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A prática metodológica da presente pesquisa foi sustentada por quatro pilares que se edificaram concomitantemente. Apesar de serem pólos separados e claramente delimitados eles foram sendo incorporados ao fazer metodológico de modo a se sobreporem fazendo com que um catalisasse a necessidade e o desenvolvimento do outro. Os objetivos do projeto de pesquisa foram conduzindo as diferentes formas de se buscar alcançá-los e assim cada fazer metodológico foi se organizando e adquirindo consistência.

Pesquisa teórica; laboratórios experimentais; pesquisa de campo/ entrevistas; e escrita dinâmica conformaram os quatro vértices metodológicos utilizados nesta pesquisa. Voltando à própria pesquisa de Rudolf Laban sobre a harmonia das formas cristalinas, adotei a geometria do tetraedro para expor o relacionamento dos diferentes pilares da estrutura metodológica da pesquisa.

O tetraedro regular é a junção de quatro triângulos eqüiláteros formando uma figura cujas arestas são todas do mesmo tamanho e unidas em ângulos congruentes. Laban via o tetraedro com sendo “de onde todos os outros poliedros ou formas cristalinas derivam” (LABAN, 1976, p. 103). A partir do próprio mestre podemos considerar esta forma cristalina como a que apresenta maior estabilidade.

Tetraedro como suporte para a configuração metodológica desta pesquisa permitiu que cada um de seus vértices pudesse ser o foco central, dependendo do referencial de onde é observado. Isto significa que cada proposta metodológica é independente, não dependendo de um outro suporte para se desenvolver. Mais especificamente, os quatro cumes metodológicos têm igual valor dentro da estrutura da pesquisa. Porém, neste estudo elas foram se sobrepondo e entrelaçando de forma a atuar concomitantemente sobre o ato de pesquisa e escrita dissertativa. 

O primeiro vértice metodológico, a Pesquisa teórica, foi aplicada de forma a consolidar os Capítulos 1 e 2 da dissertação. A seguir, encontram-se detalhados os outros três pólos metodológicos que compuseram o fazer deste estudo.

2.Desenvolvendo e aplicando

O panorama brasileiro da dança como linguagem artística deriva de inúmeras histórias e narrativas de imigrantes que desembarcaram no país e aqui construíram suas instalações artísticas dispersando suas práticas. Yolanda Amadei 27 lembra que “tudo começou com os refugiados da guerra que vieram para o Brasil. O ensino de dança no Brasil é muito recente”. Yolanda pôde vivenciar momentos históricos que fizeram parte da construção da história da dança no país. Como ela, inúmeros outros artistas vivenciaram e manufaturaram a história da dança brasileira. Cada indivíduo possui uma história ímpar e uma considerável carga de contribuição teórico-prática dentro do universo da dança nacional.

Na presente pesquisa realizo o recorte de discutir, traçar e materializar os indivíduos e seus trabalhos que se caracterizam por incluir e desenvolver as teorias e práticas de Rudolf Laban junto a suas atuações pessoais. O universo teórico-prático labaniano apresenta um percurso característico de trajetos artísticos, teóricos e educacionais percorridos pelo território brasileiro através do tempo.

No capítulo anterior apresentei e discuti formas de se pesquisar e dissertar sobre os acontecimentos passados (história). Percorrendo os diferentes pensamentos e possibilidades lançadas por teóricos contemporâneos das ciências humanas, visitei abordagens distintas de olhar e materializar o passado de forma escrita. Fundamentada nesta investigação teórica, escolhi a genealogia histórica como o método e base filosófica de pesquisa sobre o tempo- espaço passado: norteador da análise, tratamento do material recolhido e confecção de narrativas resultantes das entrevistas.

Praticamente, busquei as pessoas que atuaram e ainda atuam edificando o universo da linguagem da dança no Brasil para, a partir de seus percursos e testemunhos pessoais, propor um panorama genealógico brasileiro dos estudos e práticas relacionadas ao movimento, fundamentados no legado deixado por Rudolf Laban.

      

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Foucault defende a organização de uma história que se apóia na memória tanto metafísica quanto antropológica (FOUCAULT, 1977 p. 160). O processo desta pesquisa propõe construir a contra-memória (idealizada pelo filósofo) e realizar uma conseqüente transformação do que é tido como passado histórico enrijecido para buscar uma outra possibilidade de olhar sobre um universo existente e em movimento. Através da coleta de depoimentos diversificados dos indivíduos atuantes no presente e no passado, compreendi que poderia expor uma forma singular de se olhar o passado e visualizar os trajetos dos movimentos labanianos (teóricos e práticos) pelo espaço através do tempo.

Portanto, esta pesquisa tem foco no passado e presente brasileiro que se encerram no uso e disseminação das teorias de Rudolf Laban pelos corpos e espaços do território nacional. Através do contato com os próprios agentes da história, entendi que o Brasil tem um cenário particular envolvendo os trajetos do legado do mestre através dos brasileiros que encarnaram suas práticas e filosofias. A construção de um percurso genealógico feito através das narrativas dos indivíduos que se apresentam como utilizadores e/ou praticantes do universo labaniano resultou em um emaranhado condensado de historias e fatos que configuram a genealogia histórica da travessia do legado através do movimento de seus transmissores.

Como proposto na Genealogia histórica de Foucault (e em outras teorias do próprio filósofo como a Arqueologia do Saber e o conceito de Episteme) mergulhei em cada discurso recolhido através das entrevistas, para explorar seu conteúdo qualitativo histórico. Procurei eliminar as possíveis ideologias por trás dos discursos já conhecidos, disseminados e repetidos sobre Laban e focar nos relatos pessoais dos próprios agentes e produtores da memória. Optei pela construção de uma organização espacial arbórea onde localizei e espacializei os indivíduos de acordo com seus vetores genealógicos, ou seja, relações mestre- discípulo de aprendizagem e transmissão de conteúdos labanianos.

A pesquisa conta a história de inúmeros percursos que se cruzam entre si e que têm em comum o vetor resultante (ou iniciante) que leva à Rudolf Laban. Esta é a proposta de uma versão tempo-espacial passada contada a partir das informações que cada indivíduo teve oportunidade de ceder para o estudo. As narrativas construídas compõe um universo contado através da memória histórica proporcionada por cada indivíduo que faz parte da genealogia deste conjunto. Desta forma, a organização que proponho realizar parte de meu olhar como pesquisadora sobre uma fatia espaço-temporal relatada pelos próprios atores e construtores de um universo específico. Procurei utilizar o mínimo possível de outras histórias que têm sido

contadas e reproduzidas em pesquisas do gênero e assim me reter aos relatos dos discípulos que estão construindo o fazer labaniano no Brasil. Esta foi a tentativa de fugir de um possível “senso comum” difundido através do tempo apoiado em informações que possam ter sido influenciadas por ideologias ou serem resultantes da ação do poder28.

A genealogia histórica do universo labaniano brasileiro utiliza como matéria prima, para a construção de reflexões e disposição situacional, os depoimentos das pessoas que atuaram e vivenciaram a aquisição e disseminação das teorias de Laban pelo país.

Infelizmente não foi possível recolher maior quantidade de informações por limitações temporais, espacial e de comunicação. A disposição do histórico de vida e quantidade e qualidade de informações variou, consideravelmente, pelo fato de que alguns indivíduos não tiveram a oportunidade de realizar a entrevista presencial (registradas em áudio digital). Recolhi uma gama de informações que variam desde respostas diretas e reduzidas até longos monólogos de memórias envolvendo recordações e convicções artísticas pessoais. Porém este não foi um fator limitador da pesquisa, pois as informações básicas que procurava foram fornecidas por todos os indivíduos que me cederam material concordando em participar do estudo.

A variação na quantidade de conteúdo em cada resposta é uma característica peculiar e que julgo importante ser mencionada porque influencia na forma e na quantidade de conteúdo do que é descrito ao longo do capítulo. Por seguir a base filosófica da genealogia histórica de considerar a historia como o relato de seus próprios agentes, o resultado gerado é especificamente conseqüência do processo de pesquisa que foi realizado. O olhar histórico que foi gerado é resultado do estímulo pessoal de cada indivíduo em contribuir com seu depoimento para a pesquisa e, portanto, cada depoimento foi tratado com a mesma importância e rigor.