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Mitigação pela aceitação de novo contrato com o próprio inadimplente

2.1 A norma de mitigação nos países da common law

2.1.4 Os pressupostos para aplicação da doutrina dos danos evitáveis no seu aspecto

2.1.4.5 Mitigação pela aceitação de novo contrato com o próprio inadimplente

Questão interessante reside em saber se o credor deve aceitar nova proposta do próprio devedor inadimplente para evitar a causação de prejuízos maiores. Conforme visto acima, uma das formas de mitigar os danos é realizar uma operação substitutiva com um terceiro. No entanto, se o próprio devedor oferece um novo contrato que se mostra como a melhor forma de minimizar as perdas, terá o credor que lidar com ele para atender aos requisitos da doutrina da evitabilidade?

Os Tribunais de common law não têm respostas idênticas a esse problema. Em algumas situações, determinam que o credor deveria ter aceito a proposta do devedor para mitigar os danos. Em outras, afirmam que não é razoável exigir-se que o credor tenha que se submeter novamente a um devedor que já está inadimplente. Como asseverou McCormick, há uma tensão entre realismo econômico e emoção:

Considerações de realismo econômico nos fariam dizer ao requerente que ele deve fazer até mesmo isso [negociar com o inadimplente] para minimizar sua perda, mas as reações emocionais “de sangue quente” nos levam à visão de que o requerente não precisa se humilhar, chegando a novos termos com alguém que acabou de violar seus deveres com o requerente. Esse conflito entre realismo e emoção é refletido nas decisões, que chegam a resultados variados nas diferentes situações em que o problema se apresenta.120

Novamente se impõe uma análise das circunstâncias de cada caso para avaliar a razoabilidade da conduta do credor. Alguns Juízes aplicam precedentes de casos considerados

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Idem. A título exemplificativo, se uma pessoa contrata em Belo Horizonte os serviços de reparo de um aparelho de televisão e o prestador de serviços descumpre o acordado, não é razoável supor que o contratante deverá procurar substituição em São Paulo. Se não há outros prestadores disponíveis em Belo Horizonte, a mitigação será impossível. Por outro lado, se uma usina siderúrgica sediada na Europa compra minério de ferro de uma mineradora brasileira e esta não entrega, é razoável esperar que a compradora realize a operação substitutiva por meio de compra no mercado australiano.

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semelhantes para limitar ou não o direito do credor à indenização nessas situações, enquanto outros deixam à avaliação do Júri a determinação da razoabilidade da conduta do credor121.

Hillman lista as quatro razões mais frequentes para que os Tribunais considerem que o credor agiu de acordo com a norma de mitigação apesar de ter negado uma proposta feita pelo próprio devedor inadimplente que minimizaria os riscos122.

A primeira delas reside no fato de o contrato ser de natureza bastante pessoal e a submissão à nova proposta do inadimplente significar humilhação para o credor. Essa razão se aplica sobretudo a contratos de emprego, quando a demissão ocorreu de forma tal que voltar ao trabalho para aquele empregador significaria reatar relações pessoais desagradáveis ou aviltamento da posição do empregado. Da mesma forma, não se espera que o empregado demitido aceite a nova proposta de emprego daquele que o demitiu indevidamente se essa implica perda de status ou benefícios123.

Esse motivo pode ser aplicado também à análise do problema em outros tipos de contratos que tenham natureza pessoal e envolvam maior proximidade entre o credor prejudicado e o inadimplente, como, por exemplo, contrato para treinamento de um atleta, para consultoria com grande dedicação pessoal ou para agenciamento de um artista.

A segunda razão apontada por Hillman para que as Cortes neguem aplicação à limitação de evitabilidade ocorre quando a proposta feita pelo inadimplente inclui novos termos ou modificações do contrato original em detrimento do credor prejudicado124. Não há, entretanto, consenso nessa matéria.

Se o inadimplente faz oferta para cumprir a obrigação nos mesmos termos do contrato original, em geral, espera-se que o credor aceite. Essa nova oferta, na verdade, corresponderá a sanar o inadimplemento e o credor poderá, posteriormente, ajuizar ação contra o devedor pelos prejuízos decorrentes do atraso em cumprir. No entanto, o cumprimento pelo próprio devedor, sem alteração do contrato original, será a melhor forma de mitigar os danos do que um terceiro que levaria o mesmo ou mais tempo e, ainda, poderia cobrar um preço maior pela

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Cf. CORBIN, PERILLO. Corbin on... op. cit. p. 343-344.

122

Cf. HILLMAN. Keeping... op. cit. p. 569-570.

123

Cf. HILLMAN. Keeping... op. cit. p. 569. CORBIN, PERILLO. Corbin on... op. cit. p. 347.

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prestação125. Mas, se o inadimplemento é tal que gere no credor um fundado receio de que o devedor não cumprirá novamente, poderá recusar a oferta (esse é o quarto motivo referido por Hillman e será visto a seguir).

Se o devedor inadimplente faz uma nova exigência para cumprir o contrato, ou seja, nova proposta menos favorável ao credor do que o original, tanto a recusa da proposta como sua aceitação podem ser consideradas medidas razoáveis, dependendo da razoabilidade da proposta feita em vista dos danos que pode evitar. O caso de um viticultor da California é referido por praticamente todos que tratam dessa matéria. O viticultor contratou o fornecimento de água junto a uma empresa de irrigação por $58, que deveriam ser pagos em 1° de setembro. A empresa, entretanto, requereu o pagamento antecipado em duas prestações iguais, vencendo-se em 1° de fevereiro e 1° de julho, justificando sua solicitação em uma regra da autoridade regulatória. O viticultor recusou essa demanda, a empresa cortou a água e toda a safra foi perdida, resultando em prejuízos de milhares de dólares. A Corte considerou que o custo da mitigação seria apenas de $1,53, representado pelos juros devidos pelo adiantamento do pagamento, e que tal valor seria insignificante diante do que poderia ter sido evitado. Negou, assim, a idenização pelos prejuízos com a perda da safra. Restou anotado na decisão:

Quando existe diferenças inconseqüentes de tal monta entre as partes, o direito espera que aquela que tem mais interesses em jogo ceda para economizar danos e custos excessivos. (...) O requerente pode ficar orgulhoso por sua firmeza em insistir no que considerava ser seu direito e faz jus a toda satisfação que isso possa trazer a ele, mas a ordem jurídica não permite que tal orgulho impeça o pagamento, embora indevido, de menos de $2 para economizar a perda de, possivelmente, milhares de dólares.126

No mesmo sentido, quando a parte havia contratado a venda de bens a prazo e descumpre o contrato, considera-se razoável que o comprador aceite proposta desse mesmo vendedor para entregar as mercadorias com pagamento à vista, desde que o comprador disponha dos recursos ou possa obtê-los sem maiores dificuldades127. Mas, se se tratava de uma venda com pagamento em várias prestações em prazo médio ou longo, a demanda do

125

Cf. Idem.

126

Severini v. Sutter-Butte Canal Co., 59 Cal. App. 154, 210 P. 49 (1922). Citado por McCORMICK. Handbook... op. cit. p. 144.

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vendedor de receber todo o preço à vista é considerada uma alteração significativa do contrato, não sendo esperado que o comprador a aceite para minimizar os danos128.

Embora haja certa hesitação nessa matéria, é possível concluir que a avaliação sobre a razoabilidade da conduta a ser tomada pelo credor diante de uma nova proposta do devedor inadimplente depende de vários fatores: as circunstâncias do inadimplemento (se este tem alguma justificativa fática, embora não jurídica, ou se representa apenas o interesse do devedor de se enriquecer indevidamente), se a nova proposta feita pelo devedor inadimplente representa uma alteração substancial do contrato original e se o custo da nova proposta é representativo com relação ao dano a ser evitado129. O vendedor que descumpre o contrato de vender um tipo de melaço a 4,75 cents por galão não prevalece em seu pedido de limitar a indenização a que o comprador faz jus porque ofereceu entregar outro tipo de melaço a 6,5 cents, pois o credor prejudicado não precisa passar por nova experiência com um fornecedor desacreditado130.

O fato de a nova proposta do devedor inadimplente estar condicionada à renúncia dos direitos que tenha no âmbito do contrato original é a terceira justificativa identificada por Hillman para que o credor possa recusar a proposta do inadimplente131. Há consenso na jurisprudência quanto a esse aspecto, pois não se considera esforço razoável a desistência pelo credor de direitos seus para efetuar a minimização dos danos.

O quarto e último motivo identificado por Hillman na jurisprudência consiste na perda de credibilidade do devedor inadimplente. Quando o inadimplemento do contrato é substancial, o credor não precisa mais levar em conta novas propostas feitas pelo devedor como forma de mitigar as perdas e danos. Considera-se que o inadimplente não é confiável e que o credor pode se negar a contratar com ele novamente pois tem a legítima expectativa que qualquer novo contrato também não será cumprido132.

128

Cf. McCORMICK. Handbook... op. cit. p. 145.

129

Cf. HILLMAN. Keeping... op. cit. p. 598.

130

Cf. CORBIN, PERILLO. Corbin on... op. cit. p. 345.

131

Cf. HILLMAN. Keeping... op. cit. p. 569-570.

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