tel-

Iurem cum Luna ferentem reprur sentans distantiam.

T| Orbis Magnus.

Icosaedron ab orbe Magno ad Sphaream Ç veram distantiam indicans.

1 Spharea Ç.

k Octaedron a Spharea Ç e Ç .

orbem exhibens distantiam. X Spharea $ .

|x Sol Medium siue Centrum Vni versj immobile.

F ig . 1 0 : Página extraída do Mysterium cosmographicum de Johannes Kepler, <li

1596. Kepler demonstra aqui as “maravilhosas proporções das esferas celesh■■■ como foram pesquisadas por ele com base nos cinco corpos geométricos regulare.

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u^uws da astrologia), que tem por subtítulo: "Nova elu ciição no flmbito da teoria do cosmo com um prognóstico para os a co rje im en - los naturais no início do ano de 1602 após o nascimento c C r is to , »>scrito para os filósofos”. N esse escrito, que dedicou a PeterVok von Mosenberg zu Bõhmisch-Krum au, Kepler confronta-se resoitam en-

tr em 7 5 teses com as possibilidades e limites das técnicas strológi-

nis de previsão (ver também a epígrafe deste capítulo, exraída da rapa da obra de Kepler). Suas profecias para o ano seguint<são c u i­ dadosamente ponderadas e sempre conscientes de que a ' iiateriali- /ação” real das forças cósm icas não pode ser prognosticada ;om cer- |f/.a. Com isso, ele se distancia de muitas previsões avassaldoras de mia época que afirmam conhecim entos que não possuem d m an ei­ ra alguma. Porém, diante do risco de macular o seu bom none, sendo Igualado a tais charlatães, sente-se obrigado a emitir seu jugam ento iccnico. No prefácio, consta:

Caso alguém se sinta ultrajado pelo fato de essas coisas seren) apresen­ tadas diante do grande público, junto ao qual a esperança de êxito é bastante pequena, desejo que ele reflita com exatidão que ngo chega­ remos por outro caminho aos verdadeiros conhecedores que vivem

ocultos aqui e ali senão pelo caminho da publicidade. (Opera omniaed.

L Frisch, vol. I, 420)

A astrologia não era, portanto, algo para as massas, mais para os

poucos sábios que trouxessem consigo 0 equipamento de icálculo e

interpretação necessário para distinguir o certo do infundadJo. O fato de os sinais do céu indicarem ou também aniunciarem acontecimentos terrestres era óbvio para Kepler, como para ;a maioria de seus contemporâneos. Quando, em 10 de outubro de 1Í604, uma Nova pôde ser vista, o astrônomo aproveitou a oportunidade para se expressar sobre a questão da estrela do Messias (ver p. 151).». Em dois

escritos — De Stella Nova in pede Serpentarii (1606) e De an-nno natali

('hristi (1614) — ele esboçou a teoria de que, como tambénm a Nova do ano de 1604 fora precedida de uma conjunção de Júpiter e e Saturno

(aqui em Sagitário), o mesmo acontecimento teria sido à época um.i espécie de sinal cósmico para a vinda do Messias. Kepler definiu a própria estrela de Belém como uma Nova do ano 5 a.C . Os astrôno

mos do início do século XVII eram, desse modo, interlocutores ativos

em um discurso completo que envolvia interpretação de épocas, his tória santa cristã e novos modelos e métodos científicos. E claro que suas posições não eram em absoluto uniformes, mas de todo modo eram tão congruentes que não se pode falar da mera construção dc uma oposição entre “nova ciência” e “obstinação cristã”.

Galileu Galilei

— O mesmo vale para o amigo de Kepler, Galilcu Galilei (1564-1642). Concordava com Kepler — e discordava de Tycho Brahe — que a doutrina copernicana seria a única correta; no entanto, segundo uma carta de 5 de agosto de 1597 ao amigo, Galilcu teria evitado até então tornar público esse parecer. Isso mudou .i medida que um número cada vez maior de observações sustentavii claramente o modelo de Copérnico: a Nova de 1604, a descoberta do magnetismo terrestre por Gilbert, em 1600, e, sobretudo, suas pró prias descobertas, realizadas com a ajuda do recém-inventado telcs cópio, ou seja, a existência de quatro luas de Júpiter que giram em torno de Júpiter exatamente como os planetas em torno do Sol, as fases de Vênus, equivalentes à órbita da Lua, a “forma tripla" dc Saturno (que, mais tarde, se revelaria anel) e, finalmente, a descobct ta das manchas solares que comprovavam nitidamente uma rotação da esfera solar. Agora, só restava a Galilei defender abertamente, cm

1610, em seu Mensageiro das estrelas (Nuncius sidereus), a doutrin.i

copernicana.

Galileu também não viu nessas descobertas oposição algum,i ,i fé cristã. Porém, os papas com os quais discutiu a respeito (primeiro,

Paulo V, depois Urbano v m ) eram de opinião completamente diversíi

Assim, recebeu do cardeal Bellarmin, no ano de 1616, a instrução < l< que “a doutrina atribuída a Copérnico seria contrária à Sagrada I •• critura e, portanto, não poderia ser defendida ou tida como verdadci

ra”. Galilei inicialmente não se deixou abater e declarou, em 1 6 2‘*

cm um debate ainda que hipotético entre ambos os sistem,, q u e o copemicano seria o melhor. P or causa disso, foi chamado f r a n t e a Inquisição em 1632 e concordou em renegar formal e public-nente a visão de mundo heliocêntrica. Ao contrário de Giordano Brno, que lora queimado na fogueira em 1600 por sua opinião irredutíve G a lilei decidiu-se, assim, por um consenso que lhe salvou a vida,embora lenha significado ao mesmo tem po o fim de sua liberdade e p u b li­ cação, pois permaneceu subordinado ao completo controle <j In q u i­ sição até o fim de sua vida.

Galileu contribuiu com suas observações, mas princifdm ente lambém com seus experimentos, a análise do movimento de rrem es- so, a balança hidrostática e muito mais, para que uma novamecâni- i a celeste se impusesse incessantemente e para que se desçwolves- snn métodos de pesquisa na física que não mais operar(rn com lorças ocultas, tornando o visível e o mensurável a única referência dc um procedimento cientificamente aceitável. Como Kepler, tam­ bém Galileu não via nisso oposição alguma à astrologia, que conti­ nuou a exercer e a pesquisar. Seus diários e cartas contêm utna série dc horóscopos e cálculos astrológicos; por exemplo, em urna carta iissegurou a seu aluno P. Dini que sua preocupada indagação a res­ peito de a nova visão do mundo pôr em dúvida os fundame>ntos da nstrologia seria completamente inlundada.

Newton e o estabelecimento de uma

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