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Modelos de Sobrecarga dos Cuidadores

5. CUIDADORES INFORMAIS

5.3. Modelos de Sobrecarga dos Cuidadores

Múltiplos trabalhos referem a sobrecarga sem a definir, ou na melhor das hipóteses, definem-na sem lhe atribuir um modelo teórico. Se vamos utilizar o conceito de sobrecarga do cuidador, precisamos de modelos que expliquem a sua dinâmica, que nos permitam colocar hipóteses quanto às suas causas, e formular e testar alternativas para o seu apaziguamento.

Os modelos que procuram explicar a sobrecarga do cuidador como uma forma específica de stresse, recorrendo aos modelos pré-existentes de stresse, parecem-nos proporcionar fundamento teórico apropriado para a situação do cuidar, dado que estabelecem uma ponte entre os acontecimentos e as reacções do indivíduo.

5.3.1. O Stress Process Model de Pearlin.

À semelhança do modelo de stresse (Lazarus & Folkman, 1984) Pearlin et al. (1990) desenvolvem um modelo de sobregarga do cuidador a partir de três

componentes: os stressores, os recursos pessoais, e o contexto. Pearlin et al. adaptam o modelo do stresse à situação do cuidar, nomeando-o como Stress Process Model (SPM). Neste modelo, para além dos stressores primários, são ainda considerados os stressores secundários. Pearlin et al. falam em stresse do cuidador , e referem-se à sobrecarga como um stressor primário de natureza subjectiva. Stressores primários são os que resultam directamente das solicitações e necessidades da pessoa demenciada, e que são causados pela demência, tais como o défice cognitivo, as alterações de comportamento, e a vigilância e esforço a que obrigam, ou as actividades que a pessoa cuidada deixou de conseguir fazer sem assistência. Mas os stressores primários são também os que

resultam de apreciações subjectivas do cuidador, tais como a sobrecarga, ou a privação relacional (Pearlin, et al.).

Tabela 3: Stressores primários de Pearlin Objectivos Défice cognitivo Alterações de comportamento Dependência Subjectivos Sobrecarga Privação relacional

Os stressores primários na demência provavelmente serão persistentes e com tendência a agravarem ao longo do tempo, o que irá desencadear outros factores de stresse, que Pearlin et al. (1990) designaram como secundários, dividindo-os em tensões relacionadas com a função, e em conflitos intrapsíquicos.

Nas tensões relacionadas com a função, surgem os conflitos com outros elementos da família, tais como o desacordo quanto à origem da incapacidade do doente, ou à sua gravidade, ou quanto às estratégias apropriadas para lidar com isso. Os conflitos também podem surgir em relação com a quantidade ou qualidade dos cuidados dispensados pelos vários elementos da família, ou ainda a propósito do reconhecimento dado ao cuidador pelo seu esforço e desempenho. Também é frequente a existência de conflito de tempo entre a função de cuidar e outras ocupações pessoais ou profissionais.

Poderão surgir, redução nos rendimentos do agregado familiar, aumento das despesas relacionadas com os cuidados à pessoa demenciada, os rendimento disponíveis deixarem de ser suficientes para as despesas, o que pode ser uma situação de novo, ou o agravamento de um problema já existente.

Os conflitos intrapsíquicos, o último passo neste processo, englobam baixa de auto-estima, perda de controle sobre a sua vida, que, no caso do cuidar, provêm do

aprisionamento na função, que ocorre frequentemente de forma involuntária, da perda do self do cuidador, por arrasto com a perda de capacidades de uma pessoa que tinha um papel importante na sua vida, do sentimento de (in)competência, ou do sentimento de ganho (ou perda) existencial.

Tabela 4: Stressores secundários de Pearlin

Relacionados com a função

Familiares

Outras funções (trabalho) Empobrecimento financeiro Empobrecimento social e lúdico

Intrapsíquicos

Aprisionamento na função

Auto-estima Perda do self

(in)competência

Controle sobre a sua vida Ganho / perda existencial

É consensual que as pessoas são diferentemente afectadas por stressores idênticos, e isso é habitualmente explicado pelo papel dos modeladores (Li, Cooper, Bradley, Shulman, & Livingston, 2012). Embora seja de esperar que essas diferenças não se devam apenas aos modeladores, eles terão certamente algum peso. Pearlin et al. (1990) consideram como modeladores o coping e o apoio social, e chamam a atenção para a sua importância, não tanto nos factores primários des stresse, mas sobtretudo nos factores secundários, onde poderão ser relevantes na limitação da sua proliferação.

Figura 2: Stress Process Model de Pearlin et al. (1990)

Salientamos neste modelo de Pearlin et al. (1990)a conceptualização dos factores de stresse em primários e secundários, o que nos parece adequar-se à natureza

prolongada no tempo do cuidar de uma pessoa com demência, e assim melhor explicar a sucessão de fenómenos objectivos e subjectivos, e os seus efeitos de retro-alimentação positiva ou negativa.

Cuidador

Recursos pessoais Contexto Stressores primários Modeladores Stressores secundários CONSEQUÊNCIAS Emocionais Físicas Sociais

5.3.2. O modelo de sobrecarga de Lawton.

O modelo de sobrecarga de Lawton, Moss, Kleban, Glicksman e Rovine (1991) salienta a permanente avaliação que o cuidador faz de todas as fases e componentes do processo, incluindo a avaliação que faz de si próprio. Identificamo-nos com este modelo, na medida em que considera que todo o processo de sobrecarga é

subjectivamente apreciado. Este modelo tem ainda uma componente adicional, ao considerar que no processo de cuidar não existe, para o cuidador, apenas a sobrecarga, mas também elementos de satisfação.

Na nossa opinião, embora possamos questionar a utilização do termo satisfação, consideramos que o cuidar pode ser uma experiência com uma dimensão humana enriquecedora para o cuidador. De qualquer forma, entendemos esta referência à presença de satisfação, como uma chamada de atenção para os aspectos relacionais no cuidar. No entanto, a questão relacional não é mais explorada neste modelo.

5.3.3. A dimensão relacional (ou interpessoal) entre cuidador e cuidado.

Os modelos anteriormente discutidos, estabelecem uma base teórica em que são considerados aspectos subjectivos do cuidador, e a natureza prolongada no tempo da função de cuidar, e dessa forma, permitem abarcar um vasto conjunto de fenómenos objectivos e subjectivos que podem surgir no processo de cuidar de uma pessoa com demência mas, embora levantem a questão dos aspectos relacionais entre cuidador e cuidado, acabam por não se deter sobre eles. A dimensão interpessoal entre cuidador e cuidado é considerada apenas como antecedente, como precursora da situação actual, mas não como continuando a existir na situação actual. Quando o processo de cuidar é considerado no presente, apenas se fala em desvanecer da relação, a relação pela sua ausência, pelo que resta do que antes existia, como se nada mais de novo pudesse

acontecer entre as pessoas a partir do início do processo demencial. Quando é referida a relação entre cuidador e cuidado ao longo do processo de cuidar, é-o apenas nos seus aspectos instrumentais, como a qualidade dos cuidados, a prevenção e o controle das alterações de comportamento, a preservação da autonomia, das capacidades cognitivas e do self. Esta abordagem mais instrumental, mesmo para cuidadores profissionais, parece-nos uma abordagem parcial da sua experiência, mais ainda o será para os cuidadores familiares. A relação entre cuidador e cuidado é um processo dentro do processo de cuidar, e, admitimos, estes aspectos interpessoais entre cuidador e cuidado, poderão ter um peso significativo no desencadear do desgaste nos cuidadores.