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2.2 Metabolismo entre natureza e sociedade

2.2.3 Metabolismo rural e a apropriação da natureza

As relações que se estabelecem entre os camponeses e a natureza são apresentadas na atualidade por Toledo (2012) como o “metabolismo rural”, que é parte integrante de uma totalidade que o autor identifica como metabolismo social, considerando este como um marco conceitual para analisar a relação de apropriação da natureza pela sociedade.

O processo de apropriação da natureza é definido por Cook (1973, apud Toledo 2012 p.28) como “o processo pelo qual os membros da sociedade se apropriam e transformam ecossistemas para satisfazer suas necessidades e desejos”.

49 Segundo Toledo (2012), “quase metade da população humana está envolvida no metabolismo rural, definido como o conjunto de ações por meio do qual a sociedade se apropria dos bens e serviços da natureza”. Assim, o autor

[...] propõe um novo marco conceitual para analisar do ponto de vista econômico e ecológico o fenômeno de apropriação, que permite criar uma metodologia interdisciplinar e um modelo capaz de integrar fluxos monetários, trabalho, energia, bens e serviços e coloca-los em espaçoso naturais e sociais bem definidos. (TOLEDO, 2012 p.25).

De acordo com a teoria proposta por Toledo (2012), o metabolismo existente entre a sociedade e natureza parte do ato da apropriação, o que dá inicio ao processo geral de metabolismo social. Toledo (2012 p. 25) afirma que “[...] essa conjunção é mais tangível nas sociedades em estágio incipiente de desenvolvimento das suas forças produtivas e menos visível, porém existente, na sociedade moderna de caráter industrial”.

Além disso, Toledo (2012) ressalta que no passado a apropriação da natureza pela sociedade humana era generalizada e que, no entanto, na atualidade apenas a parcela que vive no meio rural é que se apropria diretamente da natureza.

Nas suas origens, todos os membros da sociedade humana se dedicaram durante sua fase produtiva, a se apropriar da natureza. Hoje, na sociedade contemporânea somente uma fração da população humana participa diretamente do ato de apropriação, essa fração em geral, constitui o segmento rural da sociedade. (TOLEDO, 2012 p. 29).

Toledo (2012) aponta três formas básicas de apropriação da natureza pelos seres humanos e cada qual com uma forma diferente de afetar o ecossistema e as paisagens a serem apropriadas.

No primeiro caso, a apropriação se realiza sem provocar mudanças substanciais na estrutura, arquitetura, dinâmica e evolução dos ecossistemas e paisagens. Aqui incluem todas as formas conhecidas de caça, pesca, coleta e pastoreio, assim como de extrativismo e de pecuária, que usam as vegetações naturais. No segundo caso se trata de atos de apropriação onde a ação humana desarticula ou desorganiza os ecossistemas de que se apropria, para introduzir conjuntos de espécies domesticadas ou em processos de domesticação, tal como ocorre em todas as formas de agricultura, pecuária, silvicultura e aquicultura. A terceira forma de apropriação da natureza [...] se dá a partir da ação conservacionista, que busca a preservação ou a proteção de áreas naturais intocadas ou em processo de regeneração. (TOLEDO, 2012 p. 34).

Estas três formas de apropriação mencionadas por Toledo (2012), identificam em outras palavras que a natureza pode ser apropriada de diferentes maneiras. A primeira forma

50 parte da ideia de manejo da natureza, onde o ser humano não causa grande interferência nos recursos naturais, pois se apropria do que a natureza oferece não provocando grandes mudanças. Esse caso pode ser relacionado às formas de apropriação das espécies da biodiversidade nativa mediante o extrativismo, por exemplo8. A segunda forma de apropriação está relacionada à domesticação da natureza, incluindo-se aqui, especialmente, a agricultura como uma das formas mais antigas de domesticação da natureza. Neste caso, o processo de apropriação da natureza inclui a inserção de elementos externos àquela realidade. Nesta segunda forma de apropriação, podem ser incluídas as formas de agricultura que foram causando impactos negativos ao ambiente9, ou ainda as que buscam construir processos sustentáveis de exploração dos recursos naturais como solo, água, plantas e animais, enfim, as dinâmicas expressas na Agroecologia, por exemplo, onde agricultores desenvolvem diferentes sistemas de produção de acordo com as condições ecológicas de cada local.

A terceira forma de apropriação se dá mediante áreas de preservação ambiental e busca a proteção da natureza pela “não-ação”, ou seja, o ser humano se faz presente, mas busca não interferir nos processos da natureza. Em grande medida essa forma de apropriação da natureza tem sido interessante sob o ponto de vista da manutenção da diversidade biológica e genética, da conservação de características de clima, ou microclimas locais, sequestro de carbono, educação ambiental entre outras estratégias que são formas de apropriação sem intervenção humana direta.

A discussão proposta por Toledo (2012) enquanto metabolismo rural considera as três abordagens mencionadas anteriormente como: meio ambiente natural utilizado (MAU); meio ambiente transformado (MAT) e meio ambiente conservado (MAC). Aliado a estas três expressões, também considera os espaços dedicados a agrupar as populações humanas, tanto nos espaço urbano como no rural. Juntando-se o ambiente natural, o ambiente transformado, o ambiente conservado, com a organização urbana e rural e mais o processo de industrialização, resume-se em grande medida as formas possíveis de metabolismo entre a sociedade humana e a natureza. (TOLEDO, 2012 p. 34).

Diante da discussão sobre o metabolismo rural, interessa compreender de forma mais aprofundada, no contexto atual da apropriação da natureza pelos agricultores, as experiências

8

Destaca-se que o extrativismo nem sempre ocorre de forma sustentável, ou seja, muitas vezes a exploração dos recursos naturais pode ocorrer de forma predatória e com isso gerar sérios problemas ambientais, como por exemplo a erosão da biodiversidade.

9 Compreende-se aqui como formas convencionais de agricultura especialmente o modelo de agricultura

moderna, pós revolução verde, por exemplo que vem causando impactos negativos na sociedade e no meio ambiente até nos dias atuais. Mas também poderia ser citada a agricultura tradicional que durante muitos anos utilizava o fogo como pratica agrícola, ou mesmo o revolvimento do solo causando erosões.

51 de MAU, dentre elas, os extrativistas. Ou seja, como estes agricultores se apropriam da natureza, como fazem, quais seus valores em relação à natureza.

Além destes, também é fundamental compreender como os agricultores vêm construindo estratégias de apropriação da natureza (MAT) menos degradantes, resultando na construção de estilos de agricultura mais sustentáveis, como é o caso dos agricultores de base ecológica.

Além destes, considera-se que exista, em muitos casos, certo hibridismo entre o processo de apropriação do MAU e do MAT, como é o caso daqueles que tem inserido ou reinserido o extrativismo de espécies nativas como aliada às atividades agrícolas desenvolvidas, construindo desta forma uma proposta de apropriação mais sustentável da natureza. Vislumbra-se como exemplo desse processo, o caso dos assentados do Assentamento Nova Esmeralda que tem aliado a atividade agrícola a o extrativismo de butiá. Essa pode tornar-se uma experiência que estimule os demais agricultores assentados de reforma agrária e outros camponeses a se inserirem na apropriação sustentável da natureza, motivados pela significativa diversidade de espécies nativas existentes nos seus lotes.

Para além dos aspectos relacionados ao mundo do trabalho apontados até o momento, entende-se que a cultura também tem um papel importante sobre as formas de apropriação da natureza praticadas pelas sociedades, em especial na apropriação sustentável realizada por comunidades tradicionais.