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Os efeitos do dever de mitigar sobre o inadimplemento eficiente

Como visto acima, a adoção do dever de mitigar contribui para reduzir os custos com o inadimplemento para o devedor e para a sociedade em geral, aumentando a eficiência do inadimplemento. Decorrem daí três efeitos: inadimplementos que eram eficientes se tornam mais eficientes, inadimplementos que eram ineficientes passam a ser eficientes e, como decorrência desses, o devedor terá mais incentivos para inadimplir o contrato.

391

Cf. MACINTOSH, FRYDENLUND. An investment... op. cit. p. 146.

392

Para verificar esses efeitos, pode-se utilizar novamente o exemplo do compressor. Rememorando seus dados, quando o contrato foi feito, o vendedor esperava conseguir o compressor no mercado ao preço de $14.000. O preço fixado no contrato foi de $15.000 e o comprador atribui ao compressor esse mesmo valor. Devido a uma greve no fabricante, o preço do compressor para aquisição pelo vendedor seria de $20.000, mas é possível adaptar- se o projeto de refrigeração do comprador por $1.000 para instalar um compressor que custa $16.000. Deve-se agregar que, se o vendedor não cumprir o contrato, haverá atrasos na obra que causarão danos de $30.000. Os ganhos e perdas entre as opções de cumprir o contrato, descumprir sem dever de mitigar e descumprir com dever de mitigar são os seguintes393:

Vendedor Cumprir Descumprir, sem existir dever de mitigar Descumprir, existindo dever de mitigar Mitigar -$2.000 -$2.000 -$2.000 $0 $0 $0 -$2.000 -$2.000 -$2.000 Comprador Não mitigar -$5.000 -$35.000 -$2.000 $0 $0 -$33.000 -$5.000 -$35.000 -$35.000

Essa ilustração demonstra que, na ausência do dever de mitigar, o vendedor terá significativo incentivo para cumprir o contrato. Embora não saiba se o vendedor irá ou não mitigar voluntariamente, adimplir o contrato é a melhor opção para o vendedor em qualquer dos casos. Se o comprador efetivamente mitigar, o cumprimento ou descumprimento pelo vendedor acarretará para ele o mesmo prejuízo de $2.000. Por outro lado, se o comprador não mitigar, o vendedor terá que suportar um prejuízo de $5.000 se cumprir ou uma indenização de $35.000 se não cumprir (custo do atraso e diferença de preço do compressor no mercado e no contrato). Como o vendedor sabe que, na ausência da norma de evitabilidade, o comprador não tem nenhum estímulo para minimizar os danos, ele provavelmente preferirá cumprir o contrato.

No entanto, se se compara a opção entre cumprir ou não o contrato, existindo a norma de evitabilidade, o vendedor provavelmente decidirá pelo inadimplemento. Se descumprir o contrato, estará sujeito a um prejuízo de $2.000, independentemente da decisão do comprador de mitigar ou não. Por outro lado, se resolve cumprir sua obrigação, pode ser que suporte um

393

A análise aqui se faz sob a forma de um jogo sequencial, uma vez que o vendedor primeiro decide se cumpre ou descumpre, para depois o comprador decidir se mitiga ou não os danos. Cf. PINHEIRO, SADDI. Direito... op. cit. p. 160.

prejuízo de $2.000 se o comprador agir de forma colaborativa ou de $5.000 se o comprador resolver não agir para minimizar os prejuízos.

Portanto, existem situações, como a dessa ilustração, em que um inadimplemento somente é eficiente porque existe o dever de mitigar. Por isso que Scalise Júnior anotou:

Então, quanto mais limitações institucionais à indenização [existirem] em um sistema jurídico, maior [será] a probabilidade de que o lucro excederá a indenização e um inadimplemento será eficiente.394

Mesmo naquelas hipóteses em que o inadimplemento é eficiente independentemente do dever de mitigar, a previsão da limitação de evitabilidade aumenta os ganhos do inadimplemento para o devedor e a eficiência do inadimplemento. Assim, o devedor terá mais estímulos para descumprir o contrato.

Estritamente sob a perspectiva da análise econômica do direito, esse é um efeito positivo. O dever de mitigar aumentaria a eficiência geral nas contratações de duas formas: por aumentar o número de operações em que o inadimplemento é eficiente e por majorar a eficiência em cada descumprimento. O resultado geral é o aumento das riquezas disponíveis na sociedade ou o “aumento da torta”, como diria Polinsky395.

Esse efeito pode, entretanto, colidir com outros valores. Fomentar o inadimplemento pode ser visto como uma injustiça ao credor, uma vez que frustra seu interesse subjetivo na prestação, que não é reparado pelas perdas e danos396. Pode ainda ser vista como um atentado ao princípio do pacta sunt servanda, um enfraquecimento da palavra dada397. No entanto, a proteção a tais valores podem ser ponderados pela correta inserção do mecanismo em determinado ordenamento jurídico de forma a, por exemplo, não prescindir da execução específica da obrigação inadimplida, quando essa for indicada, mas exigir do credor que minimize os prejuízos que poderia vir a sofrer, seja o descumprimento remediado via indenização por perdas e danos ou via execução in natura. Passar-se-á a tratar nos capítulos seguintes dessa adequada inserção do dever de mitigar no ordenamento brasileiro – a fim de aproveitar todos os benefícios gerados por ele, conforme visto acima, sem violar princípios caros à tradição jurídica nacional.

394

SCALISE JR. Why no... op. cit. p. 738.

395

POLINSKY. An introduction... op. cit. p. 7.

396

Cf. FRIEDMANN. Economic... op. cit. p. 68-71.

397

IV – FUNDAMENTO DA MITIGAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO A lei não contém todo o direito.398

It has rightly been pointed out that the rules on mitigation reflect a requirement of good faith.399

4.1 Introdução

No capítulo II, cuidou-se de demonstrar que a norma de mitigação encontra aceitação em inúmeros ordenamentos jurídicos ocidentais, tanto de tradição de common law, quanto de

civil law. Nos primeiros, a doutrina da evitabilidade desenvolveu-se a partir de casos

concretos levados ao Poder Judiciário, sem prévio fundamento em algum princípio ou valor específico do próprio ordenamento jurídico, mas como fixação das regras relativas à mensuração da indenização a que faria jus o credor400. A adoção da regra de mitigação teve como alicerce a consideração pelos Tribunais de qual seria a conduta que poderia se esperar do credor e qual formaria o direito contratual de forma mais justa e que evitasse o desperdício de recursos no tráfego negocial. Pensou-se qual seria a melhor policy a ser adotada, em raciocínio típico nas decisões inglesas e norte-americanas.

Como visto no item 2.2 acima e seus sub-itens, nos países de tradição romano- germânica, os autores buscaram explicações para a norma de mitigação, mesmo quando havia dispositivo de lei expresso que a contemplasse. As possibilidades aventadas como fundamentos foram: imprevisibilidade dos danos, ausência de causalidade, dano indireto, a culpa concorrente, o fato ou culpa do credor, a violação ao dever de boa-fé, abuso do direito e

venire contra factum proprium.

Além disso, concluiu-se no Capítulo III que a regra de mitigação é geradora de eficiência nas relações contratuais, evitando o desperdício de recursos econômicos e fomentando a cooperação e a negociação entre as partes.

398

ANDRADE, Darcy Bessone de Oliveira. Aspectos da evolução da teoria dos contratos. São Paulo: Saraiva, 1949. p. 117.

399

FRIEDMAN, Daniel. Good faith and remedies for breach of contract. In: BEATSON, Jack, FRIEDMAN, Daniel. Good faith and fault in contract law. Oxford: Clarendon, 2001. p. 408.

400

Apesar da adoção da mitigação dos danos em ordenamentos jurídicos estrangeiros e em instrumentos internacionais, o Código Civil brasileiro de 2002 não trouxe dispositivo expresso que tratasse de tal regra com caráter de generalidade401. No que se refere à apuração do quantum da indenização apenas consagrou a reparabilidade do dano moral, já amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, e criou a possibilidade de redução da indenização pela desproporção com o grau de culpa do agente, afastando-se da concepção tradicional do direito civil de que a indenização tem por objetivo reparar o dano e não punir o agente por sua culpa. Da mesma forma, não é possível identificar a norma de evitabilidade em outros dispositivos normativos nacionais.

Diante dessa constatação, cabe indagar se a regra de mitigação está presente no ordenamento jurídico brasileiro de forma implícita, podendo ser deduzida a partir de outras normas ou princípios. Enfim, se, com base no direito posto, está o credor adstrito a diminuir os danos decorrentes do inadimplemento que possam ser razoavelmente reduzidos. Ou se, ao contrário, essa norma não existe no direito brasileiro implicitamente, de forma que apenas caberia a sugestão de sua adoção de lege ferenda, tendo em vista ampla aceitação do instituto no direito comparado e sua comprovada conveniência para um direito contratual mais eficiente.

Na bibliografia nacional, Véra Maria Jacob de Fradera foi pioneira ao tratar do assunto em artigo de 2004. Concluiu a autora que a norma de mitigação decorre do princípio da boa- fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil vigente e presente de forma implícita no direito anterior, e do dever anexo de cooperação que esta impõe aos contratantes. Assim afirmou:

Isto posto, surge a indagação: seria possível o direito privado nacional recepcionar o conceito do duty to mitigate loss em matéria contratual?

Acreditamos ser possível esta recepção. (...)

No sistema do Código Civil de 2002, o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever acessório, derivado do princípio da boa fé objetiva, pois nosso legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Código, adota uma concepção cooperativa do contrato. Aliás, no dizer de Clóvis do Couto e Silva, todos os deveres anexos podem ser considerados como deveres de cooperação. (...)

401

Há, entretanto, previsão da norma de mitigação para os contratos de seguro no Código Civil, in verbis: Art. 771. Sob pena de perder o direito à indenização, o segurado participará o sinistro ao segurador, logo que o saiba, e tomará as providências imediatas para minorar-lhe as consequências.

Parágrafo único. Correm à conta do segurador, até o limite fixado no contrato, as despesas de salvamento consequente ao sinistro.

Outro aspecto a ser destacado é o da positivação do princípio da boa fé objetiva, no novo diploma civil, abrindo, então, inúmeras possibilidades ao alargamento das obrigações e/ou incumbências das partes, no caso, as do credor.402 Com base em tal conclusão, Fradera propôs que a III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal adotasse um enunciado que preveria a mitigação dos danos como consequência do artigo 422403. Com modificações em sua redação, a proposta foi aprovada da seguinte forma:

Enunciado n° 169 – Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.

É louvável a iniciativa da doutrina brasileira, representada por Fradera e pelos juristas presentes à III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ao revelar a norma da mitigação presente na cláusula geral da boa-fé.

No presente trabalho, concluiu-se igualmente que, de lege lata, o direito brasileiro impõe ao credor o ônus de impedir que ocorram danos razoavelmente evitáveis, sob pena de não ser indenizado por eles, com fundamento na boa-fé objetiva e no abuso do direito, conforme se passará a demonstrar. Em seguida, serão descartados outros princípios e normas que a doutrina e jurisprudência estrangeiras aventaram como seu fundamento, terminando-se por verificar que o princípio da reparação integral dos danos e a livre escolha do credor das sanções não são óbices suficientes à adoção da regra de evitabilidade.