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CAPÍTULO III: CIVILIZAÇÃO E CRIME: CRIMINOSOS ESTRANGEIROS E NACIONAIS DOS TEMPOS MODERNOS

1. Modernidade e práticas criminais

Nas narrativas sobre as histórias de ladrões e de seus crimes na cidade do Rio de Janeiro de início do século XX, havia, como já comentado, uma diversidade das práticas criminais, que iam desde os furtos de animais (burros, vacas, galinhas, perus) e de carteiras ao “assalto às burras do Estado”.3

Os furtos de animais e de carteiras e o conto do vigário eram práticas antigas de uma época na qual o Rio de Janeiro fora um centro mercantil cercado pelo interior predominantemente rural. As novas práticas de crimes de roubo e furto, como os assaltos a cofres públicos e a bancos, furtos de joias e assaltos a mão armada, faziam parte de um Rio de Janeiro transformado em metrópole capitalista.4

1 Neder, Gizlene & Naro, Nancy Priscila. “A instituição policial na cidade do Rio de Janeiro e a construção da ordem burguesa no Brasil”. In: A polícia na Corte e no Distrito Federal (1831-1930). Série Estudos – PUC-RJ,1981, p. 245.

2

No jornalismo da época, o termo “civilização” era entendido como uma sucessão de transformações por que passava a sociedade moderna e que nela desencadearam o seu aperfeiçoamento material, intelectual e cultural. A palavra “civilização” também podia ser usada como sinônimo de “progresso” ou “sociedade”. 3 “Salteadores audazes: no coração da cidade”, Jornal do Brasil, 16/03/1905, 2. No decorrer do capítulo, serão analisados e quantificados os bens subtraídos e os crimes cometidos pelos ladrões, de acordo com critérios relativos à temática da civilização e aos critérios de nacionalidade e/ou cor.

4 Em relação a São Paulo havia também essa diversidade das práticas criminais, como notou Boris Fausto ao analisar os processos criminais de finais do século XIX e começo do XX. Fausto, Boris. Crime e

Para a imprensa, havia também uma diversidade dos tipos de ladrões que circulavam pela cidade que iam desde os “punguistas (batedores de carteiras) da pobreza” até os ladrões chics.

No vasto catálogo da ladroeira, cada vez maior, em que há desde a edição luxuosa dos moços bonitos até o gravateiro reles dos becos escuros, neste catálogo que o Rio civilizado aumenta diariamente com um alarma em que se reconhece o desejo de não ficar nem no delito abaixo das grandes cidades – há agora o rato do “zunga”, o ladrão barato das horas mortas.5

As representações produzidas apontavam para a convivência das antigas e novas práticas de criminalidade na modernidade, como mostra a seguinte notícia:

Uma pessoa não sabe como se livrar dos ladrões que eles por mil e um modos atacam a propriedade alheia. A cidade está infestada de ladrões. Há os que atacam de frente, assaltando a mão armada, há os que se escondem, para arrombar as casas; à noite os ladrões de carteiras, nos bondes, há os que empregam ardis para enganar os incautos, há os de muitas outras espécies. 6

Todas essas diferentes práticas criminais nos indicam como “os laços entre o passado e o presente são inquebráveis”, como lembra John Ruskin7. Indicam dessa forma como os ladrões constituíam o símbolo da modernidade, já que o moderno, como diz Baudelaire, “é a junção do transitório, contingente e efêmero com o eterno e imutável”8.

Embora houvesse no noticiário a veiculação da ideia de que existiriam no Rio tanto as antigas quanto as novas práticas da criminalidade na modernidade, os repórteres assinalavam que cada vez mais naqueles novos tempos “as artes e os processos”9 de rapinagem estavam se modificando. Mas por que na concepção dos repórteres os ladrões estariam mudando seus “processos e artes” criminais?

Para responder a esta questão, antes há de se lembrar que havia uma preocupação crescente das autoridades da época com a defesa da propriedade, vista como um bem humano, resultado do crescimento e progresso da sociedade. Por isso, segundo os jornalistas policiais, a “civilização” buscava “resguardar os interesses

5 “Os ladrões da miséria”, Gazeta de Notícias, 23/06/1908, 1. 6 “Os ladrões”, Gazeta de Notícias, 29/06/1911, 3.

7

Ruskin, John. Modern painters. V. I I. London: Smith and Elder, 1856; apud Oliveira, Claúdia de. “A iconografia do moderno”. Op. cit., p. 246.

8 Baudelaire, Charles. “O pintor e a vida moderna”. In: Sobre a modernidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p. 20.

9

alheios” – leia-se aí a propriedade – dos ataques dos ladrões, através de reformulações da lei criminal.10 Na época em que os repórteres estavam publicando tais matérias, muitas reformas na lei criminal foram feitas a partir do novo Código Penal de 1890, proliferando-se a discussão sobre o problema criminal, suas causas e a forma de lidar com ele, como diz Marcos Bretas11. As inovações da Antropologia criminal europeia e a abordagem legal positivista também causaram muitas transformações na lei criminal12, aumentando a preocupação com o criminoso. Isso provocou, segundo Bretas13, o desenvolvimento de sistemas de identificação – por fichas criminais, carteiras de identidade e impressões digitais – que, em um certo período de tempo, se tornaram um requisito geral.

Mas nos parece que para os repórteres policiais essas mudanças na lei criminal não garantiram que o problema criminal no Rio de Janeiro (e no Brasil) fosse resolvido, pois em suas perspectivas elas só teriam feito com que os referidos criminosos modificassem “as artes e os processos” de ladroagem14. Segundo os jornalistas, os obstáculos que a “civilização” impunha às suas ações criminais os teria obrigado a modificá-los.

Contudo, parecia que, na concepção dos jornalistas, haveria outra razão pela qual os ladrões dos novos tempos modernos estariam inovando seus planos e processos de crimes. Ao compreenderem que os crimes de gatunagem desses novos tempos passavam a ser uma espécie de empresa capitalista, os larápios pareciam ser aí representados como criminosos que buscavam modificar seus planos e processos de crimes para poder manter seus delitos – vistos como um negócio rentável – à tona, em meio à competitividade do “negócio”.

Além da criminalidade poder ser vista como um resultado da pobreza, meio social e/ou raça dos indivíduos que ingressavam na vida delituosa – como vimos no capítulo anterior –, podia ser retratada como uma forma de os indivíduos obterem “dinheiro e bens materiais”, como bem destacou uma reportagem publicada em 1919: “Todos os rapinantes se atiram às largas empresas, delas saindo cheios de glórias”15.

10

Gazeta de Notícias, 6/11/1907, 3. 11

Bretas, Marcos. O crime na historiografia brasileira: uma revisão na pesquisa recente. In: Boletim informativo e bibliográfico de Ciências Sociais, n. 32, p. 1.991.

12 Fry & Carrara, Sérgio. “As vicissitudes do liberalismo no Direito Penal Brasileiro”, Revista Brasileira

de Ciências Sociais, vol. 1, n. 2, pp. 48-54; apud Bretas, Marcos. O crime na historiografia brasileira. Op. cit., p. 56.

13 Bretas, Marcos. O crime na historiografia brasileira. Op. cit., p. 56. 14 Gazeta de Notícias, 6/11/1907, p. 3.

15

O assalto, ontem, verificado na zona do 9º. distrito, diz bem de que são capazes os ladrões (...)

O fato passou-se (...) no armazém de secos e molhados, situado à Avenida Salvador de Sá, n. 216, esquina da rua Faria, e de propriedade do Sr. Francisco Valente Sobrinho.

É um vasto armazém bem sortido e de movimento comercial considerável, por isso os ladrões viram aí uma empresa de ótimos resultados (...)16

As crônicas de Orestes Barbosa são um exemplo bem representativo dessas tensões nas representações construídas sobre o crime. Ao mesmo tempo em que o cronista salientava que os delitos na cidade – incluindo aí os crimes de morte e os roubos – eram resultado das dificuldades materiais daqueles que os perpetravam – como vimos no segundo capítulo –, parecia compreender que a criminalidade constituía um meio de enriquecimento para aqueles que a cometiam17. Chegava mesmo a naturalizar a relação entre crime e ambição por dinheiro na figura de um dos mais famosos ladrões da cidade de inícios do século XX chamado Justino Carlos, vulgo Carleto: “O Carleto acha que o crime é a coisa mais natural do mundo que ele queria gozar com muito dinheiro”18.

Essas tensões nas representações podem ser explicadas pelo próprio fato de os jornalistas estarem produzindo seus textos numa época em que a modernidade se apresentava como ambígua no Rio de Janeiro. De um lado, a cidade se defrontava com perspectivas extremamente promissoras no comércio e nas finanças; de outro, com uma realidade social marcada pelo crescimento da pobreza e da miséria. 19

No que se refere às representações do crime como um meio de enriquecimento, os jornais estampavam nos próprios títulos de suas matérias as médias ou altas quantias de dinheiro furtadas (“Seis audaciosos ladrões, em plena rua, assaltam um cavalheiro, de quem roubam 540$000 em dinheiro”20, “Uma “valise” valiosa: 150$000”21) ou os “capitalistas” (ou outras pessoas tidas como ricas) e estabelecimentos comerciais e

16

“Audácia de uma quadrilha de ladrões”, Gazeta de Notícias, 3/11/1919, 3. 17 Barbosa, Orestes. Na prisão.Crônicas. Op.cit.

18 Idem, ibidem. 19

Sevcenko, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República.

Op.cit.

20 Correio da Manhã, 1/02/1913, 2. 21 Gazeta de Notícias, 10/02/1907, 6.

bancos roubados (“Um armazém assaltado na Avenida Salvador de Sá”22, “A atividade dos rapinantes: ladrões audaciosos assaltando o Banco de Nápoles”23).

Parecia que, para as reportagens policiais, os gatunos cometiam os seus crimes de acordo com os fins visados pelas regras dos capitalistas, ou seja, de forma previamente e racionalmente “calculada”, e de maneira a buscar o lucro e o ganho como metas centrais que conduziriam suas ações criminais em direção ao sucesso material 24.

Em 18 de novembro de 1904 a população foi surpreendida com a notícia de um audacioso roubo praticado na agência de paquetes italianos de Matarazzo de Vincenzo, a rua Primeiro de Março, n. 39. Os ladrões arrombando com a máxima perícia o cofre forte da casa, dele roubariam a quantia de 13:330$480.

Procedendo a polícia o inquérito, revestiu-se o trabalho de investigação de grandes dificuldades por causa do mistério de que o crime se achava cercado, pela sua ardilosa execução.

A porta da casa onde se estabelecia a agência roubada não apresentava o menor vestígio de violência: o cofre de segurança, porém, estava aberto.

Examinado o cofre foi reconhecido o desaparecimento da quantia acima refletida, constante de moeda nacional, libras e francos.

No correr do inquérito pouco a pouco foram aparecendo elementos tais que geraram a convicção de ter sido o crime resultado de um plano previamente deliberado e concebido, em que encontraram estudos de certas circunstâncias para o sucesso e amplitude de ação.25 Até mesmo os larápios que empregavam a violência em seus crimes – através por exemplo do latrocínio e assalto a mão armada – eram vistos como indivíduos inteligentes, que a sangue-frio exerciam a violência de forma racional e premeditada.

Estamos decididamente em plena maré de ladroeiras, mas ladroeira armada, de braço forte, organizado e chefiado por menores inteligentes e práticos, na arte sinistra de roubar o próximo.

Os planos de assalto concentram-se com a máxima antecedência, colhem-se todos os detalhes topográficos, estuda-se a vida dos que estão dentro das casas indigitadas, os seus costumes, as suas horas de entrar e sair, o meio mais fácil de abordá-los, tudo isso, demoradamente, sem precipitações, como quem tem a certeza plena de chegar ao fim almejado.26

22 Gazeta de Notícias, 3/11/1919, 3. 23

Gazeta de Notícias, 23/07/1920, 5.

24 A imagem de racionalidade do criminoso que tratava o roubo como um negócio foi também observada por Ana Porto em sua dissertação de mestrado. Porto, Ana. Crime em letra de forma. Op. cit.

25 “Os estranguladores do Rio”, Jornal do Brasil, 24/10/1906, 3. 26

Os repórteres ao construírem as representações sobre a figura dos larápios dos novos tempos como indivíduos ambiciosos, inteligentes e racionais pareciam estar antenados com o ideal de modernidade da época, assentado na valorização da técnica, intelecto e na busca pelos valores materiais.

De fato, os ladrões eram retratados como criminosos que cresciam em número e astúcia, pois arquitetavam os seus crimes de forma engenhosa e inteligente, como mostra a seguinte notícia: “Os amigos do alheio, os que querem passar a vida sem trabalho, vivendo a custa do próximo, engendram planos e mais planos, cada qual mais engenhoso, cada qual revestido de mais audácia a que ninguém escapa”.27

Em 1908, os jornais ao publicarem, por exemplo, uma série de reportagens sobre um crime, no qual os ladrões roubaram várias casas comerciais no centro da cidade, chamavam atenção para a audácia dos gatunos por terem criado firmas falsas com o intuito de enganar e roubar os comerciantes. O caso teve repercussão na imprensa, pois, como o crime foi considerado uma “ladroagem de nova espécie”, teria gerado grande sensação na cidade diante dessa nova modalidade de roubo.28

Um dos chefes da quadrilha, chamado Alberto Teixeira, foi visto como um ladrão “de habilidade espantosa, inteligência e capaz de se envolver em uma série de complicações comerciais”29. As reportagens policiais do Jornal do Brasil chegavam mesmo a compará-lo ao Rocambole, tais eram seus ardis e meios para criar a empresa falsa. Nos próprios títulos das matérias do jornal, os repórteres faziam tais comparações com o personagem fictício: “Salteadores na cidade: Assalto à Rocambole: Peripécias interessantes”.30 Os outros jornais, embora não comparassem diretamente a figura do criminoso a Rocambole, também sublinhavam suas astuciosas peripécias criminais, até mesmo nos sucessivos títulos das suas reportagens de polícia: “Amordaçado e roubado: uma firma fantástica”. “Uma ladroeira de nova espécie.”31

Os jornalistas tentavam mostrar que não só as formas criminais na sociedade haviam mudado nos novos tempos modernos, mas também os modos de vestir dos ladrões, e seus modos de se conectar com o mundo moderno. Alegavam que de rústicos,

27

“Planos e mais planos: quadrilha de gatunos”, Jornal do Brasil, 19/10/1905, 4.

28 “Uma ladroeira de nova espécie”, Gazeta de Notícias, 1/05/1908, 3; “Amordaçado e roubado: uma firma fantástica”, Correio da Manhã, 30/04/1908, 2; “Salteadores na cidade: Assalto à Rocambole”,

Jornal do Brasil, 2/05/1908, 4.

29 “Amordaçado e roubado”, Correio da Manhã, 3/05/1908, 6. 30 Jornal do Brasil, 2/05/1908, 4.

31 Gazeta de Notícias, 1/05/1908, 3; Correio da Manhã, 30/04/1908, 2; “Salteadores na cidade: Assalto à Rocambole”, Jornal do Brasil, 2/05/1908, 4.

mal vestidos e provincianos passavam a ser criminosos elegantes e cosmopolitas, como mostra a seguinte notícia do Jornal do Brasil publicada em 1913:

O Rio de Janeiro, incontestavelmente, galopa na vanguarda do progresso. Tudo se modifica, tudo passa celeremente, tudo aumenta numa proporção assombrosa.

Antigamente, quando se falava em um assalto, era ele a mão armada. Os gajos de antes (sic) faziam grande consumo de barbas postiças, chapéus desabados, acerado punhal e terrifico bacamarte de boca de sino ou a tradicional pistola, cuja carga esfacelava a vítima.

Hoje o ladrão que se presa é um itinerante ou melhor um globe- trotter, que percorre as principais cidades européias e americanas, em uma atividade febril, não perdendo tempo quando em viagem a bordo dos grandes transatlânticos, que preparam jogos, cujos resultados pecuniários lhes garantem uma retirada vantajosa no caso de insucesso, na primeira operação em que ponham em prova as suas habilidades em surrupiar o alheio.32

Orestes Barbosa, embora não divulgasse essa imagem de criminoso cosmopolita, também apontava as mudanças da malandragem carioca nessa conjuntura de progresso no Rio, ao assinalar que o malandro tal como “o resto da população” passou a trajar-se elegantemente: “com a evolução da cidade, o malandro largou a bombacha, a botina de salto alto, o chapéu desabado e a moca – bengala de grossura ostensiva (...) . (...) O vagabundo do Rio endireitou a roupa, confundindo-se com o resto da população”.33

Essa imagem do criminoso “chic” parecia ser vista como uma decorrência do próprio aperfeiçoamento do crime, já que com isso o malandro podia ter mais condições materiais para se vestir melhor.

Não é à toa que nas reportagens sobre crime e civilização, os roubos/furtos registrados eram de média ou grandes proporções, no caso aí as joias de valor e principalmente dinheiro (a subtração de dinheiro representava 23 ou 79,3% de um total de 29 registros de roubos/furtos consultados). 34 Nessas publicações, havia ainda alguns registros de crimes violentos (nove ou 31% de um total de 29 registros de roubos/furtos consultados).35

As reportagens sobre crime e civilização eram relativamente expressivas na imprensa carioca (ver o quadro 2 do capítulo 1). Além disso, o percentual dessas

32

“Nababos da Gazua. Quadrilheiros elegantes”, Jornal do Brasil, 28/10/1913, 7. 33 Barbosa, Orestes. Bambambã. Op. cit., p. 99.

34 Não estamos computando aí as reportagens que tematizavam a questão da imigração estrangeira, pois iremos analisá-las mais adiante do capítulo.

35

reportagens por jornal consultado tinha uma representatividade semelhante entre si (ver o quadro abaixo).

Quadro 17 – Número de notícias (por jornal) que consideravam a civilização como fator da expansão da criminalidade no Rio de Janeiro (1900-1920)*

Jornais %

Correio da Manhã 21 5,6% de um total de 371 reportagens sobre criminalidade

Jornal do Brasil 28 3,6% de um total de 766 reportagens sobre criminalidade

Gazeta de Notícias 21 3,5% de um total de 596 reportagens sobre criminalidade

Total 70 4,0% de um total de 1.733 reportagens sobre

criminalidade Fontes: Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Gazeta de Notícias.

*Os percentuais foram determinados considerando o total de notícias de crimes consultadas em cada um dos jornais cariocas trabalhados.

Além dessa semelhança, as reportagens desses jornais convergiam em veicular a ideia de que a criminalidade e sua expansão na cidade se devia a três fatores decorrentes do avanço do progresso na sociedade: a influência da literatura policial, o progresso urbano e o crescimento da imigração estrangeira na cidade. Nos próprios títulos dessas matérias, os jornalistas faziam alusão aos romances e filmes policiais para tentar compará-los às práticas criminais dos ladrões da cidade. Podiam também comentar sobre os gatunos que estariam perpetrando seus crimes no centro da cidade – visto como centro cosmopolita – ou sobre os larápios “elegantes” do Rio, ou ainda acerca de como os criminosos estrangeiros perpetravam seus crimes de forma audaciosa. “Ladrões de Paris: operando no Rio, audácia inacreditável”36, “Os ladrões no centro cosmopolita”37, “O gatuno elegante da Pensão Verdi”38, “Como nos filmes: audaciosos ladrões assaltam um depósito de perfumes”39.

Nos textos dessas notícias, os jornalistas assinalavam que, com relação à literatura policial, as pessoas “menos instruídas” se influenciavam com esse gênero de 36 Jornal do Brasil, 17/11/1910, 7. 37 Jornal do Brasil, 4/06/1916, 11. 38 Correio da Manhã, 1/07/1911, 4. 39 Jornal do Brasil, 24/03/1920, 11.

literatura40, a exemplo dos romances de aventuras de Maurice Leblanc, criador do moderno ladrão Arsène Lupin41, e do escritor francês Ponson du Terrail, criador do famoso criminoso fictício Rocambole.

Há muita gente que ama perdidamente, loucamente os romances de aventuras, em que Maurice Leblanc é um inimitável mestre na criação dos fantasiosos tipos de Lupin e seus comparsas.

Esse gênero de leitura, que Ponson inaugurou com “Rocambole”, chega a ser mesmo, aqui como nas capitais mais cultas do mundo, o preferido exercendo sobre a gente menos instruída, uma influência que nem a própria escola realista e, modernamente, o cinema conseguiram jamais exercer.42

Mas a literatura policial não só estimularia, na visão dos repórteres policiais, a prática da criminalidade, como também o aprimoramento do crime. Segundo uma matéria: “(...) Ultimamente (...) como que levados pelo espírito inventivo dos filmes policiais, os meliantes estão se tornando mais audazes, e as suas operações alcançam maior vulto (...)43.

Semelhantemente aos repórteres policiais, o escritor Medeiros e Albuquerque, em um artigo publicado em sua seção “Aqui... ali... acolá” na Gazeta de Notícias, em 1909, assinalava que “as cenas de gênero tristíssimo, à moda de Sherlock Holmes” – famoso detetive inglês criado pelo escritor Conan Doyle – e do moderno ladrão Arsène Lupin, eram “ incontestavelmente nocivas”, pois “ensinavam” aos ladrões dos grandes centros urbanos no Brasil os processos e meios mais aprimorados na arte de furtar. Nas palavras do escritor: “Há em alguns dos “filmes” correntemente exibidos nos nossos cinemas trechos que dão lições práticas de ladroagens, que os salteadores não poderiam encontrar tão bem expostas em nenhum compêndio”44.

Como Lupin e Rocambole, os gatunos dos novos tempos eram retratados pelas reportagens e jornalistas policiais como criminosos geniais na “arte de furtar”. Segundo