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Um Modelo Adaptado de Sobrecarga do Cuidador

5. CUIDADORES INFORMAIS

5.5. Um Modelo Adaptado de Sobrecarga do Cuidador

Partindo do modelo apresentado por Sörensen e Yeates (2011), reformulando os factores envolvidos com base na literatura revista, e considerando o conceito de factores de stresse secundários, chegamos ao modelo de stresse no cuidador que apresentamos de seguida.

No nosso modelo começamos por considerar as características biológicas, psicológicas e sociais do cuidador que se considera poderem afectar o seu desempenho e sobrecarga.

Nos factores biológicos do cuidador consideramos a idade, género (Mills, et al., 2009), e estado geral de saúde e de autonomia, como determinantes da capacidade física e de resistência para se adaptar às novas funções.

Nos factores psicológicos do cuidar entramos em consideração com o grau de parentesco com o doente (Garrido & Menezes, 2004), a qualidade da relação prévia, com a personalidade do cuidador, e com a presença de sintomatologia depressiva (Vitaliano, et al., 2009).

Nos factores sociais do cuidador atendemos à sua escolaridade e conhecimentos sobre a doença, como factores geradores de compreensão e de actuação mais esclarecida e serena. Tal como referido em estudos prévios (Sörensen, et al., 2002), e como

frequentemente os próprios cuidadores referem, em particular as mulheres, a experiência prévia de cuidar associa-se a sentimentos de maior segurança. Os

cuidadores têm tendência a pouco usar os recursos comunitários , mas em meio rural as solidariedades ocorrem de forma mais natural (Rodrigues, 2007), e a necessidade de

vigilância pode não ser tão intensa e permanente. A disponibilidade de recursos financeiros permite implementar soluções facilitadoras, quer de equipamento quer de auxílio humano.

Nos factores de stresse primários, que resultam directamente das incapacidades e necessidades do cuidado, consideramos as situações que causam ocupação de tempo, tarefas adicionais, a necessidasde de lidar com alterações de comportamento, e o luto antecipatório. O tempo e as tarefas dependem da autonomia do cuidado, e poderão ficar ainda mais comprometidas com a ocorrência de alterações do comportamento. A natureza crónica, debilitante, irreversível, com deterioração do estado mental, leva a uma perda progressiva do cuidado e ao sentimento de luto, mesmo durante o processo de cuidar (Vitaliano, et al., 2003). A duração do processo amplifica a dimensão dos factores anteriores, e cria as condições para o aparecimento das consequências do stresse crónico.

Os factores de stresse secundários, que dividimos em biológicos, psicológicos e sociais, surgindo no decurso do processo, vêm agravar a situação do cuidador.

Ao nível biológico consideramos o agravamento do estado de saúde decorrente do stresse crónico, com repercussões na hiperexcitabilidade do sistema nervoso simpático, no estado metabólico, na coagulação e consequentemente no risco cárdio- vascular e na carga alostática, no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal e sistema imunitário, e no envelhecimento cerebral (Fonareva & Oken, 2014). Consideramos ainda as

alterações do sono (von Känel R. , et al., 2012) e da cognição (Oken, Fonareva, & Wahbeh, 2011), que sendo embora fenómenos de causa multifactorial têm também componente biológica.

Ao nível psicológico colocamos no nosso modelo a alteração de papeis na relação, inevitável no decurso da demência, seja o cuidador cônjuge ou filho, o

desconforto com o papel de cuidador, e o empobrecimento da relação com o outro. Cuidar tanto desperta sentimentos positivos como negativos no cuidador. A

irreversibilidade, a dependência, o prolongar da situação, favorecem o aparecimento de sentimentos negativos (Hauser, Rabow, & Adamas, 2004). As pesoas tornam-se cuidadoras por dever, disponibilidade e solidariedade, sendo a sua decisão modelada pelo contexto social e religioso em que se situam (Caldas, 2002). A sua vida é sujeita a uma mudança, com maior ou menor sacrifício dos seus projectos pessoais, o que afecta também o sentimento de ter tomado uma decisão livre ou imposta e qual o conforto com essa situação (Fernandes, 2002). O empobrecimento da relação com o cuidado, ou na melhor das hipóteses o preservar de uma ligação afectiva, com perda das componentes mais intelectuais da interacção, a existência de conflitos familiares que surgem de novo, ou pelo reacendimento de velhas disputas e ressentimentos, causando uma sobrecarga adicional no cuidador. Por fim a depressão com o seu conhecido cortejo de

consequências negativas no cuidar, no bem-estar do cuidador, e até no seu estado de saúde e cognitivo.

As consequências a nível social são o maior isolamento, a diminuição do tempo de lazer, e a perturbação do desempenho profissional.

Do estado inicial do cuidador e da acção destes factores de stresse, resulta um novo estado para o cuidador, do qual nos parece pertinente observar os aspectos que mais poderão influenciar no futuro desempenho e bem-estar do cuidador, a saber, o seu estado de saúde, o seu estado psicológico, onde entrarão o conforto com o papel de cuidador, e a depressão, e a manutenção de uma rede social que contribua para o bem- estar e desempenho do cuidador.

Sobre este estado do cuidador, continuarão a exercer o seu efeito os stressores primários e secundários atrás referidos, a que se poderão juntar novos factores de

agravamento ou melhoria, traduzindo-se em agravamento ou melhoria das características de base do cuidador ou dos factores de stresse.

Julgamos que é neste conjunto de factores de stresse que um serviço de psiquiatria com intervenção na demência deve focar as suas intervenções especificamente dirigidas aos cuidadores, potencializando as suas competências específicas, em particular nos factores de stresse de ordem psicológica. Sendo estes apenas uma parte da intervenção necessária, torna-se desde já evidente a necessidade de uma intervenção multidisciplinar, que não se esgota na psiquiatria, para assegurar um apoio global ao doente e seu cuidador.

Pensando através do conceito de necessidades do cuidador, poderemos perguntar se a falta de eficácia das intervenções não será também por as intervenções não irem ao encontro das necessidades dos cuidadores. Esta ideia já se encontra implícita nos trabalhos que concluem pela necessidade de intervenções personalizadas (Callahan, et al., 2006; Kurz, et al., 2010; Masters, 2006; Pinquart & Sörensen, 2006; Sörensen, et al., 2002).

No entanto, tanto quanto é do nosso conhecimento, este caminho de afinar as intervenções com os cuidadores pelas suas necessidades tem sido pouco percorrido. Julgamos que este acerto é prejudicado à partida pela diversidade de necessidades, não só entre cuidadores, mas também no mesmo cuidador ao longo do processo, de onde a pertinência de caracterizar como variam estas necessidades entre cuidadores e ao longo do processo demencial.

Para melhor compreendermos a relevância de cada uma das necessidades dos cuidadores ao longo das várias fases do acompanhamento de um doente em processo demencial, hipotetizamos a partir do nosso modelo de stresse do cuidador. São essas hipóteses que testamos neste trabalho.

Características de base do cuidador

Factores de stresse da situação (primários) a) Ocupação do tempo b) Tarefas adicionais c) Alterações comportamento d) Luto antecipatório e) Duração da situação

Factores de stresse desencadeados pela situação (secundários)

a) Biológicos: sono; défice cognitivo Agravamento do estado de saúde b) Psicológicos:

- Alteração de papeis na relação - Desconforto com o papel de cuidador - Empobrecimento da relação com o doente - Conflito familiar

c) Sociais: - Isolamento social

- Diminuição do tempo de lazer - Perturbação do desempenho profissional - Stresse financeiro

a) Biológicas: - Idade - Género

- Doença / Incapacidade - Estilo vida: exercício; dieta

b) Psicológicas: - Parentesco com doente - Qualidade da relação prévia com doente

- Personalidade cuidador - Depressão

c) Sociais: - Escolaridade

- Conhecimentos sobre a doença - Experiência prévia de cuidar - Rede social (urbano/rural; cultura); estilo de vida: convívio

Resultado da situação

- Estado de saúde - Estado psicológico

- Satisfação com o papel de cuidador - Rede social;

- Acesso a recursos e sua utilização

Factores de agravamento - Pouco conhecimento sobre a doença - Percepção de não estar a cuidar correctamente

- Menor acesso aos S. Saúde - Menos apoio no domicílio - Agravamento do estado de saúde - Personalidade / estilo de coping - Deterioração da rede social - Deterioração da situação financeira - Deterioração dos cuidados

Factores de melhoria

- Mais conhecimento sobre a doença - Percepção de estar a cuidar correctamente

- Melhor acesso a S. Saúde - Mais apoio no domicílio - Melhoria do estado de saúde - Personalidade / estilo de coping - Consolidação da rede social - Melhoria da situação financeira - Melhoria dos cuidados

Resultado da situação

- Estado de saúde - Bem-estar psicológico

- Satisfação com o papel de cuidador - Rede social

- Acesso a recursos e sua utilização