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2.2 Metabolismo entre natureza e sociedade

2.2.1 O metabolismo social

O ser humano em sociedade não sobrevive somente a partir de processos sociais, mas também é afetado pelos fenômenos que ocorrem na natureza. Entende-se que o mesmo não isola o social do ecológico e que ambos vivem em um processo de Metabolismo Social como afirmam Víctor Manuel Toledo e Manuel González de Molina em seu texto “El metabolismo social: las relaciones entre la sociedad y la naturaleza” publicado em 2004.

Segundo Toledo & Molina (2004 p.4), "todas as sociedades humanas, independente de suas condições ou níveis de complexidade, não existem num vazio ecológico senão que

45 afetam e são afetadas pelas dinâmicas, ciclos e ritmos da natureza”. Assim, “a natureza é reconhecida como aquilo que existe e se reproduz independente da atividade humana e que ao mesmo tempo, representa uma ordem superior a da matéria” (ROUSSET, 1974 apud TOLEDO & MOLINA, 2004 p. 4).

Entretanto, a teoria do metabolismo social não pretende se explicar somente pelo prisma ambiental, nem mesmo compreende que todos os fenômenos sociais tenham uma explicação advinda desta linha de pensamento. Segundo Schmidt (1976 apud TOLEDO 2012 p.27), “o metabolismo entre a natureza e a sociedade é independente de qualquer forma histórica por que se estabelece previamente sob as condições pré-sociais ou histórico-naturais dos seres humanos”. Nas palavras do autor,

Esse fenômeno é composto por um conjunto de processos por meio dos quais os seres humanos, independente da sua situação no espaço e no tempo, se apropriam,

circulam, transformam, consomem e eliminam materiais ou energias provenientes do

mundo natural (TOLEDO 2012 p. 27).

De acordo com Toledo (2013, p.48– tradução nossa), “o metabolismo social começa quando os seres humanos socialmente agrupados se apropriam de materiais e energias da natureza (input) e finaliza quando depositam os resíduos nos espaços naturais (output)”. Assim, o autor destaca que o processo metabólico se vê representado pelos processos de apropriação, transformação, circulação, consumo e excreção como ilustrado na Figura 1.

Figura 1 − Processo metabólico social e ambiental

46 Assim, a maneira como os seres humanos se organizam na sociedade determina a forma com que eles afetam, transformam e se apropriam da natureza, como destaca Toledo:

No metabolismo social gera-se uma situação de determinação recíproca entre a sociedade e a natureza, pois a forma em que os seres humanos se organizam em sociedade determina a forma em que eles transformam a natureza, a qual por sua vez, condiciona a maneira como as sociedades se configuram. (TOLEDO, 2012, p. 27).

Entretanto, o processo de metabolismo social possui uma importante dinâmica econômica, pois na atualidade são poucas as sociedades que produzem somente o consumo, onde certamente o fenômeno produtivo se apresentaria como um processo natural de apropriação da natureza e consumo. Para Toledo (2012) existe um intercâmbio ecológico e um intercâmbio econômico, onde se dá um processo de transferência dos recursos naturais apropriados na natureza para o espaço de consumo.

Neste sentido, Toledo (2012 p.40) afirma que “o intercâmbio econômico aparece com o objetivo de unir economias complementárias, ou seja, com o fim de satisfazer necessidades que não podem ser cobertas só pelo intercâmbio ecológico”. Com isso, pode-se dizer que surgem transações econômicas entre os sujeitos que se apropriam de forma direta da natureza com os sujeitos que não conseguem se apropriar diretamente dos recursos da natureza. Neste caso ocorrem os processos de trocas, mencionado por Toledo (2012) e Foladori (2001) como “valor de uso” e “valor de troca”. Este processo já era considerado por Marx (1975, p. 102 e 127 apud TOLEDO, 2012 p.42) para quem “o valor de uso das coisas se realiza pelo homem, sem intercâmbio, ou seja, na relação direta entre a coisa e o homem, enquanto que seu valor de troca pelo contrário, somente aparece no intercâmbio econômico, ou seja, no processo social [...]” assim, afirma que “[...] na medida em que no processo de trocas se transfere de mãos as mercadorias, nos deparamos com o metabolismo social”.

Toledo (2013) cria uma matriz de análise que aponta três dimensões do metabolismo social, quais sejam, o “metabolismo rural”, “o metabolismo urbano” e o “metabolismo industrial”, para os quais identifica as formas de ocorrência dos cinco processos metabólicos: a apropriação, circulação, transformação, consumo e excreção, como ilustrado na Figura 2.

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Figura 2 – Matriz de relações entre as três dimensões do processo geral de metabolismo social e os cinco processos metabólicos

Fonte: Toledo (2013, p. 54).

Observa-se que o metabolismo rural destaca-se no processo de apropriação, que é onde se dá a relação direta do homem com a natureza. Neste caso se encaixam os extrativistas, camponeses e agricultores em geral, que se apropriam de forma direta dos recursos que a natureza oferece e mesmo que estes consumam, façam circular, transformem ou gerem resíduos, ainda assim a parte mais importante deste tipo de metabolismo ocorre na fase da apropriação.

Em contraposição, o metabolismo urbano possui pouca expressão no processo de apropriação e se destaca muito nos processos de consumo e excreção, especialmente por estarem mais distantes dos recursos naturais e necessitarem de um agente que se aproprie da natureza para que estes possam consumir. Pode-se citar, dentre outros, os alimentos como exemplo de produtos que dependem do agente que se apropria da natureza (o agricultor) para os moradores de centros urbanos poderem ter acesso.

De forma diferente dos dois primeiros, o metabolismo industrial está centrado no processo intermediário, onde se destaca o processo de transformação dos produtos e geração de resíduos, além do consumo de produtos da natureza, como a matéria prima já apropriada, á água, a energia, entre outros.

Destaca-se que uma das grandes contribuições que a discussão sobre o metabolismo social traz para o contexto que se insere este estudo está justamente na delimitação da

48 apropriação da natureza pelas sociedades rurais, ou seja, o processo de metabolismo rural, que é justamente onde se inserem os extrativistas e camponeses.