4.4 FASE QUANTITATIVA DA PESQUISA
4.4.7 Procedimentos da análise de dados
4.4.7.3 Modelagem de equações estruturais
Historicamente, as pesquisas na área de gestão eram fragmentadas em dois componentes (WILLIAMS; VANDENBERG; EDWARDS, 2009). Primeiramente, o pesquisador desenvolvia uma análise fatorial exploratória para gerar evidências de que determinadas medidas refletem adequadamente os construtos subjacentes. Posteriormente, por meio das escalas desenvolvidas, utilizavam a regressão linear para identificar preditores propostos pela teoria. Nessa abordagem, ocorre uma separação entre o modelo associado às medidas dos construtos e o modelo que examina as relações entre os fatores. Já a MEE fornece uma função integrativa, apoiando os pesquisados nas especificações das hipóteses, na operacionalização dos construtos e na consecução de pesquisas exploratórias e confirmatórias (BAGOZZI; YI, 2012).
A MEE se caracteriza como um método estatístico de segunda geração, sendo considerada uma ferramenta emergente para a compreensão de relacionamentos teóricos complexos associados às pesquisas atuais na área de gestão e das ciências sociais (WILLIAMS; VANDENBERG; EDWARDS, 2009; BAGOZZI; YI, 2012; HAIR JUNIOR et al., 2016). Em convergência, a MEE é uma técnica multivariada sofisticada (HAIR JUNIOR et al., 2016), que combina a análise fatorial e análise de regressão múltipla, permitindo examinar uma série de relações de dependência entre variáveis exógenas e endógenas, de forma simultânea (IACOBUCCI, 2010; TABACHNICK; FIDELL, 2010; HO, 2014).
As técnicas multivariadas podem ser aplicadas de diversas formas. Nesse sentido, a MEE se apresenta como uma ferramenta flexível e com poder analítico para se adequar aos diferentes objetivos de pesquisa. De acordo com o propósito do estudo, três estratégias podem ser adotadas (HAIR JUNIOR et al., 2009):
a) estratégia de modelagem confirmatória: ocorre a especificação de um único conjunto de relações (modelo) e a posterior análise sobre o ajuste do modelo em relação aos dados;
b) estratégia de modelos concorrentes: realiza-se a comparação do modelo estimado com modelos alternativos, que representem relações estruturais hipotéticas diferentes;
c) estratégia de desenvolvimento de modelos: define-se um modelo básico, com suporte da teoria, e a sua estrutura é aperfeiçoada por meio de modificações nos modelos de mensuração ou no modelo estrutural.
Tendo em vista que o objetivo geral da presente tese é identificar as práticas de GSRH e os seus impactos nos danos à saúde relacionados ao trabalho e no comprometimento organizacional, por intermédio da proposição de um modelo teórico, define-se que a estratégia empregada se refere ao desenvolvimento de modelos.
A literatura sobre MEE indica algumas etapas que devem ser observadas para a sua aplicação (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; KLINE, 2015; HAIR JUNIOR et al., 2016). O Quadro 28 sumariza essas informações e descreve em quais seções da presente tese se encontram o detalhamento ou a execução das referidas etapas.
Quadro 28 – Etapas para a aplicação da modelagem de equações estruturais
Etapa Descrição da etapa Seções da tese
1 Definir o modelo teórico e os construtos individuais Capítulo 3
2 Desenvolver o modelo de mensuração geral Seção 4.4.2 e 5.2
3 Planejar um estudo para produzir resultados empíricos Capítulo 4
4 Avaliar a validade do modelo de mensuração Seção 5.2
5 Especificar o modelo estrutural Seção 5.2
6 Avaliar a validade do modelo estrutural Seção 5.2.6
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de Hair Junior et al. (2009).
O primeiro estágio da MEE está embasado no desenvolvimento de um modelo teórico, no qual ocorre a representação e a operacionalização de uma teoria e a determinação das relações causais entre as variáveis (HAIR JUNIOR et al., 2009). Nessa etapa, o pesquisador deve selecionar os itens da escala de mensuração e o tipo de escala a ser aplicada (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012).
Após definir os itens de escala, deve-se especificar o modelo de medição. Nessa fase, os construtos latentes incluídos no modelo são identificados e as variáveis indicadoras (itens) são designadas (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012). Destaca- se que o modelo de mensuração enfoca as relações entre as variáveis observadas e as variáveis latentes (fatores) (WILLIAMS; VANDENBERG; EDWARDS, 2009; HO, 2014; BYRNE, 2016).
Nesse contexto, salienta-se que o modelo adotado para esta tese está vinculado à teoria de mensuração reflexiva, na qual os construtos latentes são a causa das variáveis medidas (HAIR JUNIOR et al., 2009; WILLIAMS; VANDENBERG; EDWARDS, 2009; IACOBUCCI, 2010; BAGOZZI; YI, 2012; HOYLE, 2012; KLINE, 2015). Sendo assim, as seguintes diretrizes serão ponderadas: a existência de correlação entre os itens de um mesmo construto latente; a possibilidade de exclusão de itens, sem que o significado do construto seja alterado; a confiabilidade dos construtos e; a manutenção de, no mínimo, três itens por fator (HAIR JUNIOR et al., 2009).
Na terceira fase, o pesquisador deve atentar para o planejamento e o delineamento da pesquisa (tipo de dados analisados, dados perdidos e tamanho amostral) e para a estimação do modelo (estrutura do modelo, técnicas de estimação e o programa computacional utilizado) (HAIR JUNIOR et al., 2009).
Em relação à estimação do modelo, existe a possibilidade de adotar a matriz de covariância ou a matriz de correlação como entrada de dados (HAIR JUNIOR et al., 2009; HOYLE, 2012; KLINE, 2015; BYRNE, 2016). Para esta pesquisa, optou-se pela aplicação da matriz de covariância, uma vez que essa tipologia apresenta vantagens estatísticas, tais como identificar as relações entre construtos e explicar a sua variância total, ou seja, a magnitude dos valores (HAIR JUNIOR et al., 2009).
Além disso, no tocante às técnicas de estimação, ou seja, o algoritmo matemático que identificará as estimativas para cada parâmetro livre (HAIR JUNIOR et al., 2009), verifica-se a indicação da estimação de máxima verossimilhança (Maximum likelihood - MLE) como a mais usual (HAIR JUNIOR et al., 2009; HOYLE, 2012; KLINE, 2015), por ser eficiente e sem vieses, quando as suposições de normalidade multivariada são atendidas (HAIR JUNIOR et al., 2009; KLINE, 2015). Logo, essa técnica de estimação foi adotada no estudo.
Na sequência, deve-se desenvolver um quesito fundamental para a MEE: a validação do modelo de mensuração, que dependerá da qualidade de ajuste e da evidência específica de validade de construto. Salienta-se que a validade define o grau de precisão de uma pesquisa (HAIR JUNIOR et al., 2009).
Nesse caso, o pesquisador deve avaliar duas categorias de validade: a convergente e a discriminante (HAIR JUNIOR et al., 2009; BAGOZZI; YI, 2012; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; KLINE 2015; BYRNE, 2016; HAIR JUNIOR et al., 2016). A validade convergente indica que os itens de um construto compartilham uma elevada proporção de
variância em comum, ou seja, existe uma correlação positiva entre as medidas do mesmo construto. A validade convergente pode ser estimada a partir de três procedimentos (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; BYRNE, 2016; HAIR JUNIOR et al., 2016):
a) cargas fatoriais: nessa avaliação evidencia-se que maiores cargas fatoriais apontam que as variáveis observadas convergem no mesmo construto. A literatura indica, como valores de referência, cargas fatoriais estatisticamente significativas e maiores que 0,50 e, idealmente, maiores que 0,70. No entanto, um nível de corte de 0,6 pode ser utilizado (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012);
b) confiabilidade composta: embora o Alpha de Cronbach se apresente como uma estimativa frequentemente utilizada, sugere-se a verificação da confiabilidade composta, que representa a consistência interna de um construto latente, observando a soma dos termos de variância de erro. Resultados entre 0,60 e 0,70 são aceitáveis, desde que os demais indicadores de validade de convergente sejam bons (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; PETERSON; KIM, 2013; HAIR JUNIOR et al., 2016);
c) variância média extraída: medida que representa como a variância dos indicadores (variáveis observadas) é explicada pelo construto latente. Valores superiores a 0,50 sugerem uma convergência adequada (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; HAIR JUNIOR et al., 2016).
Na segunda categoria, destaca-se a validade discriminante, que aponta o grau em que um construto é verdadeiramente diferente dos demais (HAIR JUNIOR et al., 2009; BYRNE, 2016; HAIR JUNIOR et al., 2016), sem apresentar um nível elevado de cargas cruzadas (MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012). Nesse sentido, a validade discriminante evidencia que um construto é único e captura alguns fenômenos que outras medidas não conseguiriam indicar (HAIR JUNIOR et al., 2009). Existem duas formas distintas de avaliar a validade discriminante (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012).
A primeira objetiva identificar a correlação entre dois construtos, ou seja, especificar que os itens que compõem dois construtos poderiam compor apenas um. No entanto, o referido teste nem sempre oferece uma evidência de validade discriminante, uma vez que
correlações elevadas ainda podem produzir diferenças significativas no ajuste (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012).
A segunda alternativa, que será empregada no presente estudo, é a comparação de variância extraída para dois construtos com o quadrado da estimativa de correlação entre tais dimensões. O parâmetro para a identificação da validade discriminante é que a variância extraída demonstra valores maiores em comparação à estimativa quadrática de correlação (HAIR JUNIOR et al., 2009). Logo, espera-se que o construto latente explique as suas medidas de itens de maneira mais bem-sucedida em relação a outros construtos (MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012).
Adicionalmente, também se realizou uma análise complementar, vinculada ao viés de medida, com o objetivo de evidenciar que as opções de resposta ou a ordem na qual as questões são apresentadas no instrumento não influenciaram nos resultados das covariâncias entre os itens (PODSAKOFF et al., 2003; HAIR JUNIOR et al., 2009; KLINE, 2015). A referida análise, que é considerada importante no desenvolvimento de pesquisas organizacionais (CONWAY; LANCE, 2010) e de estudos que analisam comportamentos, foi executada por intermédio de dois procedimentos: a introdução de um fator comum latente que se vincula a todos os itens observados no modelo e o teste do fator único de Harman (Harman’s single-factor test) (PODSAKOFF; ORGAN, 1986; PODSAKOFF et al., 2003; CAPRON; MITCHELL, 2009; HAIR JUNIOR et al., 2009; MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016).
A literatura também destaca algumas medidas de qualidade de ajuste, que se aplicam aos modelos de mensuração e aos modelos estruturais (HAIR JUNIOR et al., 2009), classificadas em três grupos gerais (HAIR JUNIOR et al., 2009; FABRIGAR; PORTER; NORRIS, 2010; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; HO, 2014; KLINE, 2015):
a) medidas absolutas: indicam, de maneira direta, a adequação do modelo especificado em relação dos dados observados, estabelecendo uma avaliação básica da teoria e seu ajuste aos dados da amostra;
b) medidas incrementais: avaliam o quão bem um modelo especificado se ajusta em relação a algum modelo alternativo de referência. Nesse caso, os índices de ajuste representam a melhora em ajuste pela especificação de construtos multi-itens relacionados;
c) medidas de ajuste de parcimônia: fornecem informações sobre o ajuste do modelo em relação à sua complexidade. Nesse caso, os índices vinculados melhoram em decorrência de um melhor ajuste ou por um modelo mais simples. No entanto, não é útil na avaliação do ajuste de um único modelo, mas é importante na comparação do ajuste de dois modelos, sendo um mais complexo que o outro.
Considerando-se a indicação de aplicação de medidas de ajuste para a validação de modelos de mensuração (HU; BENTLER, 1998; BARRETT, 2007; HAIR JUNIOR et al., 2009; FABRIGAR; PORTER; NORRIS, 2010; IACOBUCCI, 2010; TABACHNICK; FIDELL, 2010; BAGOZZI; YI, 2012; HOYLE, 2012; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; HO, 2014; KLINE, 2015; BYRNE, 2016), o Quadro 29 sintetiza as medidas de ajuste adotadas nesta pesquisa. De acordo com as características mencionadas nas alíneas anteriores, serão aplicadas medidas absolutas e medidas incrementais.
Em sequência, a quinta e a sexta etapa tratam sobre a especificação e a avalição do modelo estrutural, que pormenoriza o padrão das relações entre as variáveis independentes e dependentes, observadas ou latentes (WILLIAMS; VANDENBERG; EDWARDS, 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012; HO, 2014). Logo, a especificação do modelo estrutural designa as relações de um construto com outro, representando as hipóteses e o modelo teórico proposto (HAIR JUNIOR et al., 2009). Nesse momento, considerando que o modelo estrutural requer que as especificações de mensuração também sejam incluídas, um modelo final e a teoria geral poderá ser testada, incluindo as relações hipotetizadas de dependência entre construtos (HAIR JUNIOR et al., 2009; MALHOTRA; BIRKS; WILLS, 2012).
Por fim, o modelo estrutural deve ser avaliado por intermédio das mesmas medidas de ajuste indicadas no Quadro 29, observando que uma nova matriz de covariância estimada é calculada, sendo diferente daquela do modelo de mensuração. Nesse momento, as relações teóricas presumidas (hipóteses) também devem ser avaliadas (HAIR JUNIOR et al., 2009).
Quadro 29 – Medidas de ajuste para a validação do modelo
Classificação Medida Sigla Descrição Valor de
referência
Medidas absolutas
Chi-square / degrees of freedom
(Qui-quadrado / graus de liberdade)
χ² / gl
O teste qui-quadrado enfoca a avaliação estatística da diferença entre a matriz observada de covariância da amostra e a matriz de covariância estimada. Porém, se apresenta como um indicador sensível ao tamanho da amostra. Neste caso, é possível aplicar a verificação do ajuste do qui-quadrado em relação aos graus de liberdade.
≤ 5
Goodness-of-fit index
(Índice de qualidade de ajuste) GFI
O GFI indica o grau de ajustamento geral do modelo e estima a proporção de covariâncias da matriz da amostra explicada pelo modelo. Este índice também é sensível ao tamanho da amostra.
≥ 0,9
(Índice ajustado de qualidade de
ajuste) AGFI
O AGFI considera os diferentes graus de complexidade do modelo e ajusta o GFI por uma proporção entre os graus de liberdade usados em um modelo e o número total de graus de liberdade disponíveis. Este indicador apresenta índices tipicamente menores do que valores GFI em proporção à complexidade do modelo.
≥ 0,9
Root Mean Square Error of Approximation
(Raiz do erro quadrático médio de aproximação)
RMSEA
O RMSEA representa o nível de ajuste de um modelo em relação a uma população e não apenas a uma amostra usada para estimação. Sendo assim, esta medida corrige a complexidade do modelo e o tamanho amostral, incluindo cada um desses dados em seu cálculo.
≤ 0,8
Medidas incrementais
Tucker-Lewis Fit Index
(Índice de Tucker-Lewis) TLI
O TLI abrange uma comparação matemática de um modelo teórico de mensuração especificado com um modelo nulo de referência. De maneira geral, o TLI e o CFI fornecem valores parecidos.
≥ 0,9
Normed Fit Index
(Índice de ajuste normado) NFI
O NFI estabelece a proporção da diferença no valor χ² para o modelo ajustado e um modelo nulo, dividida pelo valor χ² para o modelo nulo. Neste sentido, ocorre a comparação do valor χ² entre os modelos.
≥ 0,9
Comparative fit index (Índice de
ajuste comparativo) CFI
O CFI é um índice normado que, em virtude das suas propriedades, está entre uma das medidas de ajuste mais utilizadas. O CFI representa uma comparação entre o modelo estimado e o modelo nulo, em convergência com o tamanho da amostra.
≥ 0,9
Fonte: Elaborado pela autora a partir da literatura.
O próximo capítulo do estudo descreve os resultados da pesquisa e a aplicação dos procedimentos metodológicos descritos na presente seção.
5ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS DA PESQUISA
O presente capítulo tem como propósito apresentar os resultados evidenciados a partir da realização da coleta e análise de dados, enfocando o objetivo geral e os objetivos específicos do estudo. Para tanto, optou-se pela estruturação de duas seções principais. A primeira (5.1) sumariza os achados na fase qualitativa, no que se refere à integração da gestão de recursos humanos e da sustentabilidade no âmbito das empresas pesquisadas. A segunda (5.2) apresenta a identificação das práticas vinculadas à GSRH e seus impactos, por intermédio da realização da etapa quantitativa. Destaca-se que a seção 5.2 descreve a caracterização da amostra pesquisada, a validação do modelo estrutural final, o teste das relações hipotetizadas e a análise dos resultados a partir dos grupos de controle.
5.1CONTEXTUALIZAÇÃO DA INTEGRAÇÃO ENTRE AS PRÁTICAS DE GESTÃO