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Capítulo 2 O sentido de número

2.1. Significado de sentido de número

Apesar de não se saber exatamente a sua origem, a expressão “sentido de número” surge nos Estados Unidos, por oposição a um ensino dos números muito centrado no cálculo algorítmico, rotineiro e formal, onde a compreensão sobre os números e as operações é pouco valorizada. Esta expressão aparece associada à importância de uma compreensão global e intuitiva sobre os números e as operações e de uma flexibilidade no cálculo com números, nas suas diferentes representações. A comparação entre o cálculo ensinado na escola, quase exclusivamente algorítmico, e o

cálculo mental e na estimação, provocou uma reflexão sobre que conhecimento dos números e das suas relações e de modos de calcular faz sentido desenvolver na aula de Matemática. Assim, aspetos relacionados com o uso de diferentes estratégias de cálculo e as suas consequências ao nível dos processos de resolução e das soluções obtidas, começaram a ser discutidos e a expressão “sentido de número” foi ganhando força, expressando as mudanças relacionadas com a aprendizagem dos números e do cálculo (McIntosh et al., 1992).

Sendo uma expressão muito utilizada em contextos distintos, o seu significado é muito amplo e complexo e nem sempre são coincidentes as caracterizações apresentadas. Ainda assim, o desenvolvimento do sentido de número é considerado essencial por muitos educadores matemáticos, sendo referido em documentos de natureza curricular como um dos objetivos centrais da aprendizagem da Matemática, em particular, nos primeiros anos de escolaridade (NCTM, 2000; ME, 2007; Reys, 1994). Reforçando o seu significado holístico e a sua importância na aprendizagem da Matemática, Reys (1994) afirma que o sentido de número “é um modo de pensar que deve atravessar todos os aspetos do ensino e da aprendizagem da matemática” (p. 114). Por sua vez, McIntosh et al. (1992) realçam a sua complexidade, salientando que o desenvolvimento do sentido de número é um processo complexo, associado aos números e às operações, e às relações entre eles.

A conferência Establishing foundations for research on number sense and related

topics (Sowder & Schappelle, 1989) foi uma das primeiras realizadas no âmbito desta

temática e ainda hoje é referenciada como um momento de reflexão importante sobre aspetos associados ao sentido de número. Esta conferência reuniu um conjunto significativo de psicólogos e educadores matemáticos e centrou-se na discussão de questões relacionadas com o entendimento de sentido de número, as suas características e o seu desenvolvimento. Dos trabalhos aí realizados resultaram algumas caracterizações, não forçosamente consensuais, e foram problematizadas as consequências da sua aceitação em termos da atividade e das tarefas a realizar na aula de Matemática de modo a proporcionar o desenvolvimento do sentido de número dos alunos (Case, 1989; Greeno, 1989; Resnick, 1989).

Do ponto de vista da psicologia educacional, houve algumas tentativas de descrever o que se entende por sentido de número, sendo de realçar, nomeadamente, o contributo de Greeno (1989, 1991). De uma forma geral, este autor refere-se ao sentido de número como um conjunto de capacidades cognitivas (expertise) que incluem o cálculo mental flexível, a estimação numérica e a estimação associada a juízos quantitativos e a inferências. Greeno considera o sentido de número como uma condição básica do conhecimento do domínio conceptual dos números e das quantidades. Depois dele, muitos outros psicólogos e investigadores, no âmbito da ciência cognitiva, se debruçaram sobre as relações entre o sentido de número, a cognição e a neurologia (Berch, 2005; Dehaene, 2001).

Ao constatar que tanto os educadores matemáticos como os cientistas cognitivos descreviam sentido de número de maneiras muito diferentes, Berch (2005) fez uma análise exaustiva de diversos artigos e publicações sobre o tema, considerando perspetivas e pontos de vista distintos. Dessa análise resultou a identificação de um conjunto de trinta componentes do sentido de número, algumas delas incompatíveis entre si. Exemplificando as grandes disparidades entre essas componentes, Berch compara duas das identificadas. Por um lado, para alguns desses autores, o sentido de número é caracterizado como uma perceção quase intuitiva sobre os números e, por outro, é encarado como uma capacidade superior associada ao significado conceptual da Matemática. Contudo, no seu entendimento, sentido de número é “um constructo muito mais complexo e multifacetado do que ter “simplesmente”4

intuições elementares sobre as quantidades” (Berch, 2005, p. 336). O autor refere, ainda, que a aceitação da sua complexidade tem implicações ao nível do seu desenvolvimento na sala de aula, tal como havia já sido mencionado por Greeno (1989, 1991) e Reys (1994).

Do ponto de vista dos educadores matemáticos, muitas são, também, as tentativas para definir e caracterizar o que se entende por sentido de número. Uma delas é a efetuada por Sowder (1989) a partir das suas interpretações pessoais sobre o que foi discutido na conferência Establishing foundations for research on number sense and

related topics (Sowder & Schappelle, 1989). Segunda a autora, os múltiplos

entendimentos sobre sentido de número dos participantes na conferência incluem, entre outros, o conhecimento dos números e o modo como podem ser utilizados em determinadas situações, a flexibilidade para usar estratégias de cálculo mental ou de cálculo aproximado, a capacidade para utilizar números de referência apropriados, a compreensão e o uso das diferentes representações dos números e a compreensão dos efeitos relativos das operações numéricas e das suas propriedades (Sowder, 1989).

Também o National Council of Teachers of Mathematics no documento

Curriculum and Evaluation Standards for School Mathematics (NCTM, 1991)

caracteriza o sentido de número como “uma intuição acerca dos números que se forma a partir dos diversos significados do número” (p. 50). Concomitantemente, considera que tem cinco componentes: (i) desenvolvimento de significados acerca do número; (ii) exploração das relações entre os números, usando materiais manipuláveis; (iii) compreensão da grandeza relativa dos números; (iv) desenvolvimento de intuições acerca dos efeitos relativos das operações com números; e (iv) desenvolvimento de padrões de medida de objetos comuns e de situações no seu ambiente (NCTM, 1991, p. 50). O mesmo documento refere, ainda, algumas atividades que promovem o seu desenvolvimento na sala de aula.

De um modo geral, as caracterizações de sentido de número têm pontos comuns: entendem-no como uma noção holística e intuitiva e associam-no a uma compreensão global sobre os números, as operações e as relações entre eles. Mais especificamente, apontam para que o sentido de número inclui o conhecimento acerca da grandeza relativa dos números, acerca dos efeitos relativos das operações com números e ainda o desenvolvimento de números de referência associados a quantidades e a medidas. Nas tentativas de operacionalização da noção de sentido de número é usual, ainda, ser referida a capacidade para calcular usando os números de modo flexível, para estimar a grandeza relativa e a razoabilidade de um resultado, para passar de umas representações numéricas para outras e para relacionar números, símbolos e operações (Markovits & Sowder, 1994).

Uma das descrições mais frequentemente referida nos estudos que se debruçam sobre o sentido de número é a proposta por McIntosh et al. (1992):

O sentido de número refere-se a uma compreensão geral do indivíduo sobre os números e as operações juntamente com a capacidade e predisposição para usar essa compreensão de modo flexível para fazer juízos matemáticos e para desenvolver estratégias úteis na manipulação dos números e das operações. Reflete uma capacidade e uma predisposição para usar os números e os métodos de cálculo como um meio de comunicação, processamento e tratamento de informação. (McIntosh et al., 1992, p. 3)

É esta descrição de sentido de número, proposta por McIntosh et al. (1992), que é assumida neste trabalho. Importa, no entanto, sublinhar que estes autores salientam que se trata de uma expressão de difícil caracterização, considerando ser mais acessível o seu reconhecimento em ação.