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CAPÍTULO 4 APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS PELOS

4.1 Os assentados e o extrativismo do butiá

4.1.1 Processo histórico

Desde que surge o Assentamento Nova Esmeralda em Pinhal da Serra no ano de 1989, originário do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) o qual vinha passando por uma fase de intensas ocupações de terra (final da década de 1980 e 1990), com conflitos agrários intensos.

Observa-se que os assentados estabelecem uma relação direta com a floresta de araucárias, tendo em vista que a localização do assentamento se deu numa região onde ainda existia remanescentes de Mata Atlântica e uma das primeiras ações das famílias quando chegaram na área foi a derrubada desta mata para estabelecer a agricultura.

Até 1989 prevalecia o sistema de agricultura baseado na pecuária de corte e em algumas regiões onde o terreno era mais acidentado já haviam se instalado em pequenas propriedades os agricultores descendentes de imigrantes italianos vindos da Serra Gaúcha e alguns peões de fazenda que ganhavam ou adquiriam pequenas áreas de terra para se estabelecerem com a família.

O assentamento foi criado no ano de 1989 com capacidade para 35 famílias, sendo instalado nessa região de terreno mais acidentado, na costa do Rio Pelotas, divisa com o Estado de Santa Catarina e não na região plana dos campos onde as condições de solo eram mais favoráveis. Segundo informações obtidas com os informantes-chave, as áreas destinadas à reforma agrária nesta região foram as “piores terras”, tendo em vista especialmente a topografia acidentada, solos pedregosos, vegetação densa com áreas de floresta, bem como distantes da cidade e com difícil acesso. Além disso, as famílias não receberam muito apoio por parte dos órgãos de governo responsáveis pela criação do assentamento.

No princípio, quando da chegada das famílias assentadas, em grande medida, a relação estabelecida entre a população local e as famílias assentadas não foi muito amistosa, pois os agricultores familiares da região ficaram com receios, tendo em vista que as famílias eram integrantes do Movimento Sem Terra (MST). Os poucos aliados das famílias assentadas naquela época foram os padres da Igreja Católica. Os padres identificados com a proposta da reforma agrária, adeptos de uma linha de pensamento da igreja denominada de “Teologia da Libertação” deram suporte às famílias assentadas e também as ajudaram a estabelecer as primeiras relações com as comunidades locais.

81 Um aspecto a ser frisado é o fato de que as famílias, mesmo fazendo parte de uma organização social importante como é o MST, não conseguiram questionar a qualidade da área onde estavam sendo assentados18. Assim, permaneceram no local mesmo sem infraestrutura, sem energia elétrica, sem moradias (tendo que construir barracos de lona), sem água, distantes do meio urbano e com estradas de difícil acesso e, além disso, não possuindo nenhum tipo de recurso para iniciar a produção.

Outro aspecto importante diz respeito ao fato de que a maioria das famílias assentadas no assentamento Nova Esmeralda são originárias da região do Planalto do Rio Grande do Sul, onde já desenvolviam uma agricultura mais intensiva, com o cultivo de grãos já consolidado. Quando essas famílias chegam nos Campos de Cima da Serra se deparam com áreas de criação de gado extensivo e os agricultores familiares produzindo para a subsistência e comercializando os excedentes, embora sem uma estrutura mais qualificada para armazenamento ou para o escoamento da produção.

Esta realidade encontrada na região, aliada a falta de recursos para iniciar a produção obrigou os agricultores a se adaptarem às condições locais e aprenderem com a comunidade local as formas de sobrevivência no ambiente onde estavam se instalando.

A existência da mata fechada na área do assentamento foi uma das primeiras fontes de renda das famílias, tendo em vista a existência de serrarias que já haviam se instalado na região antes da área ser desapropriada para fins de reforma agrária e, segundo depoimento do entrevistado 18, o antigo proprietário já havia cortado a maior parte das Araucárias.

O assentamento veio bem depois, o proprietário da terra já tinha tirado todos os pinheiros. Tinha muito pinheiro aqui na região, “isso aqui era azul de pinheiro”, os bugios viajavam de um galho pra outro sem descer no chão. Era só pinheiro de copa (pinheirão só escolhiam pra serrar aqueles que eram bons). Essa área que é do assentamento hoje, era só pinheiro. (entrevistado 18).

Assim, os assentados aproveitaram a oportunidade e seguiram com a mesma prática dos agricultores da região, ou seja, o corte da madeira. Desta forma se inicia o uso da natureza pelos assentados, ou seja, cortando as árvores nativas para vende-las às serrarias da região. Posteriormente a apropriação da natureza segue com a produção de carvão, quando muitas famílias assentadas retiravam da floresta os restos de madeira que eram descartados pelas

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Destaca-se que neste período a criação dos assentamentos de reforma agrária passa por mudanças de ordem políticas, onde antes a normativa era pela desapropriação das terras por interesse social, agora a federação repassa recursos ao Estado para a compra de terras para fins de reforma agrária.

82 serrarias, bem como os “nós de pinho”19

que restaram da floresta de araucária e por meio de fornos faziam o carvão, sendo uma segunda opção de renda para estas famílias como destaca o entrevistado 16: “Quando chegamos aqui nós vendíamos a lenha e vendia o nó de pinho. Tinha muito nó de pinho e a gente ajuntava para vender e o pessoal fazia carvão”.

Esta forma de apropriação da natureza pelo corte da madeira é classificada por Toledo (2012) como “meio ambiente transformado ou domesticado (MAT)”, onde o ser humano provoca grandes transformações na natureza.

O que se observa nos assentados é que seguiram com a mesma prática da maioria dos agricultores familiares que se instalaram nesta região da mata de araucárias no passado, ou seja, se depararam com uma mata densa e para implantar seus cultivos agrícolas e criações derrubaram a floresta. Em decorrência, ocorreram grandes transformações no ambiente natural, sem maior interesse na conservação dos recursos naturais existentes.

Entretanto, mesmo com a derrubada da mata, as frutas nativas e em especial o butiazeiro na maioria dos lotes era conservado, mesmo entremeio às áreas de lavoura, pois tratava-se de um recurso importante na alimentação animal, o qual será tratado posteriormente com maiores detalhes. Além disso, mesmo com a pratica de queimadas, o butiazeiro se mostrava com maior resistência ao fogo, especialmente as plantas de porte alto. Assim, mesmo que muitas plantas mais jovens não tenham sobrevivido com a ação do fogo, muitas plantas velhas se reestabeleciam após a queimada e voltavam a produzir.