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Capítulo 3 A aprendizagem das operações aritméticas

3.3. Multiplicação e divisão

3.3.2. Modelos intuitivos

Uma outra linha de investigação associada às operações multiplicação e divisão, para além da ligada aos tipos semânticos ou modelos de situações, é a relacionada com modelos intuitivos (Sherin & Fuson, 2005; Verschaffel et al., 2007). Esta linha de investigação está, ainda assim, interligada com a anterior e baseia-se na hipótese, formulada por Fischbein, Deri, Nello e Marino (1985), de que “cada operação aritmética fundamental está geralmente relacionada com um modelo intuitivo, primitivo, implícito e inconsciente” (p. 4). No caso da operação multiplicação esse modelo é, segundo os autores nomeados, a adição repetida, o que significa que a resolução de um problema que envolve dois números a partir dos quais é preciso calcular o seu produto é mediada por esse modelo.

O termo modelo intuitivo é entendido como “uma estrutura mental interna que corresponde a uma classe de estratégias de cálculo” (Mulligan & Mitchelmore, 1997, p. 309). Estes autores associam cada um dos modelos intuitivos a uma ou mais estratégias de cálculo. No entanto, de Corte e Verschaffel (1996) apontam algumas limitações à hipótese formulada por Fischbein et al. (1985), sobretudo quando o universo numérico é ampliado, e sugerem a realização de estudos que contribuam para uma melhor compreensão sobre os processos cognitivos envolvidos na modelação de situações associadas à multiplicação.

Algumas investigações relacionadas com os modelos intuitivos mostram que os alunos são capazes de resolver problemas de multiplicação ou de divisão mesmo antes de terem trabalhado formalmente estas operações, ou seja inventam estratégias associadas a modelos multiplicativos ou de divisão que lhes permitem chegar à solução (Verschaffel et al., 2007). Os modelos usados são intuitivos e desenvolvidos em contextos informais, mas podem influenciar fortemente a compreensão dos alunos em situações mais complexas associadas às operações em questão, tanto na sua vida escolar como na sua vida adulta.

Integrado na linha de investigação que estuda a influência dos modelos intuitivos na resolução de problemas de palavras, encontra-se o estudo longitudinal levado a cabo por Mulligan e Mitchelmore (1997) que envolveu cerca de 70 alunos dos 2.º e 3.º anos, de oito escolas diferentes. Nesse âmbito foram propostos aos alunos 24 problemas de palavras com um passo, com o propósito de identificar e agrupar as estratégias de cálculo usadas e relacioná-las com modelos intuitivos de multiplicação e divisão. Os problemas de multiplicação e divisão partiam de contextos familiares dos alunos e incluíam cinco das dez categorias diferentes (considerando a extensão para os números racionais) de situações multiplicativas definidas por Greer (1992). O termo situações multiplicativas é usado, no estudo referido, para descrever situações que sugerem quer a multiplicação quer a divisão. Deste modo, os problemas envolviam situações de grupos iguais, de razão, de comparação multiplicativa, de disposição retangular e de produto cartesiano. Os problemas de divisão, relacionados com a situação de multiplicação correspondente, envolviam situações de partição, razão, comparação e partilha.

A identificação dos modelos intuitivos das crianças foi efetuada em duas fases, primeiro foram analisadas as respostas de modo a identificar as estratégias de cálculo usadas e, em segundo lugar, foram agrupadas as estratégias de modo a relacioná-las com os modelos intuitivos subjacentes. Os modelos intuitivos associados à multiplicação emergentes desta recolha de dados foram: contagem direta, adição repetida e operação multiplicativa. O modelo de contagem direta relaciona-se com estratégias de uso de material concreto ou de desenhos para resolver um problema. O modelo de adição repetida está associado a estratégias de contagem unitária, contagem crescente ritmada,

contagem por saltos para a frente, de adição repetida e de adição de dobros. O modelo de operação multiplicativa está relacionado com estratégias que usam a multiplicação enquanto operação, tais como o conhecimento de factos multiplicativos básicos e de factos multiplicativos derivados (Mulligan & Mitchelmore, 1997).

No estudo referido, no que respeita à divisão, os modelos intuitivos que surgiram foram os mesmos que os ligados à multiplicação, tendo sido acrescentada a subtração repetida (Mulligan & Mitchelmore, 1997). As estratégias associadas ao modelo de contagem direta recorreram ao uso de materiais concretos para modelar a situação e o processo de contagem subsequente, efetuando correspondência um a um, partilha, contagem unitária e tentativa e erro. O modelo de subtração repetida emergiu de estratégias tais como: contagem ritmada para trás, contagem por saltos para trás, subtração repetida e adição de metades. Todas estas estratégias partiam do dividendo e geravam sequências de múltiplos. As estratégias relacionadas com o modelo de adição repetida são muito semelhantes às ligadas ao modelo de subtração repetida, distinguindo- se porque o dividendo não é o ponto de partida mas o de chegada. O modelo intuitivo de operação multiplicativa está subjacente a estratégias que recorrem à multiplicação, usando factos conhecidos ou derivados desta operação como, por exemplo, tentar encontrar um múltiplo do divisor que seja igual ou próximo do dividendo.

Ao longo dos dois anos letivos em que decorreu o estudo realizado por Mulligan e Mitchelmore, os modelos intuitivos dos alunos foram evoluindo. Estes progrediram, recorrendo a modelos cada vez mais eficazes e que podiam ser usados em situações multiplicativas com números inteiros. Além disso, segundo os mesmos autores, na resolução de um problema, quando são mobilizados um ou mais modelos, há um conjunto de fatores que tem influência: a experiência e a capacidade do aluno para interpretar o problema, o reconhecimento da estrutura de grupos de igual tamanho e o conhecimento de factos relevantes para a situação em causa. Por isso, os alunos constroem, inicialmente, uma nova estratégia para resolver problemas se a situação lhes é familiar e se conhecem factos relevantes associados. Essa estratégia vai ser usada para outros problemas e o seu conhecimento sobre situações multiplicativas vai aumentando.

associada, eventualmente, a um outro modelo mais sofisticado. “No entanto, e pelo menos durante o período inicial da aprendizagem, problemas distintos podem ser resolvidos utilizando modelos intuitivos diferentes” (Mulligan & Mitchelmore, 1997, p. 327).

No estudo que realizaram, os investigadores supramencionados chegaram a resultados nem sempre consistentes com o preconizado por Fischbein et al. (1985). Efetivamente, embora a estrutura semântica dos problemas de palavras propostos tenha influenciado, por vezes, a estratégia de resolução dos alunos nem sempre isso aconteceu (Mulligan & Watson, 1998). Em determinados problemas foi mais difícil estabelecer uma relação entre a sua estrutura semântica e as estratégias associadas aos modelos intuitivos usadas pelos alunos e, noutros, essa correspondência não se verificou, contrariando o estabelecido por Fischbein et al. (1985).

A investigação descrita anteriormente identifica alguns aspetos especialmente relevantes e que têm implicações, segundo os seus autores, ao nível da aprendizagem da multiplicação e divisão (Mulligan & Mitchelmore, 1997). Na maior parte do trabalho proposto, usualmente, nas aulas de 3.º ano, não se têm em conta os modelos intuitivos que os alunos desenvolveram anteriormente, a partir de situações multiplicativas informais. Tradicionalmente, os professores fazem uma abordagem à multiplicação e, só posteriormente, introduzem a divisão, fundamentando a sua opção na dificuldade desta última operação. Contudo, as crianças relacionam, naturalmente, as duas operações através de modelos intuitivos, não necessariamente mais difíceis. Por isso, logo nos primeiros anos de escolaridade, os alunos devem resolver problemas de palavras multiplicativos, em que possam relacionar a multiplicação com a divisão. Como referem Mulligan e Watson (1998), a capacidade para reconhecer a relação inversa entre a multiplicação e a divisão e a comutatividade da multiplicação são aspetos fundamentais para desenvolver a compreensão sobre a multiplicação. Alem disso, é, também, importante que o professor proponha aos alunos atividades que desenvolvam a sua compreensão sobre a multiplicação e que contribuam para a progressão das suas estratégias de cálculo, de modo a torná-las mais eficazes (Mulligan & Mitchelmore, 1997; Mulligan & Watson, 1998).