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Capítulo 2: A Saúde em Portugal

2.2. A reestruturação do setor hospitalar

2.2.1. Modelos de gestão hospitalar no Serviço Nacional de Saúde

Desde a criação do SNS, foram introduzidas reformas na gestão hospitalar com o objetivo na maximização da eficiência nos hospitais, com vista à promoção da sustentabilidade do setor.

Os hospitais na visão de Peter Druker (1993) representam “a forma mais complexa de organização que alguma vez se tentou gerir”. O hospital é mais do que a sua vertente tecnológica, “dos diversos tipos de organização existentes, o hospital representa aquela que mais uso intensivo faz dos recursos humanos, capital, tecnologia e conhecimento” (Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, 2017, p. 5). Falar de governação hospitalar hoje em dia, ter-se-á obrigatoriamente que falar em empresarialização.

Para traduzir as preocupações decorrentes do incremento das despesas de saúde no Orçamento de Estado, é aprovada, em 1988, a lei de gestão hospitalar que enfatiza a necessidade da introdução de princípios de natureza empresarial, passando os hospitais do SNS a ter o estatuto jurídico de pessoas coletivas de direito público, dotadas de autonomia administrativa e financeira (Decreto-lei nº 19/88 de 21 de Janeiro).

Contudo, seriam identificados diversos constrangimentos à atividade do hospital público e numerosas ineficiências, em grande parte daí resultantes. Qualquer novo modelo de estatuto jurídico, que se viesse a constar nos hospitais do SNS, devia ser afastado do modelo tipo burocrático-administrativo que predominava e aproximar-se tendencialmente do modelo de instituto público com natureza empresarial, evidenciando autonomia de gestão, com possibilidade de se regular por normas e objetivos de direito privado (Nunes, 2016). A implementação progressiva de uma ampla rede de hospitais e de centros de saúde permitiu que Portugal adotasse um regime hospitalar em consonância com o panorama da União Europeia. Porém, se a nível de instalações e equipamentos a oferta estava de acordo com as necessidades, o desempenho do SNS no plano assistencial tinha-se demonstrado insuficiente. Parece evidente que, o modelo tradicional de gestão dos hospitais do SNS (hospitais do setor público-administrativo), ainda que denotasse alguns aspetos de elevada qualidade e produtividade, não permitiu satisfazer as necessidades de saúde da população,

nem tão pouco atingir totalmente os objetivos pretendidos: a equidade e a universalidade no acesso a cuidados de saúde de qualidade e a sustentabilidade financeira do sistema.

Ao longo dos anos, apesar do Estado português assumir grandes responsabilidades em termos de definição de políticas de saúde, verifica-se que em termos de atuação, tem sofrido importantes oscilações.

Foi desde sempre necessário olhar para o setor da saúde e principalmente para o subsetor hospitalar como um setor em que a importância da gestão se fazia imperar no tempo. A reforma da administração pública e os intensos debates relativos às funções do Estado são considerações importantes no setor da saúde, fundamentalmente pelas consequências que podem vir a apresentar na gestão e organização dos sistemas de saúde (Nunes & Harfouche, 2015).

Segundo Barros, Pereira e Simões (2008), no início do século XXI, o sistema de saúde português refletia os seguintes problemas: listas de espera cirúrgicas elevadas, com tempos de espera que excediam largamente o clinicamente aceitável; funcionamento inadequado dos cuidados de saúde primários que se traduzia, muitas vezes, no recurso desmedido às urgências hospitalares; sentimento generalizado de insatisfação por parte dos utentes e dos profissionais com o sistema público de saúde e crescimento descontrolado dos custos em saúde.

Assim, o setor da saúde com necessidade em aperfeiçoar a eficiência e a qualidade dos serviços tem sido alvo de transformações, que se concretizam pela introdução de modificações estruturais nos hospitais pertencentes ao setor público-administrativo e pela introdução de novas formas de administração.

Foi inevitável a adoção de modelos alternativos de gestão hospitalar numa tentativa de ultrapassar as deficiências existentes. Ao longo dos últimos 15 anos, implementaram-se novos modelos de gestão hospitalar, modelos que pretendem privilegiar o desempenho, a eficiência e a eficácia e também a sustentabilidade do sistema. A introdução sucessiva de sociedades anónimas, de parcerias público-privadas e de entidades público-empresariais enquanto evolução do modelo tradicional de instituto público, foi uma aposta no sentido de otimizar a utilização dos recursos humanos, técnicos e materiais.

Em termos de gestão, as diferenças entre hospitais constituídos por sociedades anónimas e hospitais com regime de entidade público-empresarial são praticamente inexistentes. Em ambos se aplica a gestão economicista da saúde, também conhecida por

empresarialização no setor dos cuidados de saúde, que constitui o primeiro passo para a privatização da saúde, na medida em que são aplicados os princípios da gestão privada, criando assim as condições que tornam mais fácil a sua entrega a grupos económicos privados.

Estas modificações concretizam-se pela instituição de “um sistema misto de serviços de saúde, onde coexistiam entidades de natureza pública, privada e social, agindo de forma integrada e orientado para as necessidades dos utentes” (Observatório Português dos Sistemas de Saúde [OPSS], 2003, p. 15).

A pretensão do Ministério da Saúde era abandonar o sistema público de caráter burocrático-administrativo e de tipo monopolista e adotar um sistema em rede de cuidados de saúde, envolvendo uma pluralidade de prestadores, através do desenvolvimento do modelo público contratual (OPSS, 2003).

Estas novas formas de administração consolidam-se pela introdução do conceito de empresarialização hospitalar. Estas modificações têm tradução numa circulação mais ampla relativa à restruturação dos sistemas de saúde europeus, que se exprime pela transformação do papel do Estado nos sistemas de saúde apoiado de início pelo setor privado na prestação de cuidados de saúde, não refletindo necessariamente uma privatização do setor da saúde (Saltman, Busse, & Figueras, 2004).