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A mitigação no direito italiano

2.2 Mitigação nos países de tradição romano-germânica

2.2.2 A mitigação no direito italiano

Assim como ocorre no direito alemão, o Código Civil italiano prevê expressamente a norma de mitigação em conjunto com a culpa concorrente. Com efeito, assim dispõe esse diploma:

Art. 1.227. Concurso de fato culposo do credor

Se o fato culposo do credor tiver concorrido para causar o dano, o ressarcimento é reduzido de acordo com a gravidade da culpa e a magnitude das conseqüências daí derivadas.

180

Cf. TREITEL. Remedies... op. cit. p. 77.

181

Cf. ENNECCERUS, KIPP, WOLFF. Tratado... op. cit. p. 88. TREITEL. Remedies... op. cit. p. 78.

182

O ressarcimento não é devido pelos danos que o credor teria podido evitar usando ordinária diligência (2.056 e seguintes).183

Apesar de a evitabilidade estar prevista em um artigo cujo título indica que trataria da matéria de culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência italianas firmaram entendimento de que esse artigo trata de duas hipóteses diferentes. No primeiro parágrafo, cuida propriamente da culpa concorrente, em que o ato culposo do credor intervém para a produção do evento danoso. Nesse caso, o juiz terá discricionariedade para fixar o valor da indenização tendo em vista o grau relativo de culpa das partes e o papel que o ato de cada uma delas teve na causação do dano184.

A hipótese prevista no parágrafo segundo “pressupõe que o comportamento do autor tenha sido a única causa eficiente do referido evento, e se refere às consequências posteriores que, devido à falta de ordinária diligência da parte do credor prejudicado, agravaram o dano.”185 Portanto, reconhece-se haver diferenças entre as duas normas previstas no art. 1.227. Na primeira delas, há mais de uma causa para a ocorrência do evento danoso. Na segunda, que trata realmente da minimização dos danos, há apenas uma causa para o evento danoso. Entretanto, entende-se que a falta de uso da ordinária diligência do credor para evitar danos interrompe o nexo de causalidade com relação aos danos que poderiam ter sido evitados186. Desta forma, a lei atribui uma consequência para essa segunda hipótese que é diferente daquela prevista para a primeira: o credor não poderá ser indenizado pelos danos que poderia ter evitado187.

Nesse ponto, portanto, o direito italiano se distancia do alemão. O primeiro impede que o credor recupere danos evitáveis, enquanto o segundo remete o problema da

evitabilidade ao mesmo tratamento dado à culpa concorrente, ou seja, à avaliação

discricionária do juiz com relação à contribuição dos atos de cada parte para a causação dos danos.

183

Traduzido do original em italiano obtido em http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm. Acesso em 18/07/2010.

184

Cf. DISTASO, Nicola. Le Obbligazioni in generale. Torino: Unione tipografico-editrice torinese, 1970. p. 444.

185

Idem.

186

Cf. DISTASO. Le Obbligazioni... op. cit. p. 444. GALGANO, Francesco. Diritto privato. 14. ed. Padova: Cedam, 2008. p. 214.

187

A jurisprudência italiana tem entendido a norma de mitigação de forma bastante estreita ao interpretar o que seria a diligência ordinária do credor. Este não é obrigado a evitar os danos se, para tanto, precisar incorrer em medidas muito onerosas ou arriscadas188. Igualmente, não se exige que realize a prestação no lugar do devedor faltoso, renuncie a um direito ao qual faz jus, tenha os bens consertados por terceiros, na hipótese de entrega de bens defeituosos pelo devedor, ou que inicie uma ação judicial189. A verificação da “diligência ordinária” equivale ao critério de “razoabilidade” das medidas de mitigação da common law, embora nesse sistema se considere esforços razoáveis o que a jurisprudência italiana consideraria além da diligência ordinária do credor.

No entanto, se a parte prejudicada emprega sua diligência para evitar ou reduzir os danos e a adoção de medidas implica despesas, essas deverão ser indenizadas pelo inadimplente, conforme orientação jurisprudencial190.

Não há, no direito italiano, uma norma geral acerca da obrigação ou faculdade do credor em realizar uma operação substitutiva à prestação inadimplida pelo credor. Para os contratos de compra e venda, entretanto, o Código Civil assim dispõe:

Art. 1.515. Execução coativa por descumprimento do comprador

Se o comprador não cumpre a obrigação de pagar o preço (1.498), o vendedor pode fazer vender, sem atraso, a coisa por conta e à custa dele.

A venda é feita por leilão por meio de uma pessoa autorizada a tais atos ou, na falta dessa no lugar em que a venda deve ser realizada, por meio de um oficial judiciário. O vendedor deve dar tempestiva notícia ao comprador do dia, lugar e hora em que a venda será feita.

Se a coisa tem um preço corrente, estabelecido por ato da autoridade pública (ou padrões corporativos) ou demonstrado por listagens da bolsa ou de mercado, a venda pode ser feita sem o leilão, ao preço corrente, por meio das pessoas indicadas no parágrafo precedente ou por um comissário nomeado pelo tribunal. Em tal caso, o vendedor deve dar ao comprador pronta notícia da venda.

O vendedor tem direito à diferença entre o preço convencionado e o produto líquido da venda, além do ressarcimento de danos superiores (1.536, 1.551, 1.686).

Art. 1.516. Execução coativa por inadimplemento do vendedor

188

Cf. ANTONIOLLI, Luisa, VENEZIANO, Anna (ed.). Principles of European Contract Law and Italian law. Haia: Kluwer Law International, 2005. p. 457. As autoras citam as seguintes decisões: Cass. 14 Jan. 1992 no. 320, Giur. It., 1993, I, 1, 156; Cass. 29 Sep. 1999 no. 10763, Giust. Civ. Mass. 19999; Cass. 6 Jul. 2002 no. 9850, Giust. Civ. Mass. 2002.

189

Idem. Segundo as autoras, as razões acima foram utilizadas para se negar a aplicação da limitação de evitabilidade, respectivamente, nas seguintes decisões: Cass. 5 Dec. 1997 no. 12347, Giust. Civ. Mass. 1997; Cass. 6 Apr. 1971 no. 1008, Rep. Gen. Giur. It. 1971; Cass. 18 Sep. 1980 no 5303, Giust. Civ. Mass. 1980; Cass. 31 Jul. 2002 no. 11364, Giust. Civ. Mass. 2002.

190

Se a venda tem por objeto coisas fungíveis que têm um preço corrente de acordo com o disposto no terceiro parágrafo do artigo anterior, e o vendedor não cumpre sua obrigação (1.476), o comprador pode, sem atraso, comprar as coisas às custas do vendedor, por meio de uma das pessoas indicadas no segundo e terceiro parágrafos do artigo precedente. O comprador deve dar pronta notícia da aquisição ao vendedor.

O comprador tem direito à diferença entre o montante das despesas relativas à compra e ao preço acordado, além do ressarcimento de danos superiores (1.223, 1.536, 1.551).191

Na compra e venda, portanto, existe a possibilidade de realização de operação substitutiva pelo comprador ou pelo vendedor, dependendo de quem for a parte prejudicada pelo inadimplemento. Essa norma é entendida como facultativa, isto é, o credor prejudicado não está obrigado a realizar a operação substitutiva na forma dos artigos 1.515 e 1.516. Caso opte por realizá-las, as perdas e danos serão apuradas na forma prevista nesses dispositivos, ou seja, pela diferença entre o valor contratual e aquele obtido com a operação substitutiva. Se preferir não proceder da forma dos citados dispositivos legais, o credor inadimplente ainda assim terá direito às perdas e danos, mas essas deverão apuradas de acordo com as regras gerais, previstas no artigo 1.223 (danos emergentes e lucros cessantes) ou conforme o artigo 1.518 se o contrato se enquadrar nos requisitos ali previstos (que serão abordados a seguir)192.

O artigo 1.515 apenas se aplica se o vendedor já tiver transferido a propriedade dos bens para o comprador. Se o vendedor ainda detiver a propriedade sobre eles, poderá vendê- los livremente sem ter que seguir as formalidades do referido dispositivo193. Esses artigos têm escopo bastante reduzido, aplicando-se a poucas hipóteses: se o vendedor é a parte prejudicada, não deverá ter a propriedade dos bens; se o comprador é a parte prejudicada, os bens devem ser fungíveis e com preço oficial, de bolsa ou de mercado. Além disso, tais dispositivos cercam a realização da operação substitutiva de tantos requisitos e formalidades que são raramente aplicados194.

No entanto, mesmo que a realização de uma operação substitutiva não seja obrigatória, caso ela seja realizada, os lucros obtidos deverão reduzir a indenização a que o credor faz jus. Como regra geral, todas as vantagens obtidas, que não poderiam ser auferidas sem o

191

Traduzido do original em italiano obtido em http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm. Acesso em 18/07/2010.

192

Cf. ANTONIOLLI, VENEZIANO. Principle... op. cit. p. 460.

193

Cf. ANTONIOLLI, VENEZIANO. Principle... op. cit. p. 461.

194

inadimplemento, devem ser levadas em conta no momento de fixar o dano, em aplicação do princípio compensatio lucri cum damno195.

Por fim, cabe abordar a questão acerca do critério abstrato de apuração dos danos. Ou seja, embora não seja obrigado a fazer a operação substitutiva, caso o credor não a efetue, cogita-se se a indenização será apurada como se essa tivesse sido realizada, pela diferença entre o valor contratual e aquele que seria obtido em uma operação substitutiva hipotética. Em uma hipótese, o Código Civil determina a aplicação do critério abstrato:

Art. 1.518. Critérios para determinação do ressarcimento

Se a venda tem por objeto uma coisa que tem um preço corrente conforme o terceiro parágrafo do artigo 1.515, e o contrato se resolve por inadimplemento de uma das partes, o ressarcimento é constituído da diferença entre o preço convencionado e aquele corrente no lugar e no dia e que se deva fazer a entrega, salvo prova de um dano maior.196

Portanto, a quantificação abstrata das perdas e danos será feita se se tratar de um contrato de compra e venda e o inadimplemento tiver sido de entregar ou receber um produto que tenha “preço corrente, estabelecido por ato da autoridade pública (ou padrões corporativos) ou demonstrado por listagens da bolsa ou de mercado”. Nesse caso, se a parte prejudicada não realizou a operação substitutiva, a determinação das perdas e danos será feita pela diferença entre o valor oficial, de bolsa ou mercado e o preço contratual, ou seja, por uma operação substitutiva hipotética no mercado.

Esse regime de apuração dos danos tende a favorecer a parte prejudicada pelo inadimplemento, pois possibilita o ressarcimento sem que esse tenha que demonstrar prejuízo efetivo. Além disso, o artigo 1.518 deixa aberta a possibilidade de que a parte prejudicada demonstre ter incorrido em danos maiores em razão do inadimplemento e seja indenizada de tais prejuízos. A jurisprudência, entretanto, diverge sobre a possibilidade de o devedor inadimplente demonstrar que o credor teve prejuízos menores que aqueles apurados pelo critério abstrato197.

195

LONGO, Giannetto. Diritto delle obbligazioni. Torino: Unione tipografico-editrice torinese, 1950. p. 348.

196

Traduzido do original em italiano obtido em http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm. Acesso em 18/07/2010.

197

Esse artigo tem sido interpretado restritivamente. Portanto, não se aplica a contratos que não se enquadrem perfeitamente na fattispecie ali prevista198. Para os casos não tratados pelo artigo 1.518, o problema tem que ser analisado sob a ótica do artigo 1.227. Ou seja, deve-se avaliar, caso a caso, se a realização da operação substitutiva é algo esperado daquele credor no uso de sua diligência ordinária. Assim, encontram-se decisões que afirmam que o credor deveria ter realizado a operação substitutiva para evitar danos, negando ressarcimento àqueles que poderiam ter sido evitados, e outras que concluem que realizar a operação substitutiva estava além da diligência ordinária, concedendo ressarcimento de todos os danos causados199.