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Capítulo 2: A Saúde em Portugal

2.1. Serviço Nacional de Saúde

O direito à proteção da saúde em Portugal é assegurado através do sistema de saúde, que engloba todas as instituições e serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde (MS).

É de responsabilidade do Ministério da Saúde o planeamento, organização e regulamentação do sistema de saúde português, proporcionando visibilidade e tornando eminente o Programa Nacional de Saúde (PNS) e a estratégia nacional de qualidade em saúde (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico [OCDE], 2015). A implementação dos objetivos nacionais na proteção da saúde (tanto cuidados primários como hospitalares) e a responsabilidade financeira do SNS, é assegurada por cinco áreas regionais de saúde (ARS): Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve (OCDE, 2015).

Em Portugal é possível constatar que, perante a forte crise económica e financeira dos últimos anos, as políticas nacionais de saúde implementaram reformas estruturais no SNS cuja finalidade será alcançar a sustentabilidade financeira, melhorando a eficiência e a qualidade do sistema de saúde português (OCDE, 2015). Particularmente, o SNS integra todos os serviços e entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, designadamente: os agrupamentos de centros de saúde; os estabelecimentos hospitalares e as unidades locais de saúde.

Portugal tem vindo a controlar os gastos em saúde enquanto que, por outro lado, reúne esforços para prestação de cuidados de saúde de qualidade, a referir um maior controlo na aquisição de fármacos (introdução do medicamento genérico) e de equipamentos médicos. A ampliação, intensificação e padronização das reformas em saúde já iniciadas deverá ser um esforço reconhecido e que deverá ser mantido em Portugal, garantindo o crescente aumento da acessibilidade, eficiência, qualidade dos serviços, bem como, a própria satisfação dos profissionais de saúde como dos utentes (OCDE, 2015). Segundo Adalberto Campos Fernandes, ministro da saúde do XXI Governo Constitucional, “a saúde é um dos mais poderosos fatores de integração e coesão sociais, mas também de geração de riqueza e bem-estar” (Ministério da Saúde, 2018, p. 5).

Será importante referir que, as políticas de saúde em Portugal dirigem-se especificamente para a prestação de procedimentos clínicos, contudo regem-se de acordo com a utilização otimizada de recursos que apoiam a atuação dos diversos profissionais em saúde (OCDE, 2015).

Portugal tem sido, recentemente, reconhecido internacionalmente pelos resultados obtidos decorrentes da adoção de estratégias de ação específicas na resolução de muitos problemas. Citando Adalberto Campos Fernandes,

um país moderno, justo e centrado no desenvolvimento não pode deixar de considerar o seu sistema de saúde como um dos elos mais fortes na criação de bem-estar e de condições sociais e laborais favoráveis ao desenvolvimento das pessoas, mas também da economia (Ministério da Saúde, 2018, p. 5).

A União Europeia identifica 111 centros de referência no SNS, como unidades que garantem a prestação de cuidados de saúde altamente diferenciados, de elevada qualidade, eficazes e seguros, sendo que 30 integram redes europeias de referência (Ministério da Saúde, 2018).

É notório que, a primeira linha de ação para garantir a gestão contínua da doença crónica, a abordagem primária de cuidados na doença aguda, a promoção da saúde e prevenção da doença, se encontra assente nos cuidados de saúde primários, que atuam na imediação das populações. Foram igualmente notórias transformações sentidas nos cuidados de saúde hospitalares, com implicação ao nível jurídico e ao nível da organização da oferta e dos modelos de prestação de cuidados. Estas mudanças consentiram conjugar dois fatores

relevantes: a proximidade dos cuidados e a especialização dos mesmos. Outra mudança significativa no SNS ocorreu no início de 2006 com a criação da Rede Nacional dos Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). É pretensão a recuperação global da pessoa com perda de autonomia e dependência de terceiros. A RNCCI permite uma articulação eficaz entre os cuidados de saúde primários e os cuidados de saúde hospitalares (Ministério da Saúde, 2018).

O SNS tem passado nos últimos anos, por diversas reformas estruturais com objetivo de maximizar a eficácia da resposta e otimização da qualidade dos cuidados de saúde. Acordos foram elaborados entre o setor público e privado, estando assente num regime de complementaridade de prestação de cuidados aos utentes. Esta complementaridade pretende responder às necessidades do SNS, aumentando a rede nacional de cuidados de saúde, mantendo e respeitando os princípios da equidade, complementaridade e liberdade de escolha dos utentes, bem como da transparência, igualdade e concorrência. Esta simbiose encontra-se alicerçada em objetivos bem clarificados e enquadrada em relações eficazes de custo-benefício.

O SNS nasceu de forma a capacitar Portugal com um regime de saúde tendencialmente gratuito, alicerçado no contexto económico e social dos cidadãos, garantindo um acesso geral e universal aos cidadãos no direito à proteção da saúde. Passados anos, o objetivo mantém-se praticamente inalterável, contudo o SNS tem vindo recentemente a ser colocado à prova, numa procura cada vez mais crescente de cuidados de saúde. É francamente notório que a esperança média de vida aumentou nos últimos anos, a tendência para a implementação da inovação tecnológica urge e a consciência de que os cidadãos estão cada vez mais exigentes e mais informados e com elevadas expectativas no que diz respeito ao seu estado de saúde é uma certeza.

De acordo com a publicação Retrato da Saúde 2018 é de salientar que,

as prioridades são claras: prestar cuidados de saúde de excelência, reduzir as desigualdades no acesso à saúde e reforçar o poder do cidadão no seio do SNS, numa lógica de defesa de princípios como a transparência, a celeridade e a humanização dos serviços (Ministério da Saúde, 2018, p. 45).

A nível hospitalar, verificou-se que a adoção de medidas de reorganização interna tem tido resultados positivos na resposta aos utentes, consubstanciadas em melhores resultados

em saúde para os cidadãos e em elevados níveis de eficiência e eficácia na gestão e governação clínicas (garantindo maior transparência, responsabilização, prestação de contas e centralidade no cidadão e na sua família).

Perante o anteriormente explicitado, leva a que se julgue pertinente a introdução de considerações que remetem para a criação e evolução do SNS até aos dias de hoje.

Previamente à constituição do SNS (antes de 1974), a saúde em Portugal era suportada por diversas entidades a identificar: as misericórdias (entidades de solidariedade social) que detinham a responsabilidade de gestão das diversas instituições hospitalares em todo o país; os serviços médico-sociais que incidiam a sua atividade de prestação de cuidados em saúde aos beneficiários da federação da caixa de previdência; os serviços de saúde pública que se dirigiam especificamente para a proteção da saúde (vacinação, proteção materno-infantil, manutenção do saneamento ambiental); os hospitais estatais centrais concentrados nos grandes centros urbanos (gerais e especializados) e as instituições de saúde que prestavam serviços privados, cujo acesso se dirigia a estratos sociais mais elevados (Baganha, Ribeiro, & Pires, 2002).

Com a constituição do SNS, foram integradas políticas e normas governamentais sustentadas no modelo beveridgiano2, posteriormente publicadas na Lei de Bases do SNS (Ferreirinho et al., 2013). Neste processo contínuo de organização e planeamento do sistema de saúde português com o desenvolvimento do SNS, foram identificadas por Ferreirinho et

al. (2013) e Campos e Simões (2011) sete fases diferentes as quais se apresentam de seguida:

• a primeira fase encontra-se circunscrita desde 25 de abril de 1974 até ao final dos anos 70 e é considerada como a “fase otimista e de consolidação normativa do SNS”. O direito à proteção da saúde foi instituído pela criação de um SNS universal, geral e gratuito, tendo sido estabelecida como obrigatoriedade estatal a orientação para a socialização da medicina e dos setores médico-medicamentosos.

• em 1979, foi constituído pelo artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa o primeiro modelo de regulamentação do SNS, sendo explicitado um conjunto coerente de princípios: direção unificada do SNS, gestão descentralizada e

2 Este modelo perspetiva o princípio da cobertura universal, com o financiamento através do pagamento de

impostos pelos contribuintes. O Estado apresenta-se como entidade principal do sistema com introdução de diferentes tipos de gestão da administração pública, criando parcerias com o sector privado e/ou optando por estruturas tipo empresarial. Os poderes públicos estão diretamente envolvidos no planeamento e na gestão dos serviços de saúde. Seguem este modelo os países Reino Unido, Irlanda, Suécia, Itália, Dinamarca

participada, gratuitidade e caráter complementar do setor privado. Neste contexto histórico faz sentido salientar que, foi notória uma melhoria substancial de alguns dos indicadores de saúde fundamentais, pela ampliação verificada na cobertura dos cuidados de saúde à população portuguesa (p.e. redução da taxa de mortalidade infantil em Portugal).

• no início dos anos 80, no decorrer de várias discussões sobre a sustentabilidade, procurou-se estabelecer um modelo alternativo para o SNS. Contudo, após a revisão Constitucional de 1982, os princípios do SNS foram mantidos. Posteriormente em 1989, com a segunda revisão Constitucional surgiu um SNS tendencialmente gratuito afastando a possibilidade da gratuitidade total. Tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, foram introduzidas taxas moderadoras (Nunes & Harfouche, 2015). Com a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90 de 24 de Agosto, o Ministério da Saúde ficou a ser o responsável pela definição da política nacional de saúde e sublinha na Base I, que o direito à saúde é da responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, pois a responsabilidade de desenvolvimento socioeconómico de um povo não é apenas dos governos, mas sim de todos os cidadãos e das suas organizações profissionais, civis, culturais e políticas.

• na terceira fase, balizada entre 1985 e 1995, foram iniciadas e propostas pelo governo novas ideologias centradas numa perspetiva de mercado, ou seja, melhoria da eficiência conseguida pela “competição entre prestadores”. O aparecimento de políticas de prioridades, escolhas e limites nos cuidados públicos de saúde, caracterizou este período.

• entre os anos de 1995 e 2001, foram presentes iniciativas que tenderiam para aproximar o Estado dos cuidados de saúde, constatando-se a intervenção estatal como uma prioridade e a necessidade de investimento no SNS, pela emergência do modelo bismarckiano3.

3 No modelo Bismarck existe uma orientação mais direcionada e mais expressiva aos valores empresariais,

com a utilização de mecanismos de gestão empresarial. As funções do Estado têm por base os critérios gerais de atuação dos seguros de saúde e da prestação de cuidados, com medidas que promovem a contenção de custos, acreditação, qualidade de serviços prestados, na gestão dos hospitais públicos e no financiamento de cuidados para aqueles que não usufruem de sistemas de seguros. Alemanha, França, Áustria, Holanda e

• a quinta fase circunscrita entre os anos 2002 e 2005, tenderia a centralizar-se numa perspetiva de um sistema misto, em que se procurava estabelecer relações de complementaridade entre o setor público, o setor privado e o setor social. A organização do SNS era sustentada na relação entre as redes de cuidados de saúde primários, de cuidados continuados e de cuidados diferenciados. Assim, constitui- se uma ideologia baseada na coexistência das iniciativas públicas, sociais e privadas, reguladas por uma entidade independente e autónoma — a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Foi neste período que foi publicado o diploma que vinha a regulamentar o estabelecimento de parcerias em saúde, com programas gestão e financiamento privados entre o Ministério da Saúde e outras organizações integradas no SNS. Neste período, foi ainda aprovado o Plano Nacional de Saúde 2004-2010 que evidenciava o aprofundamento dos conhecimentos de planeamento em saúde, particularmente por diretrizes conduzidas pelas organizações internacionais: União Europeia (UE), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). O conteúdo deste programa com a introdução de metas e indicadores, permitiu a introdução de métodos de monitorização e controlo, com a criação de diferentes instrumentos que fornecem e analisam a informação sobre saúde.

• Os anos entre 2005 e 2011 correspondem a uma sexta fase. No programa governamental, foram definidos objetivos que passaram pela criação das unidades de saúde familiar (USF), da rede de cuidados continuados e integrados e a proposta de medidas que permitissem garantir a sustentabilidade do SNS (medidas relacionadas com a política do medicamento e acordos com meios complementares de diagnóstico e terapêutica estabelecidos entre o SNS e prestadores privados). Neste período, foi oficializada a função de Observatório de Saúde, passando a ser uma função transversal a diferentes organismos da saúde. Este conceito proporcionou o desenvolvimento de instrumentos e SI relativos ao estado de saúde da população, que nem sempre atenderam na reestruturação e reorientação de objetivos e metas. De acordo com o citado por Ferreirinho et al (2013), o avanço das tecnologias de informação aparenta não ter tido impacto no desenvolvimento, na análise, na reflexão, nem na utilização desta informação para definir prioridades e políticas de saúde. Com o objetivo de implementar, monitorar e avaliar o Plano

Nacional de Saúde 2004-2010 foi criado neste período o Alto Comissariado da Saúde (ACS). Esta organização solicitou à OMS-Europa uma apreciação do Plano Nacional de Saúde 2004-2010 e do desempenho no sistema de saúde (World Health

Organization [WHO], 2010). Este organismo iniciou a estruturação do Plano

Nacional de Saúde 2012-2016, contudo foi extinto em 2011, não permitindo a conclusão deste plano estratégico de política nacional de saúde.

• A sétima fase, tem origem em 2011 e chega até aos dias de hoje. Inicia-se com a assinatura do Memorandum de Entendimento (ME), entre o Governo Português, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional. Era criado um conjunto de estratégias de política económica com base na atribuição de ajuda externa a Portugal. Neste documento foram discriminadas e reforçadas medidas que já se encontravam em curso (criação de unidades de saúde familiar, atualização e aumento de taxas moderadoras, introdução de políticas empresariais nas unidades hospitalares e a continuidade da política de medicamentos genéricos e de redução dos custos de distribuição de medicamentos nas farmácias de venda ao público).

A génese e evolução do SNS com sensivelmente mais de 40 anos (Serviço Nacional de Saúde, 2018a), é considerado um dos maiores acontecimentos da democracia portuguesa, reunindo esforços notáveis por todo o país: criação de hospitais que disponibilizam várias especialidades médicas e cirúrgicas, melhoraram os serviços de saúde pública (combatendo as ameaças de saúde às populações), criou-se uma rede de centros de saúde no país (respondendo às necessidades de cuidados de saúde primários), promoveu-se a proteção da saúde e a prevenção da doença, constituíram-se os cuidados continuados (garantindo o apoio a pessoas que no decurso da doença de tornaram dependentes de terreiros).

Todos estes quatro setores da saúde têm vindo a ser alvo de reestruturações e melhorias ao longo dos últimos anos:

• relativamente à saúde pública adotou-se o Plano Nacional de Saúde – criaram-se, a partir das unidades de saúde pública dos centros de saúde, planos locais de saúde; • verificou-se uma reorganização dos centros de saúde em unidades de saúde

familiar, unidades de cuidados de saúde personalizados, unidades de cuidados na comunidade, unidades de saúde pública e unidades de recursos assistenciais

partilhados – garantindo um melhor acesso dos cidadãos à prestação de cuidados de saúde;

• nas unidades hospitalares foram introduzidos os conceitos de cirurgia em regime de ambulatório e de hospital de dia – diminuindo o número de internamentos desnecessários;

• ao nível dos cuidados continuados verifica-se um aumento crescente e diversificação na sua estrutura de resposta.

Vários têm sido os processos evolutivos no setor da saúde incluindo o estabelecimento de procedimentos de complementaridade entre o SNS e os serviços de saúde privados (farmácias, laboratórios de análises clínicas, meios complementares de diagnóstico e terapêutica), bem como com o setor social (bombeiros e misericórdias).

Apesar de todas as reestruturações efetuadas no setor na saúde, no início do novo milénio, Portugal apresentava ainda inúmeros problemas, nomeadamente o aumento de custos do SNS, a baixa produtividade e a falta de SI adequados.

A contenção da despesa do Estado e a necessidade de se proceder a fortes cortes orçamentais em determinadas áreas da intervenção pública, são apontados como medidas essenciais à consolidação das contas públicas e ao cumprimento das metas do Programa de Estabilidade e Crescimento. Os objetivos orçamentais parecem assumir uma preponderância fulcral, parecendo mesmo ofuscar o objetivo das organizações públicas que é o de servir o interesse público (Cortes, 2016).

O SNS muito tem evoluído nos últimos anos, sendo evidenciadas crescentes evoluções a nível de eficiência, de acesso, de qualidade e de sustentabilidade. O modelo em Portugal do SNS visa garantir, da melhor maneira, os valores do acesso, da equidade e da solidariedade social.