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Revisitando o cânone: Quinhentismo e Romantismo (Indianismo e Condoreirismo) em PL01

No PL01, o Quinhentismo é introduzido por meio do seguinte enquadrador discursivo:

Nem crônicas, nem memórias, pois não resultavam de nenhuma intenção literária: os escritos dos cronistas e viajantes eram uma tentativa de descrever e catalogar a terra e o povo recém-descobertos. Entretanto, permeava-os a fantasia de seus autores, exploradores europeus que filtravam fatos e dados, acrescentando-lhes elementos mágicos e características muitas vezes fantásticas. (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 1], p. 197). Esse enquadrador do tipo extratextual alerta os estudantes quanto à “fantasia” e à “filtragem” de dados e de fatos que perpassam os escritos dos europeus no contexto do Descobrimento, uma ressalva que, a nosso ver, pode contribuir para que haja uma leitura pós- colonial dessas produções. Na sequência, para além de dados históricos, o capítulo recorre às cartas de Caminha e a trechos da obra de José de Anchieta. Em relação a este, não é promovida nenhuma visão crítica sobre seu papel na catequização dos indígenas, havendo uma discussão restrita à estética de seus textos; já a respeito de Caminha, somam-se às usuais solicitações analíticas de seus relatos, algumas leituras comparadas que dão espaço a um olhar mais atual sobre os interesses e sobre as ações dos portugueses no Brasil:

Você vai ler a seguir três fragmentos da Carta de Pero Vaz de Caminha e dois trabalhos de artistas que dialogam com a Carta: uma tira de Nilson e um cartum de Marcos Müller.

[...]

TEXTO IV

(Nilson. A caravela. Belo Horizonte: Crisália, 2000, p. 11.)

(Marcos Müller. Bundas, nº 44.)

[...]

5. Aponte semelhanças entre os textos lidos e os versos de Camões a seguir, quanto ao ponto de vista do colonizador português sobre os motivos da colonização.

E também as memórias gloriosas Daqueles reis que foram dilatando A Fé, o Império, e as terras viciosas De África e de Ásia andaram devastando,

[Resposta: Tanto na Carta de Caminha quanto nesse fragmento de Os lusíadas, de Camões, os interesses econômicos e políticos do imperialismo

português são justificados com o argumento da necessidade de levar o cristianismo às ‘terras viciosas’ (não cristãs).]

6. Compare o texto IV ao texto III. Que semelhanças há entre eles? [Resposta: Ambos os textos abordam o tema da expansão e do império

português (motivada por interesses econômico, político e militar), justificada pela necessidade de expandir a fé cristã.]

7. No texto III, Caminha diz ao rei: “Mas o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece salvar essa gente”. Comparando o texto de Caminha ao cartum de Marcos Müller, é possível perceber pontos de vista diferentes sobre a conquista e a colonização do Brasil.

a) De acordo com o ponto de vista do conquistador europeu, o objetivo de “salvar” os índios foi alcançado no transcorrer do tempo? Por quê? [Resposta: Sim, pois os portugueses catequizaram os índios e procuraram

implantar sua civilização no Brasil.]

b) Do ponto de vista do cartunista, o que resultou da relação do conquistador com os índios? Por quê? [Resposta: O contato com o conquistador europeu e

a posterior colonização do Brasil levaram os índios, historicamente, à marginalização e à indiferença social. Isso porque os índios foram espoliados de seus bens e de sua cultura pelos conquistadores.] (CEREJA &

MAGALHÃES, 2013 [Vol. 1], pp. 201-202).

Percebe-se, portanto, que PL01 reitera, a partir do Quinhentismo, os fatores políticos e econômicos que fundamentaram a colonização, focando-se, por fim, em questões vinculadas às identidades e às culturas indígenas através da atividade 7. Por meio da tirinha e do cartum

(textos IV e V), a coleção conduz a mediação da leitura das Cartas de Caminha para a contemporaneidade e, em certa medida, para uma interpretação de cunho pós-colonial. É igualmente relevante citar que se fazem ressalvas quanto à pertença da literatura produzida no período colonial; esclarece-se que “embora a literatura brasileira tenha nascido no período colonial, é difícil precisar o momento em que passou a se configurar como uma produção cultural independente dos vínculos lusitanos [...]. Por essas razões, alguns historiadores da literatura preferem chamar a literatura aqui produzida até o final do século XVII de manifestações literárias ou ecos da literatura no Brasil colonial” (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 1], p. 198-199).

Antes de dar início à análise do Indianismo e do Condoreirismo, consideramos bastante válido tecer alguns comentários relativos às edições anteriores de Português Linguagens. Nas coleções homônimas publicadas por seus autores em 1994 e em 2003, sendo esta, inclusive, uma das obras aprovadas pelo Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) 2005, identificamos a manutenção parcial da atividade de leitura supracitada. Nas três edições (1994, 2003 e 2013), os textos I, II e III, referentes a trechos da Carta de Caminha, mantêm-se os mesmos, bem como grande parte das perguntas sobre eles levantadas. São, pois, as charges que sofrem substituições. As charges que disponibilizamos anteriormente, que integram PL01, não são as mesmas que encontramos nas edições precedentes:

(i)

(CEREJA & MAGALHÃES, 1994 [Vol. 1], p. 159). (ii)

(Folhetim Humor, São Paulo, nº 269, 14/3/1982)

(CEREJA & MAGALHÃES, 2003 [Vol. Único], p. 79). Chama-nos a atenção, em especial, a charge que consta na edição de 1994, a qual, em nossa leitura, sugere que os povos indígenas possam ter tido vantagens equiparáveis às obtidas pela corte portuguesa com a colonização (afinal, teriam ganhado “espelhinhos”), frisando, assim, a ideia de um processo ancorado em acordos mútuos em detrimento da questão da violência colonial. Além disso, é importante mencionar que a imagem (i) deixa de acompanhar o quadro de atividades da edição de 2003 (sendo, pois, substituída por [ii]), mas nem por isso é excluída do repertório da coleção. Na versão de Português Linguagens aprovada pelo PNLEM 2005, ela é realocada para a página que antecede os exercícios de leitura, assumindo o papel de elemento ilustrativo da apresentação do Quinhentismo (CEREJA & MAGALHÃES, 2003 [Vol. Único], p. 77). Um agravante a ser apontado é a ausência, tanto em 1994 quanto em 2003, de enquadradores de leitura que situassem o professor e/ou o aluno quanto às interpretações esperadas pela coleção ou que fornecessem instruções mínimas de mediação de leitura. Se considerarmos que tal charge não se faz presente na edição de 2013, mas que, ao contrário, ela é substituída por produções artísticas a partir das quais se exploram, precisamente, os efeitos da violência e do legado colonial para os povos indígenas brasileiros, é possível inferir o impacto das políticas de recorte multicultural naquilo que temos denominado de “descolonização da educação literária”. O livro didático de 2013 não parece dialogar tanto com o da década de 1990 ao menos no que diz respeito às narrativas coloniais. A análise textual dos escritos de Caminha permanece quase que intacta ao longo dos anos, mas vai, gradativamente (primeiro, com a imagem da edição de 2003; depois, com as da edição de 2013), sendo articulada a um contraponto que

desloca o olhar do aluno também para a perspectiva do colonizado, rompendo, portanto, com o modelo clássico de ensino88.

Concernente, por fim, ao Romantismo, a coleção descreve uma literatura de “conotação de movimento anticolonialista e antilusitano, ou seja, de rejeição à literatura produzida na época colonial” (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 2], p. 53). Especificamente sobre o Indianismo, analisa-se, na poesia, o canto IV de “I-Juca-Pirama”, por meio, sobretudo, de enquadradores textuais e de solicitações analíticas de identificação, de síntese e de inferência. Na prosa, é feita a usual apresentação da obra de José de Alencar, seguida, porém, de uma abordagem inovadora desenvolvida a partir da subseção “literatura comparada”, sob o título “Diálogo entre a poesia africana contemporânea e a prosa romântica brasileira”. Afastando-se da questão indígena, PL01 centra-se na afirmação de identidade no Brasil e em Angola, tendo por base a leitura dialógica de um fragmento de Iracema (1865), de Alencar, e do poema “Carta de um contratado” (1961), de Antônio Jacinto. Inicialmente, fazem-se perguntas interpretativas sobre cada um dos textos (a maioria delas, nos dois casos, do tipo solicitações analíticas de identificação e de inferência), sendo especialmente interessante para a nossa análise duas delas: a que questiona o papel de José de Alencar nessa busca identitária, e a que concretiza a leitura comparada:

[...]

2. José de Alencar foi um dos principais escritores brasileiros empenhados no projeto romântico de construir uma identidade nacional. Por meio da literatura, o escritor pretendia libertar a cultura brasileira do domínio da cultura portuguesa. De que modo o escritor põe em prática esse projeto, no texto, considerando-se os aspectos da língua e do espaço? [Resposta:

Empregando palavras indígenas e destacando elementos da fauna e da flora

88 Verificamos uma ocorrência similar envolvendo o estudo do Condoreirismo nas edições de 1990 e de 2010 de

coleções assinadas por Douglas Tufano, sendo a segunda constitutiva da lista de obras aprovadas pelo PNLD 2013. Apesar de a edição mais recente ser também assinada por Leila Lauar Sarmento, e não apenas por Tufano, algumas similaridades de repertório e de enquadramento de leitura acabam por justificar o registro da discrepância por nós levantada. Nos dois casos, o capítulo da produção romântica encerra-se com uma proposta de discussão, sendo que em Estudos de Língua e Literatura (1990) o recorte temático escolhido é “Os negros no Brasil, ontem e hoje” (TUFANO, 1990 [Vol. 2], pp. 58-60), a partir do qual se solicita a produção textual de uma dissertação sobre o “relacionamento atual entre brancos e negros no Brasil” (ibid., p. 61). Em Português –

Literatura, Gramática e Produção de Texto (2013), por sua vez, o “negro” enquanto tema é substituído pela

autoria negra, dado que no fechamento do trabalho com a poesia romântica tem-se a seção “Poesia negra – ontem e hoje” (SARMENTO & TUFANO, 2013, pp. 124-125). No lugar de textos sobre a condição da população negra no Brasil “ontem e hoje”, a edição mais recente do livro de Tufano disponibiliza produções literários de poetas afrodescendentes mais antigos e mais recentes, como Luís Gama e Solano Trindade. Tendo em vista que é possível notar algumas permanências na edição de 2010 se comparada à edição da década de 1990, tal exemplo configura-se, certamente, uma interessante e significativa ruptura.

nacionais; por meio desse procedimento, o autor procurou criar uma literatura identificada com a nossa gente, nossa cultura e nossa natureza.]

[...]

5. O romance Iracema foi escrito após a independência política do Brasil. O poema de Antônio Jacinto foi escrito no período em que Angola ainda era colônia portuguesa. Considerando os contextos de produção dos textos, responda: Que importância têm, no texto de José de Alencar e no poema, as várias referências feitas à fauna e à flora brasileiras e angolanas, respectivamente? [Resposta: Os dois textos, ao empregar palavras

originadas das línguas nativas, indígena (no caso de Iracema) e africana (no caso do poema) e destacar elementos da fauna e da flora locais, podem ser vistos como expressão do nacionalismo (brasileiro e angolano). No caso do texto de Alencar, uma forma de consolidar a Independência; no caso de Antônio Jacinto, um grito de liberdade, de protesto contra o colonialismo português. Professor: Chame a atenção dos alunos para pontos em comum na identidade histórica, cultural e linguística do Brasil, Angola e Moçambique, uma vez que esses países viveram experiências semelhantes de colonização e de libertação política.] (CEREJA & MAGALHÃES, 2013

[Vol. 2], p. 133).

A atividade 2 parece-nos relevante porque ilustra a ausência de questionamento acerca da imagem idealizada do indígena pintada pelo Romantismo, uma lacuna por nós observada em todo o capítulo. No desenrolar de nossas análises, é possível perceber que algumas coleções do PNLD 2015 têm se valido do Indianismo para promover essa reflexão, motivo pelo qual consideramos pertinente arquivar esse dado do PL01. A título de complementação, podemos nos ater novamente à mediação de leitura da poesia indianista: nas atividades sobre o canto “I-Juca-Pirama”, que citamos anteriormente, o último exercício solicita que seja estabelecida uma relação entre o conceito de “bom selvagem” de Rousseau (explicitado por meio de um Box nas páginas anteriores à atividade) e o comportamento do índio retratado pelo Romantismo brasileiro (CEREJA & MAGALHÃES [Vol. 2], 2013, p. 56). Todavia, tanto as perguntas quanto as respostas de tal atividade limitam-se à recuperação de elementos textuais, e, a exemplo da atividade 2 anteriormente transcrita, não confrontam o problema da idealização. O mito do “bom selvagem” é, assim, trazido, mas pouco explorado. Apesar disso, na seção “Sugestões de Estratégia” que integra o Manual do Professor, assinala- se para os educadores a possibilidade de seguir por esse caminho, ao sugerir a possibilidade de se confrontar “a literatura indianista romântica com os textos de História” (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 2 – Apêndice:” Manual do Professor”], p. 451) ou ainda de trazer “o confronto entre o índio retratado pelo Romantismo e o índio real, contemporâneo” (p.

452). Portanto, em PL01, o uso do Indianismo como ponte para uma releitura da imagem e de estereótipos indígenas fica ao critério de escolha do professor.

A pergunta 5, por sua vez, parte de uma aproximação entre Brasil e Angola para chegar a uma indicação de comparação mais ampla, que inclua também Moçambique. A referência a este país justifica-se pelo conteúdo do Box “Oratura na África”, localizado na página anterior às atividades. Tendo como gancho a problemática do analfabetismo presente no poema de Antônio Jacinto, PL01 expõe no Box a importância da oralidade nas culturas africanas: “Moçambique e Angola foram colônias de Portugal até a década de 1970. Até essa data, esses países eram dependentes da metrópole também culturalmente e viviam um grave problema de analfabetismo. Isso não quer dizer, porém, que neles não havia uma intensa vida cultural e literária. Havia, sim, e tal era a importância dessa produção transmitida oralmente, que se costuma chamá-la de oratura [...]” (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 2], p. 132). Observa-se, então, que se, por um lado, as culturas indígenas brasileiras parecem ficar em segundo plano, por outro, PL01 faz uso da clássica apresentação do Indianismo para promover uma leitura mais abrangente sobre a afirmação das identidades e sobre o “protesto contra o colonialismo” experimentado nas literaturas escritas no Brasil e em outros países colonizados por Portugal.

No Condoreirismo, a única atividade de leitura baseia-se num fragmento do canônico “O navio negreiro” (1868), de Castro Alves, ainda que o poeta Sousândrade também seja apresentado. Para análise do poema, observam-se solicitações analíticas contendo operações de identificação por estrofe. O que mais chama a atenção no capítulo é o Box intitulado “Brasil: país da diversidade e da desigualdade”, no qual se afirma:

Nas últimas décadas do século XX, os negros brasileiros perceberam que a luta iniciada por Castro Alves (ironicamente um branco) deveria ser levada adiante. Agora, não mais uma luta pela abolição, mas pelo fim do preconceito racial e cultural, da desigualdade de oportunidades, da discriminação social. Assim, diversos grupos organizados, bem como muitos negros de destaque na sociedade, têm afirmado sua identidade afro- brasileira, seja por meio de manifestações de protesto, seja por meio de atividades culturais identificadas com origens africanas [...]. (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 2], p. 114).

A recuperação do movimento negro contemporâneo é um dado que vai ao encontro das ideias propagadas pelos documentos oficiais das leis 10.639/03 e 11.645/08. No entanto, a afirmação de que apenas no século passado “os negros brasileiros perceberam que a luta

iniciada por Castro Alves (ironicamente um branco) deveria ser levada adiante” reitera a falsa ideia de passividade dos negros frente ao colonialismo. À luz dos documentos estudados na seção anterior, sabe-se que PL01 poderia ter recorrido, nesse contexto, a algum dos nomes de abolicionistas negros indicados pelos textos regulatórios das leis, como Luís Gama ou Cruz e Sousa, contemporâneos de Castro Alves, ou até mesmo Zumbi, personagem histórica anterior ao poeta, que serve de contestação à afirmação de que a luta teria sido iniciada com o representante do Condoreirismo. Em suma, faz-se uma ponte a figura do negro no século XIX e na atualidade, mas por meio de um discurso que dá margem à propagação de estereótipos e de lacunas históricas sobre o movimento negro.

Reestruturando o cânone I: literaturas africanas e literatura negra/afro-brasileira em PL01

A localização articulada que caracteriza a macroestrutura de PL01 levou-nos a antecipar a discussão sobre os contornos das literaturas africanas em tal coleção. Somada à presença do moçambicano José Craveirinha no capítulo introdutório do volume 1, bem como à do angolano Antônio Jacinto no capítulo dedicado ao Romantismo, PL01 dispõe de uma terceira seção de “literatura comparada”, intitulada “Diálogo entre a poesia de Manuel Bandeira e a literatura africana” (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 3], p. 113), que inclui o escritor cabo-verdiano Ovídio Martins. Presente na unidade sobre o Modernismo, a comparação busca exemplificar como “a literatura brasileira de diferentes épocas tem sido fonte de inspiração para muitos escritores africanos de língua portuguesa” (ibidem), por meio dos poemas “Vou-me embora pra Pasárgada” (1930), do brasileiro, e “Antievasão” (1962), do africano. Apesar de tratar apenas do poema de Ovídio Martins, PL01 cita, por meio de um breve Box, o fato de os escritores cabo-verdianos “Osvaldo Alcântara e Baltazar Lopes” (sic) também terem escrito “cinco poemas a partir de ‘Vou-me embora pra Pasárgada’” (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 3], p. 115), sem esclarecer, porém, que o primeiro é um pseudônimo do segundo.

Alternando, novamente, entre solicitações analíticas ora focadas no texto de Bandeira ora no de Ovídio Martins, a coleção propõe uma leitura intertextual na atividade 6:

6. Nos jogos interdiscursivos, um texto pode citar outro para afirmá-lo ou para negá-lo.

a) O poema de Ovídio Martins afirma ou nega o poema de Bandeira? [Resposta: Nega.]

b) Em “Antievasão”, Pasárgada tem o mesmo significado que tem no poema de Manuel Bandeira? Justifique sua resposta. [Resposta: Não. No poema de

Bandeira, Pasárgada é um lugar de prazeres, de realizações; no poema de Ovídio Martins, Pasárgada equivale a uma fuga da realidade, a alienação.]

(ibid., p. 115).

Entre os exercícios de leitura do poema do cabo-verdiano, o último, em certa medida complementar a 6b, chama-nos a atenção devido ao conteúdo de seu enquadrador extratextual:

7. Ovídio Martins fez parte de um grupo de escritores militantes que, em Cabo Verde, lutou pela independência política de seu pai, combatendo a colonização portuguesa. Por causa disso, chegou a ser preso e exilado. Considerando essas informações, levante hipóteses: Por que o eu lírico insiste na postura “antievasão”? [Resposta: Porque, para ele, melhor do que

fugir da realidade, buscando um mundo imaginário, é enfrentá-la e transformá-la.] (ibidem).

Com esse enquadrador, PL01 introduz novamente a questão do colonialismo português em África, assim como o fez a partir do poema de Antônio Jacinto. Nas próximas análises, baseadas no capítulo de PL01 especificamente dedicado às literaturas africanas, buscamos observar se essa relação entre literatura e experiências coloniais se mantém ou se a coleção oferece outras perspectivas sobre as produções africanas, similares, por exemplo, à que orienta a leitura do poema de Craveirinha, anteriormente discutido.

O capítulo “Panorama das literaturas africanas de língua portuguesa”89, que encerra a coleção, subdivide-se em “literatura em Angola”, “literatura em Moçambique” e “literatura em Cabo Verde”, e propõe uma atividade de leitura para cada contexto, a partir de excertos dos seguintes textos: “Exortação”, poema do angolano Maurício Gomes; “Nas águas do tempo” (1994), conto do moçambicano Mia Couto; e “Hora Grande” (1962), poema do Cabo Verdiano Onésimo Silveira.

Antes das atividades, apresentam-se enquadradores discursivos extratextuais, contendo dados sobre a história do respectivo país e de sua literatura, incluindo referências a nomes de diversos autores de cada país abordado. Devido ao excesso e à extensão desses textos introdutórios  um deles, inclusive, baseado em uma citação de Pepetela sobre o

89A título de registro: contrariamente a PL01, na edição de Português Linguagens publicada em 2003 (CEREJA

& MAGALHÃES, 2003), ou seja, na última coleção produzida por Cereja e Magalhães antes da aprovação da lei 10.639/03, não encontramos nem seções nem textos que remetessem às literaturas africanas de língua portuguesa. Trata-se de um dado que atesta o papel de revisão curricular exercido por leis educacionais de viés multicultural.

processo de formação da literatura angolana , destacamos e enumeramos alguns exemplos, visando dar visibilidade às ocorrências mais significativas:

(i) Cultivada muitas vezes por portugueses ou por filhos de portugueses que viviam na África, a literatura produzida nos países africanos de língua portuguesa foi durante muito tempo considerada mera extensão da literatura portuguesa.

Contudo, embora seja difícil traçar a linha divisória entre a literatura portuguesa e as literaturas africanas em nossa língua, pode-se dizer que o florescimento dessas literaturas se deu concomitantemente ao início da discussão sobre a identidade nacional. (CEREJA & MAGALHÃES, 2013 [Vol. 3], p. 378). (ii) Embora a produção desse período [em Angola, final da década de 1940 e início da de 1950] tenha mantido o caráter de crítica e resistência política ao colonialismo português, ela não