2.2 ABORDAGENS PEDAGÓGICAS
2.3.4 Modelo UAB
Peters (2009) nos apresenta alguns modelos para EaD. Os mais tradicionais eram basicamente de “preparação para exames”, visando conferir graus aos alunos. Já a partir dos anos 70 e 80 temos o modelo multimídia, com o uso de rádio e televisão, que segundo Peters deu início: “[...] ao movimento em prol da aprendizagem aberta e universidades abertas” (2009, p.76).
Com o advento da informática esses modelos assumem novas características, surgem o modelo do aluno autônomo e o modelo de EaD baseado na rede. Devemos mencionar, ainda, o modelo baseado no uso de satélite ou sistema de videoconferência, no qual um único professor pode dar aula para várias turmas.
A partir desses vários modelos surgem outros que são denominados por Peters de modelos híbridos cuja definição se baseia em fatores econômicos, de infraestrutura, cultural, de tradição de ensino-aprendizagem acadêmicos etc.
Para o autor: “[...] A universidade do futuro será uma universidade de várias modalidades e a educação a distância será um elemento proeminente, se não o elemento básico dela” (2009, p.83) considerando que a educação a distância “[...] não se aplica apenas à transmissão para um corpo de estudantes dispersos, mas principalmente aos métodos de aprendizagem autônoma, autodirigida” (2009, p.83).
No Brasil em 2006 foi instituído pelo Ministério da Educação o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) para: "[...] o desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior no País" (BRASIL, 2012, p.1) e a partir deste é definido o modelo UAB de educação a distância baseado no uso da internet, pois se apoia no uso de TICs para diminuir a distância entre professores-aluno e aluno-aluno.
Por meio do programa UAB são estabelecidas parcerias entre governos (federal, estadual e municipal) com as universidades públicas e demais organizações interessadas, enquanto viabilizar mecanismos alternativos para o fomento, implantação e execução de cursos de graduação e pós-graduação de forma consorciada (UAB, 2012).
Ao plantar a semente da universidade pública de qualidade em locais distantes e isolados, incentiva o desenvolvimento de municípios com baixos IDH e IDEB. Desse modo, funciona como um eficaz instrumento para a universalização do acesso ao ensino superior e para a requalificação do professor em outras disciplinas, fortalecendo a escola no interior do Brasil, minimizando a concentração de oferta de cursos de graduação nos grandes centros urbanos e evitando o fluxo migratório para as grandes cidades (UAB, 2012, p.1).
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Esse projeto, por meio de parcerias com instituições públicas de ensino superior, tem como prioridade a capacitação de professores da educação básica (UAB, 2012).
Para Mill (2012) é indiscutível que a EaD se beneficiou com a UAB, pois passou a receber incentivo governamental por ser da vontade e do interesse políticos.
O governo federal, hoje por meio da CAPES, fomenta a atuação das Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) na oferta de cursos no âmbito da UAB para a realização de:
• Produção e distribuição do material didático impresso utilizado nos cursos; • Aquisição de livros para compor as bibliotecas;
• Utilização de Tecnologias de Informação e Comunicação para interação entre professores, tutores e estudantes;
• Aquisição de laboratórios pedagógicos;
• Infraestrutura dos núcleos de educação a distância nas IPES participantes; • Capacitação dos profissionais envolvidos;
• Acompanhamento dos polos de apoio presencial; • Encontros presenciais para o desenvolvimento da EAD.
Para tal, o custeio de todo projeto de curso a ser ofertado via programa UAB passa pela aprovação de uma planilha financeira com diversos parâmetros já estabelecidos. Além disso, o programa UAB remunera os profissionais que atuam nos cursos de formação inicial e continuada, e nos polos de apoio presencial do Sistema UAB, por meio de bolsas de estudo e pesquisa concedidas pela CAPES/MEC (UAB, 2012).
As bolsas, também, são alocadas previamente na planilha financeira, sendo estimadas com antecedência. Com isso, as IPES responsáveis por toda a parte pedagógica: elaboração, planejamento e execução do curso, busca estabelecer uma metodologia EaD capaz de atender aos parâmetros da UAB. As IPES, também, são responsáveis pela seleção e formação dos professores e tutores presenciais e a distância.
Já as prefeituras, são responsáveis por manter o polo de apoio presencial, quanto à infraestrutura e recursos humanos. Nele ocorrem os momentos presenciais, o acompanhamento e a orientação para os estudos, às práticas laboratoriais e as avaliações presenciais (UAB, 2012).
Segundo Belloni: “Nas últimas décadas, muito do que se escreveu, disse e fez em EaD baseava-se em modelos teóricos oriundos da economia e da sociologia industriais, sintetizados nos ‘paradigmas’ fordismo e pós-fordismo” (1998, p.7). Tais modelos têm
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influenciado tanto as políticas como as práticas de EaD tratando a modalidade como um processo industrial voltado para produção em massa, ensino em massa (BELLONI, 1998), ou seja, acreditando que um curso possa ser difundido independente de questões geográficas, sociais e/ou culturais.
Vale destacar nesta seção a importância em contextualizarmos o modelo UAB e em refletir sobre as implicações de sua adoção.
É verdade que no Brasil há uma grande demanda por vagas em cursos superiores, principalmente, no interior do país, pois a grande maioria das universidades está localizada em grandes centros, o que já se torna uma grande justificativa para a implantação do Sistema UAB. Outro aspecto importante é o fomento a EaD a cursos voltados para a formação de professores por meio da oferta de vagas em cursos regulares ofertados pelas IPES, que já possuem experiência do ensino regular presencial na oferta de cursos superiores.
O modelo UAB consiste em um modelo híbrido de EaD, pois utiliza principalmente as TICs, baseado na internet e na autonomia do aluno, mas pode fazer uso, por exemplo, do material impresso e de momentos presenciais para aplicação de avaliações.
Com base na demanda existente e no uso da tecnologia, particularmente o modelo UAB, fomentado pelo governo, se apresenta como uma alternativa para formação em massa por meio da oferta de um número grande de vagas. Entretanto, vale ressaltar que o modelo visa à otimização de diferentes recursos, tais como: produção e disponibilização de todo o material para outros cursos do sistema, estruturação de polos de apoio presencial para atendimento a diversos alunos de diversos cursos das várias IPES etc.
Uma fragilidade do modelo é o número grande de polos e a distância de alguns destes a instituição responsável pela oferta do curso. Quanto mais distante o polo mais difícil a realização de visitas, tanto para coordenadores de curso quanto para professores e tutores a distância, pois demandam muitas vezes um deslocamento com pernoite na cidade.
Nesses casos, é imprescindível a existência do tutor presencial para servir de ‘ponte’ entre o curso da IPES e a turma de alunos no polo. O tutor presencial passa a ser responsável por estabelecer um vínculo para acompanhamento da disciplina, e para, além disso, passa a ser responsável por estabelecer um vínculo afetivo entre instituição/curso/professor-tutor presencial e aluno e aluno-aluno visando à diminuição da evasão e/ou reprovação dos alunos no curso. Entretanto, nesse aspecto temos outra grande fragilidade no modelo, pois nem sempre encontramos no tutor presencial com características pessoais necessárias para o desempenho dessas atribuições.
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Outra questão importante a ser discutida consiste na remuneração por bolsa de pesquisa o que caracteriza o trabalho como ‘extra’, ou seja, deve ser desenvolvido além das várias atividades realizadas pelos professores na Ipes. Dessa forma, a dedicação passa a ser menor do que seria se houvesse a alocação por meio de um vínculo efetivo desses professores para o desempenho de suas funções nos cursos.
O vínculo estabelecido com o professor conteudista e/ou formador para atuar na modalidade a distância nos impede de ter um maior amadurecimento e aperfeiçoamento do modelo pedagógico, por meio de professores dedicados a pesquisa teórica e metodológica da EaD e a produção de materiais específicos visando, até mesmo, a atender alunos com necessidades especiais, que podem ter sua aprendizagem favorecida por meio do uso da tecnologia.
Várias são as competências e habilidades sendo construídas pelos professor- conteudista, professor-formador e professor-tutor no desempenho de seus papeis. Uma possibilidade de ganho a partir do modelo está em buscar estabelecer um fazer compartilhado e a construção coletiva dos saberes docente mediante uma prática colaborativa e cooperativa por meio da dialogicidade.
Entretanto, o modelo estabelece uma hierarquia entre os vários docentes responsáveis pelo processo ensino-aprendizagem de uma disciplina. A hierarquização fica estabelecida, até mesmo no valor pago como bolsa ao professor-tutor, pouco mais da metade do valor pago a um professor conteudista e/ou formador, como se sua função de mediação da aprendizagem não fosse de tão grande importância no processo de ensino-aprendizagem, dado que é a partir de uma mediação bem feita por um tutor que o aluno pode superar dificuldades e ser construtor de seu conhecimento.
Silva faz uma severa crítica quando afirma que:
A avalanche da oferta depara-se fatalmente com professores resistentes à modalidade ou com os excluídos digitais e procura locupletar-se com os chamados ‘tutores’, que proliferam não propriamente com status de professor. Mediante alguma desenvoltura operativa com a web, o ‘tutor’ sustenta o boom da oferta e alimenta a ausência da formação para docência online, uma vez que não deve atuar como docente e sim como ‘tira-dúvidas’ ou como administrador do feedback dos cursistas, em sistemas de tutoria que mais se aproxima da central de atendimento ou do call center (SILVA, 2012, p.12).
O professor-tutor é o mediador. É a partir da mediação que o conhecimento passa a ser construído, a partir da relação do aluno com o objeto de conhecimento e do aluno com o professor e/ou outros alunos. Temos que o modelo de ensino baseado na mediação reafirma a posição de destaque do tutor no processo de ensino-aprendizagem. Enquanto mediador o professor tutor tem que dominar o conteúdo da disciplina e para tal existe a exigência da
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formação para atender a área do curso cujas disciplinas serão tutoradas. Além de dominar o conteúdo, o tutor tem que dialogar com o professor sobre as atividades propostas e as dúvidas, para que juntos e em tempo, promovam ações que favoreçam o processo de ensino e aprendizagem.
Sendo assim, deveria haver um reconhecimento, uma valorização do professor-tutor dentro do modelo. A impressão que se tem é de que no modelo do Sistema UAB o tutor a distância foi pensado apenas como um ‘corretor de rota’ e ‘corretor de atividades’ para o aluno sugerindo-se que o aluno seria enquanto autônomo também um autodidata. Também podemos observar que o valor da bolsa sugere que, dada a quantidade de tutores necessários para atender ao modelo, esse se torna um fator econômico considerável para a oferta de um número elevado de turmas, favorecendo o modelo de massificação.
Nesse sentido, seria interessante que o tutor a distância participasse conjuntamente com o professor conteudista e/ou formador na discussão do currículo como um todo, colaborando na elaboração dos materiais didáticos, instrumentos de avaliação etc. Contudo, o apoio ao planejamento traria uma sobrecarga, ainda, maior ao tutor. No caso de uma melhor remuneração desse profissional este poderia dedicar mais tempo ao curso apoiando atividades em conjunto com o próprio professor conteudista e/ou formador. Dessa forma, poderíamos ter uma equipe de conteudistas, com mais troca de ideias em torno do processo de construção de conhecimento pelo aluno.
É importante buscar alternativas para que, apesar das fragilidades detectadas no modelo, se consiga estabelecer um diálogo entre os professores de forma a diminuir a hierarquia e seu engessamento, favorecendo, sobretudo, a valorização o professor-tutor dentro da estrutura. Nesse sentido, o planejamento e desenvolvimento da PIE tem buscado em sua concepção refletir e diminuir o impacto das fragilidades do modelo UAB procurando tirar proveito dos seus aspectos mais positivos.