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O Contributo da Abordagem Centrada na Pessoa

10. AMOSTRA E RESULTADOS

10.5. O Contributo da Abordagem Centrada na Pessoa

As dificuldades do cuidador resultam em parte da própria situação do cuidar, mas também em alguma parte do estado de incongruência do cuidador, que tentaremos compreender no contexto da relação com o cuidado, com o contributo da teoria da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP).

Parece-nos o modelo da ACP pertinente para descrever o processo de cuidar, em particular quando pretendemos salientar os aspectos relacionais do cuidar, dado ser um modelo que integra elementos da vivência psicológica individual e relacional. Esta dimensão da relação interpessoal levar-nos-á também à questão do luto antecipatório e da exaustão do cuidador.

A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) constroi o seu modelo do desenvolvimento a partir do conceito de tendência actualizante, segundo o qual a direcção natural de um organismo é o seu desenvolvimento em direcção à realização do seu máximo potencial, o que no humano significaria crescer, desenvolver-se, evoluir continuamente, fazer coisas construtivas, relacionar-se com os outros de forma

respeitadora, enriquecedora, caminhar para a plena realização das suas potencialidades, caminhar para o indivíduo plenamente funcionante (Hipólito, 2011).

As dificuldades que possam surgir nesta caminhada, são manifestações da existência de obstáculos à actuação da tendência actualizante, pelo que o papel da terapia será de remoção destes obstáculos, por outras palavras, de reposição da actuação

da tendência actualizante. A tendência actualizante pode ver-se condicionada tanto por factores externos ao indivíduo como por factores internos. O processo intrínseco ao estado psicológico do indivíduo, que condiciona a tendência actualizante, designa-se por (in)congruência. A relação de ajuda contribui, através da aceitação incondicional

positiva, para o retomar da congruência. Para expressar a aceitação incondicional positiva, deverá o terapeuta habitar o espaço subjectivo do outro, o que conseguirá através do exercício da empatia.

Num indivíduo (B) com alguma perturbação no seu desenvolvimento, portanto na actuação da tendência actualizante, intervém um outro indivíduo A, que mercê do exercício da empatia, transmite a aceitação incondicional positiva, e dessa forma criam- se as condições psicológicas para o retomar da tendência actualizante. Entre A e B cria- se um espaço relacional interpessoal.

Cabe-nos neste momento perguntar, será a terapia unidirecional? Apenas ocorrem “coisas” de A para B? Talvez sim, se estivermos a pensar na disponibilidade. Nunca, se estamos a considerar a comunicação. O fluxo de informação é sempre bidirecional, o que faz com que numa interacção de ajuda as “coisas” da comunicação fluam em ambos os sentidos.

FIGURA 23: O espaço interpessoal na relação de ajuda B Empatia Aceitação A Espaço Interpessoal

A teoria da terapia de Rogers e Kinget (1977), aqui sintetizada em poucas linhas, pode também aplicar-se a todas as outras situações de relação interpessoal em que haja lugar a uma interacção de ajuda, o que significa praticamente todas as relações

humanas, desde relações psicoterapêuticas, relações médico-doente, relações familiares, relações de ensino, relações de trabalho, e naturalmente também às relações entre cuidador e cuidado.

Nas relações interpessoais não profissionais, por exemplo nas relações

conjugais, ou na relação pai-filho, embora cada indivíduo siga a sua tendência pessoal para o desenvolvimento, também existe entre ambos um espaço interpessoal, habitado por aspectos comuns ou partilhados da sua tendência para o desenvolvimento, da sua capacidade empática de habitar a subjectividade do outro, onde poderão também surgir dinâmicas de ajuda, num sentido ou no outro, que poderão enriquecer ou perturbar o espaço interpessoal (Gordon, 1998). Entre A e B ocorrem interacções de ajuda que, para além do beneficío que poderão proporcionar àquele a quem se dirigem, têm também um efeito, positivo ou deletério, na relação.

Espaço Interpessoal

FIGURA 25: As interacções de ajuda entre duas pessoas FIGURA 15: Espaço

interpessoal fora da relação de ajuda

A B

Espaço Interpessoal Interacções de ajuda

Rogers formulou as condições necessárias e suficientes da terapia (Rogers, 1957), e por analogia da interacção de ajuda, nomeadamente a necessidade do cliente, ou do receptor de cuidados, se aperceber da compreensão empática e da aceitação do terapeuta, ou do cuidador. Falta-nos perceber quais serão as condições necessárias e suficientes para a não exaustão do terapeuta, ou do cuidador.

Cremos que essa condição se encontrará na confirmação, ainda que parcial, do acerto entre a compreensão empática do terapeuta/ cuidador e a vivência subjectiva do cliente/ cuidado. Esta hipótese permite-nos pensar que a exaustão do terapeutua/ cuidador poderá provir do desacerto da sua compreensão empática ou da

impossibilidade de ter confirmação desse acerto.

Isto leva-nos a formular a existência de quatro padrões de confirmação do acerto da compreensão empática, cada um com as suas consequências sobre a exaustão do terapeuta/ cuidador.

Padrão 1

A compreensão empática é adequada, bem como a compreensão desse facto. A informação sobre o nível de compreensão na relação (meta-comunicação) mantém-se fluída entre os dois intervenientes.

A relação de ajuda é efectiva, e B mantém-se confortável na relação e no papel de ajuda. A relação entre A e B progride.

Padrão 2A Confirmação efectiva desse facto Adequada compreensão empática Indivíduo A Indivíduo B

Figura 26: Compreensão empática e sua confirmação: Padrão 1

A compreensão empática é adequada, mas a confirmação desse facto não é efectiva por défice comunicacional de A. A relação de ajuda é efectiva mas tende a degradar-se. Esta será a provável situação de um cuidador informal de um doente com demência, que tinha uma relação prévia com o outro com quem agora está em situação de ajuda. A comunicação entre ambos fluía habitualmente nos dois sentidos, e a posição era variável. Qualquer um deles poderia estar na posição A ou B. Qualquer um poderia estabelecer uma compreensão empática do outro, e receber a informação de retorno confirmando-o. Os momentos de ajuda, num sentido ou no outro, eram mutuamente enriquecedores, e a relação entre ambos progride. Condicionados pela doença, os elementos desta díade começam a fixar-se em uma das posições, readaptando-se à nova situação e conseguindo, pelo menos no início, manter a comunicação em ambos os sentidos, e dessa forma a ajuda ocorre, o cuidador mantém-se confortável, e a relação progride. A viragem nesta situação surge quando se rompe a circulação de informação entre A e B, o que pode ocorrer pela diminuição das competências comunicacionais de A, e pela dificuldade de A integrar novas vivências que vão surgindo. O treino de capacidades comunicacionais, nomeadamente das capacidades não verbais, ou mesmo pré-verbais (Prouty, 1994), poderá ajudar B a manter a compreensão das comunicações de A, apesar de elas serem agora mais incipientes. A procura das necessidades mais básicas, mais instintivas, iluminada com a perspectiva de Maslow, poderá ajudar B no exercício da empatia, e dessa forma manter-se, ainda que temporariamente, a

Padrão 2B

A compreensão empática é adequada, mas a confirmação desse facto não é efectiva pela não compreensão de B. A relação de ajuda é efectiva, mas B fica

desconfortável na relação. A relação entre A e B degrada-se e tende a extinguir-se. Tal será o que pode ocorrer ao profissional de ajuda com pouca formação, pouca

experiência, ou pouco apoio de profissionais mais experientes. Partindo de uma situação de disponibilidade, realiza uma adequada compreensão empática do outro, mas não capta os sinais do outro que o confirmam, por estes não serem tão explícitos quanto o indivíduo B precisaria para os compreender. Esta situação poderá melhorar com mais treino de B em competências comunicacionais.

Confirmação não efectiva por não compreensão de B Adequada compreensão empática Indivíduo A Indivíduo B

FIGURA 28: Compreensão empática e sua confirmação: Padrão 2B

Confirmação não efectiva por défice comunicacional Adequada compreensão empática Indivíduo A Indivíduo B

Padrão 3

Será o caso em que o espaço subjectivo de A não é acessível para B, mas B não se apercebe disso, a não ser secundariamente. Esta é a situação que poderá ocorrer em situações de indivíduos com traços psicopáticos da personalidade. A compreensão empática não ocorre, a ajuda não é efectiva. Ocorre sim uma pseudoconfirmação da compreensão empática. A pseudoconfirmação pode ser intencional, em situações de ganho secundário, ou ser apenas um padrão de relacionamento alheado da

subjectividade do outro. A relação não progride.

Um maior treino e experiência de B na confirmação da adequação da sua compreensão empática, poderá contribuir para uma maior consciência da situação.

Padrão 4

O espaço subjectivo de A não é acessível a B, que desde logo se apercebe disso. A compreensão empática não é efectiva, nem tão pouco a confirmação disso. Esta será a situação de alguns casos de psicose, com delírio bizarro, com alucinações verdadeiras, ou alterações da vivência do eu ou da posse do pensamento. A ajuda não é efectiva, a relação degrada-se. Poderá aqui ser útil a utilização da comunicação pré-verbal (Prouty,

Pseudoconfirmação Compreensão empática não efectiva Indivíduo A Indivíduo B

FIGURA 29: Compreensão empática e sua confirmação: Padrão 3

1994), e ainda a procura de traços de compreensibilidade por aproximação, a partir da experiência clínica pessoal ou adquirida nos textos psicopatológicos, isto é, a

experiência e a formação psicopatológica de B.