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3.3PRÁTICAS DE GESTÃO SUSTENTÁVEL DE RECURSOS HUMANOS E O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

O comprometimento organizacional representa um construto importante no campo de pesquisas em gestão (MATHIEU; ZAJAC, 1990; MEYER; ALLEN; SMITH, 1993; COOPER-HAKIM; VISWESVARAN, 2005; REGO; CUNHA, 2008; DEVECE; PALACIOS-MARQUÉS; ALGUACIL, 2016), uma vez que se relaciona ao grau em que os

funcionários se dedicam e empenham seus esforços em prol das equipes e da empresa (BOLES et al., 2007; YAMAGUCHI, 2013). O comprometimento também retrata o estado psicológico do indivíduo, que caracteriza suas relações com a organização e tem implicações na decisão de permanecer ou não na empresa (MEYER; ALLEN, 1991). Nesse sentido, de maneira geral, a literatura destaca que o comprometimento representa uma atitude que descreve o vínculo do indivíduo com a organização e um conjunto de comportamentos pelos quais os profissionais manifestam essa relação (MATHIEU; ZAJAC, 1990; JERNIGAN; BEGGS; KOHUT, 2002).

A concepção do comprometimento se refere a um fenômeno estrutural que representa os resultados das transações entre os atores e a organização. Além disso, o comprometimento está relacionado com o estado em que o profissional está ligado à organização por suas ações e crenças (BANDEIRA; MARQUES; VEIGA, 2000). Em suma, destaca-se que fatores como a aceitação dos objetivos e valores organizacionais, a disposição em se empenhar pela empresa e o desejo de permanecer na corporação, caracterizam o comprometimento (MOWDAY; STEERS; PORTER, 1979; BOLES et al., 2007).

A existência de uma relação baseada no comprometimento, entre os funcionários e a organização, pode promover alguns consequentes que são importantes para a performance empresarial. Dentre esses aspectos, assinala-se a diminuição da rotatividade, da intenção de rotatividade e do absenteísmo; o melhor desempenho e esforço no trabalho, por parte dos profissionais e; o aumento dos comportamentos vinculados à cidadania organizacional (ALLEN; MEYER, 1990; MATHIEU; ZAJAC, 1990; MEYER; HERSCOVITCH, 2001; JERNIGAN; BEGGS; KOHUT, 2002; MEYER et al., 2002; COOPER-HAKIM; VISWESVARAN, 2005; KIM; LEONG; LEE, 2005; GONZÁLEZ; GUILLEN, 2008; REGO; CUNHA, 2008; YANG, 2010; SIQUEIRA; GOMIDE JUNIOR, 2014; KIM; EISENBERGER; BAIK, 2016).

O comprometimento, na conjuntura empresarial, possui um enfoque multidimensional (MEYER; ALLEN; SMITH, 1993; MEYER; HERSCOVITCH, 2001; MEYER et al., 2002; DIRANI; KUCHINKE, 2011; MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016), retratado a partir de três componentes: o instrumental, o afetivo e o normativo (MEYER; ALLEN, 1991; MEYER; STANLEY; PARFYONOVA, 2012), sendo que o comprometimento afetivo é analisado com maior interesse (MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016). O Quadro 18 sumariza as características de cada componente.

Quadro 18 – Componentes do comprometimento organizacional

Componente Foco principal Características Antecedentes

Instrumental

Necessidade de permanecer na

organização.

Caracteriza-se pela consciência dos custos associados em deixar a organização. Nesse caso, o profissional permanece vinculado à empresa em virtude da necessidade de proceder dessa forma e não pelo desejo de pertencer à organização. Empregos disponíveis Benefícios auferidos Afetivo Desejo de permanecer na organização.

Caracteriza-se pelo envolvimento

emocional do funcionário e pela existência de identificação com a corporação. O profissional permanece na organização porque almeja continuar pertencendo à empresa. Condições de trabalho Atendimento das expectativas Normativo Dever de permanecer na organização.

Sentimento de obrigação em permanecer na organização. Nessa dimensão, é provável

que os funcionários apresentem

comportamentos relacionados a obrigações e deveres de lealdade para com a organização e, por isso, tendam a adotar comportamentos positivos.

Senso de obrigação Valores individuais

Fonte: Elaborado a partir de Meyer e Allen (1991), Meyer, Allen e Smith (1993) e Meyer, Stanley e Parfyonova (2012).

A dimensão instrumental do comprometimento se desenvolve quando o funcionário não tem alternativas de emprego em outras organizações ou percebe que, ao sair da empresa, perderá investimentos nela feitos (MEYER; ALLEN, 1991; REGO; CUNHA; SOUTO, 2007; REGO; CUNHA, 2008; SIQUEIRA; GOMIDE JUNIOR, 2014). Além disso, quando um profissional se sente insatisfeito, injustiçado, impossibilitado de desenvolver suas competências, realizando um trabalho monótono e não desafiante, em condições inadequadas, ocorre o incremento do comprometimento instrumental (REGO; CUNHA; SOUTO, 2007).

Essa tipologia de comprometimento é evidenciada quando o profissional identifica oportunidades pouco atrativas de trabalho no mercado, visualiza vantagens econômicas no atual emprego ou quando percebe que terá custos associados, caso opte por se desligar da organização (MEYER; ALLEN, 1991; MALHOTRA; BUDHWAR; PROWSE, 2007; REGO; CUNHA; SOUTO, 2007; GONZÁLEZ; GUILLEN, 2008; SIQUEIRA; GOMIDE JUNIOR, 2014).

Um dos principais antecedentes do comprometimento instrumental é a disponibilidade de empregos no mercado (MEYER; ALLEN, 1991; MEYER, et al., 2002), ou seja, um fator externo que ultrapassa o campo de influência da empresa. O exacerbado número de demissões nos últimos anos e o fechamento de postos de trabalho no Brasil (IPEA, 2016) refletem em um menor poder de escolha, por parte do trabalhador, em relação às

alternativas de emprego. Além disso, nesse cenário, uma importante preocupação para o indivíduo é manutenção do seu contrato de trabalho, em virtude da recessão econômica e das oportunidades escassas (AL-BDOUR; NASRUDDIN; LIN, 2010; SHEN; ZHU, 2011).

Considerando-se essas características, optou-se, no presente estudo, por não avaliar os impactos das práticas de GSRH no comprometimento instrumental. Essa escolha foi baseada nas características da conjuntura econômica nacional atual, que poderiam influenciar nos resultados dessa avaliação e que seriam de difícil controle. Em consequência, serão analisados os impactos das práticas de GSRH no comprometimento afetivo e normativo.

Uma das abordagens mais prevalecentes na literatura considera que o comprometimento está associado ao apego afetivo ou emocional à organização, favorecendo a adesão, a identificação e o envolvimento do indivíduo com a empresa (ALLEN; MEYER, 1990; MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016). A dimensão afetiva do comprometimento tende a ser mais representativa quando os funcionários percebem a congruência entre seus objetivos próprios e os da empresa, possuem confiança na organização e em seus líderes, obtêm satisfação no trabalho, percebem que os valores da organização destacam uma orientação humanizada e identificam um tratamento justo e socialmente responsável, por parte da empresa (MEYER; ALLEN, 1991; REGO; CUNHA; SOUTO, 2007; REGO; CUNHA, 2008; MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016). Assim, características pessoais, práticas de gestão da corporação, percepção de suporte organizacional e de justiça no trabalho, são elementos que constituem os antecedentes do comprometimento afetivo (SIQUEIRA; GOMIDE JUNIOR, 2014).

O comprometimento normativo tende a se desenvolver quando o indivíduo internaliza as normas da organização e percebe os benefícios de atuar com reciprocidade e responsabilidade em relação à empresa (ALLEN; MEYER, 1990; MEYER; ALLEN, 1991; REGO; CUNHA; SOUTO, 2007; REGO; CUNHA, 2008). Esse fenômeno poderá ocorrer por alguns motivos, como um sentimento de satisfação e apoio no trabalho, identificação com os valores da organização, confiança nos líderes e presença de políticas e práticas de gestão de profissionais que valorizem os trabalhadores como pessoas e não apenas como recursos (MEYER; ALLEN, 1991; REGO; CUNHA; SOUTO, 2007).

Percebe-se, a partir dos elementos que se relacionam às dimensões do comprometimento, que as práticas de gestão de recursos humanos podem se apresentar como antecedentes do desenvolvimento desse tipo de vínculo com a organização (TAORMINA, 1999; MEYER; SMITH, 2000; GREEN et al., 2006; ZHENG; MORRISON; O'NEILL, 2006;

FIORITO et al., 2007; MALHOTRA; BUDHWAR; PROWSE, 2007; NISHII; LEPAK; SCHNEIDER, 2008; WRIGHT; KEHOE, 2008; AL-BDOUR; NASRUDDIN; LIN, 2010; BOON et al., 2011; ALADWAN; BHANUGOPAN; D'NETTO, 2015; BUI; LIU; FOOTNER, 2016). Como exemplo, cita-se o estudo de Scheible e Bastos (2013), no qual os autores sugerem que as práticas de gestão de recursos humanos contribuem para o fortalecimento dos vínculos dos funcionários com a empresa. A pesquisa retrata que a percepção dos funcionários, em relação às práticas de treinamento e desenvolvimento, estabilidade no trabalho e compensação e benefícios, está positivamente relacionada ao comprometimento afetivo.

Com uma abordagem complementar, Shen e Zhu (2011) sugerem que um sistema de gestão de recursos humanos, voltado para a responsabilidade social e para a sustentabilidade organizacional, está positivamente relacionado com o comprometimento dos profissionais. Logo, as práticas desenvolvidas na corporação devem se embasar no cumprimento das leis trabalhistas e normas estabelecidas pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), enfocando a igualdade de oportunidades, a saúde e a segurança no trabalho, o controle da jornada laboral e a remuneração justa (SHEN; ZHU, 2011).

Além disso, as práticas de gestão de recursos humanos, nesse contexto, devem salientar as necessidades dos trabalhadores e seus familiares, ultrapassando apenas o cumprimento de questões legais. Essa perspectiva abrange práticas como oportunidades de treinamento e desenvolvimento, gestão de carreira, democracia no ambiente de trabalho e ações de participação e envolvimento dos trabalhadores. Por fim, Shen e Zhu (2011) destacam que as práticas de gestão de recursos humanos também devem evidenciar iniciativas de responsabilidade social, observando os interesses do público interno e externo (stakeholders) e atingindo a eficácia em curto prazo e a sustentabilidade em longo prazo.

A sustentabilidade da gestão de recursos humanos e o comprometimento estão relacionados, ao se considerar que o comprometimento dos indivíduos é influenciado pelos valores organizacionais, pelo tratamento justo e adequado para os trabalhadores e pela valorização dos profissionais (REGO; CUNHA; SOUTO, 2007). Paralelamente, as empresas que aplicam práticas sustentáveis de gestão de recursos humanos promovem a diversidade, as relações positivas no trabalho, o bem-estar do trabalhador, as condições favoráveis de labor e oportunidades de desenvolvimento e de carreira (GOLLAN, 2000; BOUDREAU; RAMSTAD, 2005; EHNERT, 2009b; HIRSIG; ROGOVSKY; ELKIN, 2013; CLEVELAND; BYRNE; CAVANAGH, 2015; JÄRLSTRÖM; SARU; VANHALA, 2016). Logo, é possível

inferir que o desenvolvimento das ações de recursos humanos mencionadas possibilitará que os trabalhadores se sintam amparados, valorizados e respeitados pela gestão da empresa e esse contexto, gere, consequentemente, o comprometimento.

Esse cenário é reforçado pelo estudo de Mory, Wirtz e Göttel (2016), que avaliou o impacto de diversas práticas internas à organização, vinculadas à responsabilidade social. As práticas mencionadas se assemelham aos elementos apontados por Ehnert (2009b), em seu estudo sobre GSRH: estabilidade no emprego, que demonstra a preocupação da empresa na manutenção dos postos de trabalho; cuidados com o ambiente de trabalho, contemplando questões sobre saúde e segurança ocupacional; promoção do desenvolvimento de competências dos profissionais; equidade e respeito à diversidade, minimizando as questões discriminatórias e a marginalização de grupos; promoção do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e; ações de envolvimento e empoderamento dos trabalhadores. Como resultados dessa análise, os autores evidenciaram que as práticas mencionadas impactam positivamente no comprometimento afetivo e normativo.

Em concordância, assinala-se que a dimensão afetiva do comprometimento tende a ser mais representativa quando os funcionários percebem que a empresa possui uma orientação humanizada e socialmente responsável. Paralelamente, a dimensão normativa, que estabelece os vínculos de lealdade do profissional com a corporação (RAYTON, 2006), possui, dentre alguns antecedentes, a existência de políticas e práticas de gestão de pessoas que valorizem os trabalhadores como indivíduos e não apenas como recursos (REGO; CUNHA; SOUTO, 2007).

Considerando-se a contextualização apresentada e estudos prévios que sugerem que as práticas de gestão sustentável (e socialmente responsável) de recursos humanos impactam no comprometimento afetivo e normativo (GOLLAN, 2000; EHNERT, 2009b; AL-BDOUR; NASRUDDIN; LIN, 2010; SHEN; ZHU, 2011; COHEN; TAYLOR; MULLER-CAMEN, 2012; MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016), as seguintes hipóteses de pesquisa são propostas:

H4: As práticas de gestão sustentável de recursos humanos têm um impacto significativo e

positivo no comprometimento afetivo.

H5: As práticas de gestão sustentável de recursos humanos têm um impacto significativo e

Por fim, destaca-se a relação existente entre o comprometimento afetivo e o comprometimento normativo. A partir de indicações da literatura, González e Guillen (2008) salientam os fatores explicativos dessas tipologias de comprometimento:

a) comprometimento afetivo: se relaciona ao vínculo emocional dos funcionários, à identificação e ao envolvimento com a empresa. Logo, representa o desejo de realizar algo, como, por exemplo, permanecer na organização ou esforçar-se para o atendimento dos objetivos corporativos;

b) comprometimento normativo: se refere ao sentimento de obrigação em permanecer na empresa, ou seja, o indivíduo sente que deve realizar algo em virtude de um compromisso moral.

Nesse contexto, os trabalhadores que desejam permanecer em uma organização em virtude de vivências positivas (comprometimento afetivo), também podem sentir algum senso de obrigação em relação à empresa (comprometimento normativo) (MEYER; SMITH, 2000). Em outras palavras, as experiências positivas vinculadas à empresa, que geram o comprometimento afetivo, também podem ocasionar um sentimento de reciprocidade com a organização, desencadeando o comprometimento normativo (BERGMAN, 2006).

No entanto, o contrário não necessariamente ocorre. Como exemplo, cita-se o fato de um funcionário desenvolver um senso de obrigação oriundo do pagamento de um treinamento ou outra ação importante de capacitação custeada pela corporação (MEYER; SMITH, 2000; CHEN; FRANCESCO, 2003). Nesse caso, o indivíduo poderá apresentar comprometimento normativo, sem estar afetivamente vinculado à empresa (MEYER; SMITH, 2000; CHEN; FRANCESCO, 2003).

Por fim, salienta-se que o comprometimento afetivo é associado às atitudes em relação à organização que, por sua vez, influenciam o comportamento e o dever de permanecer na empresa (comprometimento normativo) (MEYER; PARFYONOVA, 2010). Sendo assim, de acordo com a contextualização descrita e considerando estudos prévios que sinalizaram a relação entre o comprometimento afetivo e o comprometimento normativo (MEYER; SMITH, 2000; BERGMAN, 2006; MORY; WIRTZ; GÖTTEL, 2016), apresenta- se a seguinte hipótese de pesquisa:

H6: O comprometimento afetivo tem um impacto significativo e positivo no

comprometimento normativo e estabelece uma relação de mediação entre as práticas de gestão sustentável de recursos humanos e o comprometimento normativo.

A próxima seção apresenta o modelo teórico proposto e sintetiza as relações hipotetizadas entre os construtos práticas de gestão sustentável de recursos humanos, danos à saúde relacionados ao trabalho, comprometimento afetivo e comprometimento normativo.