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CAPÍTULO 2: QUESTÃO AGRÁRIA E LUTA PELA TERRA NO BRASIL

2.8 Mobilizações, ainda que clandestinas e a CPT

O governo militar, além de buscar resolver os conflitos no campo por meio da

repressão e assentamentos em áreas de fronteira, também atuou no sentido de tentar mudar o papel e o caráter do sindicalismo rural. Enquanto algumas entidades de classe tiveram sua carta de reconhecimento cassada ou sofreram intervenções diretas, outras mantiveram suas diretorias.

Medeiros (1989) cita que os sindicatos vinculados à Igreja tiveram um papel importante no período, ainda que também sofressem intervenções e tivessem dificuldade para recuperar a confiança dos trabalhadores. Segundo a autora, os sindicatos nessa época – enfraquecidos porque desvinculados da federação – buscavam garantir os direitos conquistados no período anterior.

Essas práticas, no entanto, eram extremamente pulverizadas, localizadas e estavam longe de constituir um padrão de ação sindical. A maior parte dos sindicatos existentes no país na segunda metade dos anos 60 não se constituía em um referencial para as demandas dos trabalhadores (MEDEIROS, 1989, p. 90).

A Contag tentou pautar no período a necessidade de defesa dos direitos, e chegou a editar um boletim - O Trabalhador Rural - a partir de 1969, para divulgar suas lutas, amparadas no Estatuto do Trabalhador Rural e no Estatuto da Terra. A forma de ação mais comum era o recurso à justiça. No entanto, a diversidade das posturas das direções e da própria categoria reunida sob o mesmo sindicato – por força de lei, grupos diversos foram incluídos no rótulo 'trabalhador rural' e obrigados a se referenciar na mesma entidade – fez com que o sindicalismo tivesse grandes dificuldades em transformar em unidade política a unidade forjada pelo Estado.

dos Trabalhadores Rurais, convocado pela Contag. A ênfase do encontro foi a necessidade de formação de dirigentes e de fazer valer o Estatuto da Terra, aceito então como lei, desde que se cumprisse a questão da função social. Após esse congresso, a Contag passou a privilegiar ainda mais os mecanismos legais e jurídicos para pautar as necessidades dos trabalhadores rurais. “Tornava-se, antes de mais nada, um canal de apelo às autoridades”, resume Medeiros (1989, p. 102).

Carter (2010, p. 38) ressalta que “com o apoio do governo, a Contag criou uma ampla rede de sindicatos de trabalhadores rurais. Até 1984, ela representava 2.626 sindicatos com mais de nove milhões de filiados” . Para o autor, apesar das limitações, a confederação foi fundamental para a “construção de uma identidade de classe entre os camponeses e para a difusão de direitos de cidadania” (idem, p. 38).

Mas ao mesmo tempo em que a prática sindical se resignava aos limites da conjuntura, trabalhadores seguiram se mobilizando em diversos estados brasileiros, seja por meio de greves, seja através de enfrentamentos diretos de posseiros contra os jagunços dos grileiros31.

Apesar de iniciativas fragmentadas, muitas vezes de pequenos grupos contra grandes empresas de colonização, especialmente na Amazônia, e de não aparecerem para o público urbano devido à censura sobre a imprensa, Medeiros (1989, p. 110) constata que “não houve, na década de 70, um único estado da federação onde a luta pela terra não estivesse presente, de forma mais ou menos aguda”.

É nessa década que se articula um ator essencial no campo brasileiro: a Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975, no Encontro Pastoral das Igrejas da Amazônia Legal, em Goiânia (GO). Setores progressistas da Igreja Católica, influenciados pela nova concepção de prática eclesial após os encontros de Medellín e Puebla32, passaram a defender ações que apoiassem as lutas dos trabalhadores, e nesse contexto articularam a pastoral que teria por objetivo “interligar, assessorar e dinamizar os que trabalham em favor dos homens sem terra e dos trabalhadores rurais” (MEDEIROS, 1989, p. 112).

Apesar de vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)33 – o que

31 “Grilagem é o ato pelo qual os fazendeiros falsificam documentos para se apossar e legalizar extensões de

terras públicas. O nome tem origem na prática de colocar os papéis falsificados em gavetas com grilos, para que eles 'envelheçam' os documentos” (FERNANDES, 2005: 27).

32 Em 1968, foi realizada a II Conferência Episcopal Latino-americana, em Medellín, Colômbia, em que se

firmou o “casamento” da Igreja com a causa dos pobres, conforme expressão de Boff (1996). Em 1979, foi realizada a III Conferência, em Puebla, no México, que “sacramentou” a maturidade da Teologia da Libertação.

33 Por ser vinculada diretamente ao órgão máximo nacional, a CNBB, a CPT goza de autonomia local. “Seu

funcionamento não depende da estrutura paroquial diocesana. A Comissão implantava-se em uma região, com ou sem colaboração do clero local, quando conta com um certo número de agentes religiosos partidários

lhe dá legitimidade junto ao Estado, ampliando seu poder de ressonância das denúncias de violências no campo – é necessário dizer que a pastoral, assim como outras surgidas no bojo da efervescência das Comunidades Eclesiais de Base, não tinha hegemonia na Igreja, que seguiu tendo em seus quadros bispos e clérigos conservadores e contrários à ideia de distribuição igualitária da renda e da terra34. Sua influência foi crescendo no meio rural, mas não significou o desaparecimento da corrente que defendia um “catolicismo social”, que pregava a necessidade de converter os trabalhadores à fé católica e a partir disso aplicar as orientações da doutrina social da Igreja.

Já para a CPT, o “Plano de Deus” conduz ao “Reino de Justiça”, por isso é necessário transformar a sociedade para garantir a igualdade e a justiça social. Nesse caminho, “é preciso agir em colaboração com os nãocristãos e utilizar as ciências humanas como instrumento para conhecer a realidade e escolher as estratégias eficazes” (GAIGER, 1987, p. 35). A pastoral possui sua própria visão política e ideologia, mas se propõe a estimular as lutas dos trabalhadores, definindo-se como uma assessoria externa aos grupos.

Originado na Amazônia, onde explodiam conflitos entre posseiros e representantes das grandes empresas, incentivadas pelo Estado a promover a colonização e exploração da região, o trabalho da CPT convergiu com a ação pastoral de padres e bispos de diversas regiões do país e em 1979 já eram 15 suas regionais.

O trabalho de organização dessa Igreja de base estava mais voltado à reflexão sobre a situação de exploração vivida pelos trabalhadores, o que fomentou a mobilização em diversos pontos do país. Outra característica fundamental da sua atuação era o ecumenismo, que permita que outras agremiações religiosas também fizessem seu trabalho político e evangélico junto às comunidades. Nas palavras da pastoral: “Mas já nos primeiros anos, a entidade adquiriu um caráter ecumênico, tanto no sentido dos trabalhadores que eram apoiados, quanto na incorporação de agentes de outras igrejas cristãs, destacadamente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB” (CPT, 2013).

Esse tipo de prática favoreceu inúmeras formas de resistência popular, e incluía também os sindicatos como instância de representação. Foram estimulados assim novos sindicatos combativos e oposições sindicais, que questionavam a linha puxada majoritariamente pela Contag.

da sua orientação, ou quando um conflito social estimado importante provoca o deslocamento de agentes de outras regiões” (GAIGER, 1987: 34).

34 Setores conservadores da Igreja foram inclusive participantes das articulações que geraram o golpe militar,

Nesse contexto, foi realizado o III Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em 1979, momento de efervescência também das greves urbanas. O encontro reivindicou a efetivação da reforma agrária e o cumprimento da legislação trabalhista no campo, em um período em que 80% dos trabalhadores não tinham carteira assinada (MEDEIROS, 1989).

Outra movimentação no campo brasileiro se dava pelos grupos de esquerda armada, que apostam na guerrilha como alternativa de tomada de poder. Um dos movimentos que pregava a reforma agrária e atuou junto aos camponeses foi a Guerrilha do Araguaia, tocada por um grupo do PCdoB onde hoje é o estado do Tocantins. Esse e outros movimentos guerrilheiros, no entanto, foram fortemente reprimidos pelo regime militar.

No final da década de 1970, abria-se um novo momento político, fortemente marcado pela eclosão de lutas no campo35 e na cidade, colocando no horizonte a necessidade de

democratização do país e de unidade da classe trabalhadora.