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Conforme visto no item 2.1.2 acima, encontram-se, entre os autores dos países de

common law, várias críticas à expressão “dever de mitigar”. Segundo tais doutrinadores, a

norma de mitigação não impõe um verdadeiro dever, pois o devedor não dispõe de mecanismo para impor que o credor adote mecanismos razoáveis para evitar os prejuízos. A conduta do credor não é, portanto, exigível como ocorreria com um dever. Se o credor não adota a conduta conforme a norma de mitigação, a consequência será a impossibilidade de ser indenizado pelos danos que poderiam ter sido evitados. Por isso, a doutrina prefere atribuir à norma de mitigação o caráter de limitação à reparação das perdas e danos suportadas pelo credor, ao lado da imprevisibilidade e incerteza. Essa foi a abordagem adotada no

Restatement (Second) of Contracts571. Ademais, restou anteriormente consignado, no item 2.2.1, que Enneccerus já anotava que o credor que não age conforme a norma de mitigação não descumpre um dever, em seu significado tecnicamente correto572.

Com efeito, a crítica procede. A norma de mitigação não gera para o credor um dever no sentido próprio do termo, no qual vem geralmente atrelado à noção de direito subjetivo da outra parte573. O titular do direito subjetivo – sujeito ativo da relação jurídica – tem a faculdade de exigir o cumprimento do dever jurídico que consistirá em uma prestação do sujeito passivo574. Manuel Domingues de Andrade assim definiu o dever jurídico:

570

ASCENSÃO. A desconstrução... op. cit. p. 43.

571

Cf. FARNSWORTH. Legal... op. cit. p. 1184. FARNSWORTH. Farnsworth on... op. cit. p. 231. ANSON. Anson’s law... op. cit. p. 615. WILLISTON, LORD. A treatise... op. cit. p. 191-193. CORBIN, PERILLO. Corbin on... op. cit. p. 303. GOETZ, SCOTT. The mitigation... op. cit. p. 967.

572

Cf. ENNECCERUS, KIPP, WOLFF. Tratado... op. cit. p. 79-80.

573

Cf. VON TUHR, Andreas. Derecho civil: teoria general del derecho civil aleman. Buenos Aires: Depalma, 1946. p. 119.

574

No dever jurídico – que corresponde aos direitos subjectivos própriamente ditos – o direito objectivo ordena ao respectivo sujeito (obrigado) que observe um dado comportamento positivo ou negativo (fazer ou deixar de fazer alguma coisa). Se o sujeito do dever procede diversamente, violando essa norma, o direito objectivo autoriza o titular do direito subjectivo a pedir e obter que sejam adoptadas contra aquele – quando não na sua pessoa, pelo menos no seu património – determinadas providências coactivas, tendentes a dar realização efectiva ao seu interesse, ou então que lhe sejam aplicadas sanções de outro gênero.575

Da mesma forma, Claude Witz identifica que estão presentes na relação jurídica o direito subjetivo e o dever jurídico, sendo que o segundo está necessariamente associado ao primeiro576. Como correspectivo ao direito subjetivo, o autor usa a expressão obligation em francês ou Pflichten em alemão. Anota, entretanto, ser possível que o dever surja dissociado do direito subjetivo, em geral quando a norma impõe um dever de interesse geral. Nesses casos, atribuirá uma sanção de direito administrativo ou de direito penal577.

Por fim, cabe mencionar a lição de Mário Júlio de Almeida Costa:

O dever jurídico, que representa o correlato dos direitos subjectivos propriamente ditos, consiste na necessidade de observância de determinada conduta, imposta pela ordem jurídica a uma ou a diversas pessoas para tutela do interesse de outrem e cujo cumprimento se garante através dos meios coercitivos adequados. Cabem aqui os exemplos, antes mencionados, de o comprador se encontrar adstrito ao pagamento do preço e de as pessoas estarem vinculadas ao respeito da propriedade alheia. Só que, na primeira dessas hipóteses, se alude a um dever jurídico especial ou particular, enquanto, na segunda, se trata de um dever geral ou universal.578

Na norma de mitigação não se configura um dever jurídico na forma vista acima. No caso típico de inadimplemento, o devedor descumpre sua obrigação, daí decorrendo, de acordo com a cadeia normal de causalidade, danos para o credor. A ordem jurídica irá, então, atribuir ao devedor a obrigação de indenizar os prejuízos sofridos pelo credor, se estiverem presentes os pressupostos do dever de reparação579. Portanto, os prejuízos que serão evitados ou incorridos, conforme o credor aja de acordo com a norma de mitigação ou não, terão repercussão, inicialmente, sobre o patrimônio do próprio credor.

575

ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria geral da relação jurídica. Lisboa: Almedina, 1992. p. 16-17.

576

Cf. WITZ, Claude. Droit Privé Allemand: 1. Actes juridiques, droit subjectifs. Paris: Litec, 1992. p. 454.

577

Cf. WITZ. Droit... op. cit. p. 455.

578

COSTA. Direito... op. cit. p. 56.

579

Dentre os quais a culpa lato sensu, presumida ou não, na responsabilidade subjetiva ou os pressupostos de aplicação da responsabilidade objetiva.

Nesse contexto, não cabe ao devedor adotar medida para exigir que o credor aja para evitar um dano ao seu próprio patrimônio. O devedor não terá titularidade de qualquer mecanismo que possa promover a execução específica de um eventual dever de mitigar. O descumprimento de tal hipotético dever – ou seja, a falta de adoção de esforços razoáveis para minimizar os danos – irá afetar os bens e direitos do próprio credor. O devedor não sofre qualquer dano em seu próprio patrimônio se o credor não age conforme a norma de mitigação. Portanto, mesmo diante da ausência de mecanismo de execução específica, não poderá o devedor exigir do credor indenização por perdas e danos, pois efetivamente não sofreu nenhum prejuízo.

Em resumo, embora a norma de mitigação imponha ao credor a observância de uma conduta, o devedor não tem direito subjetivo a que o credor aja para minimizar os prejuízos. Não se pode dizer que a mitigação é uma prestação devida pelo credor ao devedor e, portanto, este não poderá demandar que o credor adote esforços razoáveis para reduzir os danos, seja por execução específica ou pelo sucedâneo de perdas e danos.

O que verdadeiramente se passa é que o credor, se não agir em observância à conduta prescrita pela norma de mitigação, não será indenizado pelos danos que poderiam ter sido evitados. O credor sofre, em seu patrimônio, prejuízos causados pelo inadimplemento com relação aos quais poderá obter, em princípio, reparação (desde que preenchidos os demais pressupostos para tanto). Todavia, poderá não ser indenizado pelos danos que poderiam ter sido evitados com esforços razoáveis. Portanto, o devedor não exigirá a observância do credor da conduta de minimização dos danos – como uma pessoa requer o cumprimento de um dever ao qual corresponde seu direito subjetivo. Será o credor que deixará de obter o direito à indenização, total ou parcialmente, se não tiver agido conforme determina a norma de mitigação.

Não gerando dever jurídico, a norma de mitigação representa para o credor um ônus, que Mário Júlio de Almeida Costa assim caracterizou:

Resta-nos aludir ao ónus jurídico, que se entende como a necessidade de se adoptar certa conduta para a obtenção ou conservação de uma vantagem própria. Já aqui se inferem os tópicos característicos desta figura: o acto a que o ónus se refere não é imposto como um dever; tutela-se um interesse do onerado – traduzido na consecução de uma vantagem nova ou em evitar-se a perda de uma vantagem que preexiste. Esta figura é frequente no processo civil, onde deparamos, desde logo, com os ónus de deduzir contestação e de impugnar. Também o direito civil substantivo consagra ónus jurídicos, de que se mostra exemplo típico a exigência de registro para

a oponibilidade de certos factos a terceiros, ou mesmo, excepcionalmente, para a sua eficácia entre as partes e até como requisito constitutivo.580

A norma de mitigação atua, portanto, como ônus jurídico imposto sobre o credor. Se age em conformidade com a norma, terá direito à reparação de todos os prejuízos sofridos. Se não agir, não verá surgir o direito à indenização pelos danos que poderiam ter sido evitados. O ônus impõe, assim, um requisito para que se constitua, em benefício do credor, o direito à indenização pelos danos decorrentes do inadimplemento.

Von Tuhr reconheceu que não se deve admitir a existência de um dever em situações semelhantes, em que a norma impõe uma condição para a aquisição ou perda de um direito ou exercício de uma faculdade581. No direito alemão, o ônus é chamado de Obliegenheiten, por oposição à Pflichten, como descreve Claude Witz:

O direito alemão conhece uma forma mais leve de obrigações, as

Obliegenheiten que se pode definir como sendo obrigações (Pflichten) de menor

intensidade. Enquanto o direito francês conhece apenas uma noção, aquela de obrigações, o direito alemão recorre aos dois conceitos de Obliegenheiten e de

Pflichten. Por oposição às Pflichten, as Obliegenheiten são insuscetíveis de execução

forçada e não podem gerar uma condenação a perdas e danos. Ao não as respeitar, os devedores perdem apenas uma vantagem jurídica; também se denomina igualmente as

Obliegenheiten de obrigações com relação a si mesmo (Pflichten gegen sich selbst).

(...) Uma parte da doutrina suíça utiliza o termo de incombance que igualmente adotaremos, pois transmite perfeitamente a noção de Obliegenheiten.582

Portanto, ônus, Obliegenheiten e incombance transmitem a mesma idéia de uma conduta a que está adstrita uma pessoa para conservar, extinguir ou fazer surgir um direito ou uma faculdade em seu próprio interesse. Ao não observar a conduta imposta pelo ônus, a pessoa onerada perde uma posição jurídica que seria a ela vantajosa ou se submete a uma situação desfavorável583.

580

COSTA. Direito... op. cit. p. 56-58.

581

Cf. VON TUHR. Derecho... op. cit. p. 127-128.

582

WITZ. Droit... op. cit. p. 456. Marcel Fontaine observa que a doutrina francesa não costuma trabalhar a categoria da incombance de forma separada da obligation. Da mesma forma, o Código Civil francês não se refere a incombance. No entanto, o autor nota que o Código contém mecanismos típicos de incombance, com relação aos quais a doutrina afirma não existir uma verdadeira obligation. Cf. FONTAINE, Marcel. Le droit des contrats à l’écoute du droit comparé. In: POULLET, Yves, WÉRY, Patrick, WYNANTS, Paul. Liber amicorum Michel Coipel. Bruxelas: Wolters Kluwer, 2004.

583

Cf. LUXEMBOURG, Fanny. La déchéance des droits: contribution à l’étude des sanctions civiles. Paris: Panthéon-Assas, 2007. p. 60.

Em estudo comparativo, Marcel Fontaine observou que a idéia de Obliegenheiten surgiu no direito alemão dos seguros, aplicada às exigências feitas de que o segurado declarasse fatores de risco na conclusão do contrato, que comunicasse sem atraso o sinistro e que minimizasse os danos. Tomando como exemplo esse último caso, observou que de nada adiantaria que o segurador ingressasse com alguma ação na justiça contra o segurado que não minimizou os danos. Mais eficaz seria simplesmente não conceder indenização pelos danos que poderia ter evitado584. Dentre as hipótese em que a incombance seria, de maneira geral, aplicável aos contratos, o autor lembra que “[a] ‘obrigação’ cada vez mais frequentemente reconhecida a cargo do credor de minimizar os danos, sob pena de não poder reclamar reparação do prejuízo que tinha podido evitar, revela igualmente a incombance.”585

No Brasil, o ônus é tratado sobretudo pela doutrina processualista, como destacou José de Oliveira Ascensão para a Enciclopédia Saraiva de Direito:

De todas as situações jurídicas preceptivas, o ônus é aquela sobre a qual menos se tem detido a atenção da doutrina. Foi descoberta pelos processualistas, e só muito renitentemente vai sendo introduzida na teoria geral.586

Com efeito os processualistas costumam cuidar da categoria587. Em linha com a doutrina estrangeira, José Frederico Marques assim distingue o ônus da obrigação:

O ônus é um imperativo em função do próprio interêsse daquele a quem é imposto. Descumprida a ordem legal contida num ônus, a conseqüência é um prejuízo para a pessoa que desatendeu ao preceito jurídico. (...)

O ônus não se confunde com a obrigação. Nesta, o mandamento legal é impôsto em função de um interêsse alheio, pelo que o obrigado não pode escolher entre cumprir ou não cumprir essa imposição.588

Por isso, o ônus é chamado de dever consigo mesmo, mas, como destaca Clóvis do Couto e Silva, o ônus não constitui dever “na sua verdadeira acepção”589. A norma de

584

Cf. FONTAINE. Le droit... op. cit. p. 305.

585

FONTAINE. Le droit... op. cit. p. 306.

586

ASCENSÃO, José de Oliveira. Ônus. In: FRANÇA, R. Limongi (coord.). Enciclopédia Saraiva do Direito. v. 56. São Paulo: Saraiva, 1981. p. 71.

587

Cf. SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 31. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. 1. 42. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 68. SILVA, Ovídio A. Baptista da, GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 270-271. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. t. 2. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

588

MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. v. 2. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Forense, 1963. p. 287-288

mitigação estrutura-se claramente como ônus, pois impõe que o credor adote uma certa conduta, e, se não agir em conformidade com a norma, ficará na situação mais desfavorável de não ser indenizado pelos danos evitáveis. Como destacou Corbin e Perillo, em trecho já anteriormente citado, “[a] recuperação [dos danos] contra o requerido será exatamente a mesma tenha o esforço sido feito, e a perda mitigada, ou não”590.

Deve-se recordar que, nos países de tradição de common law, a mitigação tem natureza geralmente identificada como limitação à reparação pelas perdas e danos. Ao se identificar a natureza da mitigação como norma que impõe um ônus, não se deve considerar como falsa a constatação de que representa uma limitação na apuração da indenização. Na verdade, a norma de mitigação impõe um ônus e implica uma limitação à reparação das perdas e danos. As duas noções não são excludentes; pelo contrário, completam-se.

Todavia, não é da tradição romano-germânica, em geral, e da cultura jurídica brasileira, em particular, promover o estudo das limitações à indenização de forma sistemática, como uma categoria da responsabilidade contratual ou extracontratual. Assim, identificar a natureza jurídica da mitigação apenas como uma limitação à indenização seria pouco revelador.

Ao reconhecer que a mitigação representa para o credor um ônus e não um dever, não se quer dizer que o ordenamento jurídico não imponha ao credor uma norma de conduta. Como destacou Fanny Luxembourg, “a incombance designa uma exigência de comportamento. Mas, evidentemente, nem toda exigência de comportamento constitui uma

incombance.”591 Há, sim, uma conduta esperada do credor e imposta como corolário da boa-fé

objetiva. O inadimplemento provoca, de acordo com sua cadeia de causalidade, danos ao credor. No entanto, a conduta socialmente esperada, correta, leal e honesta é que o credor aja de forma cooperativa e empregue medidas razoáveis para minimizar ou evitar os danos. Tal conduta se torna esperada em razão de a ordem jurídica determinar a observância à boa-fé objetiva. Portanto, o que se espera e se exige do credor é que rompa o nexo de causalidade, sempre que tal rompimento for possível pelo emprego de esforços razoáveis. De forma ainda mais clara, o ônus impõe que o credor não adicione elementos que sejam capazes de

589

COUTO E SILVA. A obrigação... op. cit. p. 98.

590

CORBIN, PERILLO. Corbin on... op. cit. p. 303.

591

incrementar os danos, possam eles ser considerados como causa de tais prejuízos adicionais ou não592.

Ao impor ao credor o ônus de empregar esforços razoáveis para minimizar os danos causados pelo inadimplemento, a boa-fé objetiva atua defensivamente, impedindo que o credor adquira o direito à indenização pelos danos que poderia ter evitado593. Na aplicação da norma de mitigação, a boa-fé não bloqueia apenas o exercício da pretensão pelo credor que não agiu adequadamente; impede o surgimento do próprio direito à reparação por aquela parcela do prejuízo. Com efeito, poder-se-ia pensar a norma de mitigação como exceção, que serviria apenas para bloquear a pretensão, embora de maneira peremptória ou definitiva594. Entretanto, essa idéia significaria reconhecer que o devedor inadimplente deve ao credor todo o montante dos prejuízos causados – os evitáveis e os inevitáveis – mas, se o credor pretendesse receber a reparação total, o devedor poderia opor a tal pretensão a exceção quanto aos danos evitáveis. O devedor deveria todo o prejuízo, mas parte dele não seria exigível. Na linguagem de Pontes de Miranda, a eficácia do direito do credor à indenização ficaria encoberta pela exceção de mitigação595.

No entanto, essa não parece ser a explicação adequada para o problema. A norma de mitigação impõe ao credor que adote a conduta considerada correta e leal diante de um inadimplemento. Se o credor permitiu que danos ocorressem, quando poderia tê-los evitado, o ordenamento jurídico imputa tais prejuízos ao próprio credor. Como os danos são sofridos, inicialmente, no próprio patrimônio do credor, essa imputação ao credor, na verdade, é feita pela consideração de que esses danos não são ressarcíveis pelo devedor. Em outros termos, pelo reconhecimento de que os danos evitáveis não são indenizáveis e deverão ser suportados unicamente pelo credor. Assim, o devedor sequer chega a dever a reparação de tais danos, não

592

Retomando dois exemplos citados acima. O ato do viticultor de utilizar o tanino sabidamente defeituoso na fabricação de seus vinhos pode ser considerado causa dos danos suportados junto a seus consumidores. A causa dos danos, portanto, seria um ato do viticultor e não o ato do fornecedor em entregar-lhe tanino defeituoso. No caso das janelas defeituosas, o proprietário da casa poderia mobiliar sua sala normalmente, mesmo sabendo do defeito nas janelas. Não se pode dizer que a perda dos móveis e obras de arte tem como causa o ato do dono de mobiliar. A causa continua sendo o defeito na janela. Mas o dono introduziu um elemento na cadeia de causalidade capaz de incrementar os prejuízos sofridos. Não observou, assim, a conduta imposta pela norma de mitigação.

593

Cf. COUTO E SILVA. O princípio... op. cit. p. 68.

594

Cf. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tradado de Direito Privado: Parte Geral. t. 6. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970. p. 14.

595

sendo assim cabível se falar em pretensão do credor em recebê-los596. A mitigação exerce um papel, portanto, na própria formação da relação jurídica de indenizar, equivalendo a uma impugnação na lição de Von Tuhr:

Junto com os direitos extintivos de que se falou mais acima – impugnação e compensação, especialmente – as exceções são parte dos direitos negativos; se distinguem, no entanto – daí que impugnação e compensação não constituem exceções no sentido do Código Civil – pelo seu objeto e efeito: a impugnação e a compensação se dirigem à relação jurídica e aos direitos que derivam dela; a exceção não os afeta, pois diz respeito apenas à pretensão. O efeito da impugnação e da compensação é de destruir definitivamente; por outro lado, a exceção obsta a pretensão enquanto se oponha; se cessa, essa última pode se fazer valer novamente.597 No mesmo sentido, Pontes de Miranda reconhece a diferença entre a exceção e situações que atingem o próprio direito:

A exceção é direito negativo; mas, no negar, não nega a existência, nem a validade, nem desfaz, nem co-elimina atos de realização da pretensão (compensação), – só encobre a eficácia do direito, pretensão, ação ou exceção que se exerceu contra o excipiente. Bem fraco negar, ainda quando se trate de exceções peremptórias. Dependente de ser exercida, a exceção distingue-se dos fatos pré-excludentes, modificativos e extintivos.598

Portanto, conclui-se que a mitigação tem a natureza de norma de conduta que impõe ao credor um ônus e não um dever. A inobservância da conduta prevista na norma acarreta para o credor a consequência de impedir o surgimento do direito de ser indenizado pelos danos que poderia ter evitado. Não se trata de exceção, mas de defesa, impugnação ou objeção à própria formação da relação jurídica indenizatória ou, em outros termos, na própria criação do direito subjetivo do credor à reparação dos danos evitáveis.

596

Isso não significa dizer que o credor não possa ingressar com ação para recebimento da indenização por todos os danos. Nessa ação, o devedor pode, inclusive, falhar em provar que o credor faltou com seu ônus de mitigar e, assim, o credor receber a indenização completa. No entanto, não estará em jogo a pretensão e a exceção, mas a repartição do ônus da prova para a aferição judicial da extensão do próprio dever de indenizar. Esse assunto será retomado a seguir.

597

VON TUHR. Derecho... op. cit. p. 360-361. Na linguagem de Von Tuhr, a falta do credor em agido conforme a norma de mitigação seria aduzida pelo devedor como impugnação ao direito alegado pelo credor à indenização.

598

5.3 A norma de mitigação no direito brasileiro