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CAPÍTULO II: POBREZA, MEIO SOCIAL, COR E CRIME

1. Pobreza e meio social

1.4. Morros e crime

121 Sobre a modernização do crime, ver o próximo capítulo. 122 “Eles... Perigosa quadrilha”, Jornal do Brasil, 29/03/1900, 2. 123 “Cuidado com as criadas”, Gazeta de Notícias, 17/03/1918, 6. 124

O surgimento e a consolidação das favelas no tecido urbano remontam à Primeira República, como lembra Rômulo Mattos125. Nesse período, a questão da habitação popular se tornou central na discussão sobre o futuro da capital da República, sustentada fortemente por um discurso médico-higienista endossado também pelos engenheiros126. Ao lado desse discurso, a imprensa também se empenhava na construção do Rio de Janeiro como capital de uma nova institucionalidade – a República.127

Contudo, as favelas tendiam a ser vistas no jornalismo como um entrave à civilização e ao progresso da sociedade, pois eram retratadas pela grande maioria das reportagens policiais (23 ou 76 % de um total de 30 reportagens sobre morros e crime), mas não em sua totalidade, como o “reduto de perigosos indivíduos” compostos de “ladrões, malandros e valentes”128. Por vezes, os jornais publicavam casos de criminosos dos morros que ficaram famosos na cidade pelos seus crimes sanguinolentos. Um exemplo disso foi o caso do valente José Severiano, capanga de um experiente líder político da época (Irineu Machado), que teria ganho a alcunha de José do Senado129 por ser morador do morro do Senado (Gamboa).

Nas reportagens, os jornalistas davam destaque aos delitos de natureza violenta ocorridos nos morros como uma forma de realçar a ideia de que estes lugares e seus criminosos eram extremamente perigosos. Inclusive de um total de 30 notícias sobre crime e morros consultadas, 23 ou 76, 6 % delas veiculavam crimes violentos (assassinatos e agressões). Os demais delitos (23,3%) diziam respeito a pequenos crimes de gatunagem. No caso, identificamos furtos de animais (três casos), roupas (dois casos) e objetos de uso pessoal (dois casos).

Na nossa amostra, constatamos que das 30 reportagens consultadas sobre crimes nas favelas, 11 delas foram publicadas nos anos de 1900, com a variação, em média, de uma, duas ou seis notícias por ano (1905, 1907, 1909, 1910). Já na década de 1910 foram publicadas oito notícias a mais sobre o assunto, com a variação, em média, de uma, duas, três ou até oito reportagens por ano (1911, 1913, 1915, 1916, 1917, 1919, 1920).

125

Mattos, Rômulo. “O discurso sobre as favelas na imprensa do período das reformas urbanas”. Op.cit., p. 52.

126 Valladares, Licia. “A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais”. Revista

Brasileira de Ciências Sociais, vol. 15, n. 44, outubro, 2000, p. 12.

127 Barbosa, Marialva. Imprensa, poder e público. Op. cit.

128 “Um pequeno herói”, Correio da Manhã, 5/10/1917, 3.; “O crime da Fontinha”, Jornal do Brasil, 11/03/1913, 9.

129

Ao longo dessas duas décadas, o morro que mais parecia chamar a atenção da imprensa era o morro da Favela, situado na região portuária da cidade. Ele teve uma maior representatividade nas reportagens criminais consultadas. (Ver o quadro abaixo).

Quadro 13 – Número de reportagens policiais nos morros cariocas, 1900-1920

Morros Cariocas %

Favela (região portuária) 16 53,4%

Salgueiro (Tijuca) 4 13,3%

Santo Antônio (Centro) 4 13,3%

Pinto (Zona portuária) 3 10,0%

São Carlos (Estácio) 3 10,0%

Total 30 100%

Fontes: Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Gazeta de Notícias.

Talvez as reportagens policiais sobre a Favela fossem quantitativamente mais expressivas do que as notícias sobre outros morros devido ao seu passado histórico. Segundo Licia Valladadares130, a Favela entrou para a história por sua associação com a guerra de Canudos, por abrigar ex-combatentes que ali se instalaram para pressionar o Ministério da Guerra a lhes pagar os soldos devidos. A autora ressalta que o morro da Favela, até então denominado morro da Providência, passa a emprestar seu nome aos aglomerados de casebres sem traçado, arruamento ou acesso aos serviços públicos, construídos em terrenos públicos ou de terceiros, que começaram a se multiplicar no centro e nas zonas sul e norte da cidade do Rio de Janeiro131. Para Maurício de Abreu132, apenas na segunda década do século XX é que a imprensa passa a utilizar a palavra favela de forma substantiva e não mais em referência exclusiva ao morro da Favela, surgindo assim uma nova categoria para designar as aglomerações pobres, de ocupação ilegal e irregular, geralmente localizadas em encostas.

130 Valladares, Licia. “A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais”. Op.cit. 131

Rômulo Mattos observa em um artigo seu que, embora o nome Morro da Providência tenha sido eclipsado pelo apelido Morro da Favela, na Primeira República, certos textos nos jornais da época (raros, é verdade) davam a entender que existiriam duas localidades com as respectivas denominações em um mesmo maciço. Mattos, Rômulo. “O discurso sobre as favelas na imprensa do período das reformas urbanas”. Op. cit.

132 Abreu, Maurício de Almeida. “Da habitação ao habitat: a questão da habitação popular no Rio de Janeiro e sua evolução”. Revista do Rio de Janeiro, Niterói, vol. 1, n. 2, jan./abril, 1986. Apud Valladares, Lícia. “ A gênese da favela carioca”. Op.cit., p. 7.

O morro da Favela era visto pelas reportagens policiais – com exceção de uma matéria – como “um dos lugares mais afamados do Rio”, pois alegava-se que aí residia “a maior parte dos valentões, ladrões e malandros” da cidade133. O próprio cronista Francisco Guimarães, que fora, como assinalado no capítulo 1, famoso repórter de polícia e do carnaval no início do século XX, comenta anos depois que, durante a Primeira República, a Favela tinha sido alvo do “cadastro sangrento do noticiário policial” dos jornais cariocas da época.

Desde que a Favela passou a ser reduto de valentes e cabras ‘escolados’ nas várias modalidades da malandragem, crimes e contravenções, o seu nome jamais foi olvidado no cadastro sangrento do noticiário policial dos matutinos e vespertinos cariocas.134

A Favela era considerada como um lugar fecundo para as chamadas notícias sensacionais; notícias estas que se caracterizavam, entre outros aspectos, pelo apelo às cenas violentas e sangrentas, como vimos no capítulo 1: “A fatídica Favela volta a ocupar o primeiro lugar no noticiário sensacional, que em cada uma das suas notas golpeia um jacto de sangue”.135

Essas imagens depreciativas sobre a Favela – e outros morros – pareciam ser usadas pelas reportagens policiais como instrumentos políticos para apoiar o projeto de modernização implementado pelas reformas urbanas. O apoio às reformas, que podia ocorrer de forma implícita ou explícita, se dava numa época na qual os jornais não apenas dependiam, como diz Marialva Barbosa136, do pequeno anúncio, da publicidade particular, mas também da verba oficial para se manterem.137

Não é à toa que quando foram iniciadas as reformas urbanas do prefeito Pereira Passos, em meados de 1903, uma extensa reportagem da Gazeta 138 sobre crimes no morro da Favela veiculava algumas justificativas que pareciam ter o intuito de dar respaldo às iniciativas do prefeito de expulsar a população da localidade. Uma delas era

133 “Os dramas da Favela”, Correio da Manhã, 5/07/1909, 2.

134 Guimarães, Francisco. Na roda do samba. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1978, p. 211. 135

“A Favela vermelha”, Gazeta de Notícias, 5/07/1909, 3. 136

Barbosa, Marialva. Imprensa, poder e público. Op. cit.

137 Para uma análise aprofundada das relações entre imprensa e poder público, ver o capítulo 4 da tese de Marialva Barbosa, Imprensa, poder e público. Op. cit.

138

Vale notar que o jornal apoiava claramente o prefeito Passos, segundo informa Rômulo Mattos. Este autor cita um texto da Gazeta no qual o jornal se mostrava simpático ao prefeito: “Embora viva no governo, anda com o espírito no povo, adivinhando-lhe os desejos, sondando-lhe as necessidades, perscrutando-lhe os males. Homens como este existem poucos, muito poucos. Este é um carioca de nervos vibrantes e um honrado”. Gazeta de Notícias, 27/06/1905. Mattos, Rômulo. Pelos pobres. Op. cit.

questionar o fato de o morro da Providência, retratado aí como “reduto de gatunos e desordeiros”, estar situado em pleno centro da cidade, próximo à rua considerada mais luxuosa do Rio (Rua do Ouvidor): “Será crível, a dois passos da rua do Ouvidor haja uma favela, reduto inexpugnável de desordeiros conhecidos e de gatunos temíveis!”. 139 No próprio título da matéria, o jornalista parecia querer estabelecer uma relação naturalizada entre morro e crime: “Na Favela: trecho inédito do Rio. Ancorada dos gatunos e desordeiros”. 140

Para veicular tal relação, a matéria procurava apelar para as memórias das sensações dos seus leitores ao relatar os crimes/criminosos que teriam passado na Favela. Alegava que o morro “sempre foi um lugar célebre de capoeiragem e assassinatos”, e que, depois da Guerra dos Canudos, “os mais ousados facínoras voltaram a habitar o píncaro do morro, denominando-o Favela (...) (Grifos nossos)”. 141

A outra justificativa lançada para apoiar as expulsões realizadas pelo governo dizia respeito à ideia de que o morro era um território à parte e estranho à cidade: “É impossível imaginar que ali no centro da cidade habite gente tão estranha e com uma vida tão própria”.142

Ao lado disso, a matéria procura criar um clima de suspeição sobre a Favela, ao dizer que no morro residiam “tipos suspeitos” constituídos de “negras maltrapilhas” e “moleques desnudos”.143

Para convencer os leitores de que a Favela era um lugar perigoso, a reportagem dizia ainda que as cenas de crimes lá existentes eram a “expressão da verdade”. Além disso, bem ao estilo das notícias sensacionais da época, a matéria buscava apelar para as sensações de medo de seus leitores, ao dizer que os repórteres do jornal ficaram “completamente assombrados” ao se depararem com o morro.144 Para reforçar essas sensações, a reportagem comparava as “cenas de crimes” na Favela às histórias dos folhetins, consideradas aí como “furibundas” de tão horripilantes que eram. 145

Outras reportagens, ao longo das duas décadas iniciais do século XX, também comungavam dessa perspectiva sobre a Favela, ao salientarem que o morro era um lugar onde “se acoitavam” em casebres “ladrões” e “pivetes” que “exerciam suas atividades

139

“Na Favela: trecho inédito do Rio. Ancorada dos gatunos e desordeiros”, Gazeta de Notícias, 21/05/1902, 1. 140 Idem, ibidem. 141 Idem, ibidem. 142 Idem, ibidem. 143 Idem, ibidem. 144 Idem, ibidem. 145 Idem, ibidem.

em vários pontos da cidade”146. Vista assim como um problema de segurança pública para a cidade do Rio de Janeiro, a Favela era retratada como um lugar de onde saíam os “ladrões e valentões, desordeiros e facínoras” que perambulavam no asfalto, para amedrontar a população.

O buraco quente, no morro da Favela (...) é o ponto predileto dos desordeiros e valentões, dos ladrões e facínoras que trazem sempre em sobressalto a população pacífica e ordeira desta encantadora cidade (...). 147

As reportagens que apresentavam essa faceta negativa da Favela sugeriam que a própria comunidade apoiava os criminosos do local, sob a alegação de que os moradores não os denunciavam: “Aquela gente (no morro da Favela), na sua maioria a crápula da sociedade, não denuncia os seus pares, não entrega os criminosos em ação da justiça. É o território neutro em que a ralé encontra a bandeira da impunidade, e daí a promiscuidade que lá vivem desordeiros e facínoras da pior espécie”148.

Os outros morros da cidade (Salgueiro, Santo Antônio, Pinto e São Carlos) também tendiam a ser retratados como territórios de “gente má” e como problema para a segurança pública e para a cidade (57,1% ou oito de um total de 14 matérias de crimes nesses morros)149: “É doloroso que “O novo Brasil” (bando do morro de São Carlos) seja constituído por semelhante escória, que enche de pavor a população ordeira, às voltas sempre com perigosos conflitos”.150

Para tentar convencer os leitores de que os morros eram lugares naturais do crime, os jornalistas pareciam querer naturalizar as relações entre favelas e crime/violência não só no interior das reportagens policiais, mas também em alguns títulos dessas publicações (12 ou 40% de um total de 30 matérias sobre crime nas favelas). “Favela sangrenta”, “Morro dos ladrões”, “Onde morava a fera: no morro dos trapicheiros”, “Na zona do crime: a Favela em sangue”151. Além disso, pareciam estabelecer vínculos mnemônicos nas matérias policiais (“Volta o morro da Favela a

146 “A quadrilha de pivetes: ladrões precoces”, Jornal do Brasil, 6/06/1907, 5.

147 “Noticiário policial: Na zona do crime: a Favela em sangue”, Jornal do Brasil, 6/06/1916, 9. 148

“A morte na fuga!”, Jornal do Brasil, 15/07/1909, 12. 149

Vale notar que apesar das notíciais policiais tenderem a veicular imagens pejorativas e criminalizadoras dos outros morros cariocas, comparativamente à Favela, houve um percentual expressamente de notícias que veiculavam versões mais tolerantes da associação entre morro e crime (seis ou 42,8% de um total de 14 matérias de crimes nos referidos morros). Iremos tratar dessas imagens mais adiante do texto.

150 “O terror do morro de São Carlos”, Correio da Manhã, 12/11/1915, 5.

151 Gazeta de Notícias,12/07/1919, 5; Correio da Manhã,9/11/1901, 2; Correio da Manhã, 4/02/1916, 3;

preocupar a atenção da reportagem de polícia”152) para rememorar outros casos nos quais ocorreram experiências urbanas semelhantes153. Ao rememorar tais casos, essas matérias pareciam construir um “lugar de memória”154 dos morros do Rio de Janeiro como um espaço habitado pela violência, crime e criminosos de alta periculosidade:

Há tempos eram constantes as queixas e reclamações na polícia do 17º. distrito contra um perigoso indivíduo que ali vivia como uma aberração da espécie humana.

As autoridades locais iam lá em cima e não encontravam o facínora. Os roubos se sucediam; os atentados ao pudor se multiplicavam e as ameaças de morte tomavam um caráter de verdadeira epidemia naquela zona maldita. Era um inferno habitar-se no morro dos trapicheiros!155

Mas essas reportagens policiais não percebiam ou não queriam perceber que a pobreza e a marginalidade constituíam (e constituem) uma violação de direitos fundamentais do homem, como compreende o sociólogo Edmundo Campos ao analisar a questão da pobreza e crime na contemporaneidade156. Direitos estes referentes à habitação decente, à educação e ao trabalho.157

Em todo caso, as matérias policiais, anteriormente comentadas, procuravam elencar e justificar os motivos que explicariam por que os morros eram espaços naturais da criminalidade.

Um dos motivos destacados dizia respeito à ideia de que os moradores da área eram supostamente levados por impulsos biológicos, como se eles tivessem uma “natureza desviante” que os levaria à prática criminal. E essa justificativa era dada tanto para os casos de criminosos que cometiam crimes de sangue/agressões quanto para os gatunos que cometiam furtos/roubos, sem o uso da violência física.

Em relação aos crimes de sangue e agressões cometidos, os jornalistas salientavam que tais crimes eram perpetrados por qualquer motivo ou por nenhum motivo: “Por ser o esconderijo da gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou até mesmo sem motivo algum, não tem o menor respeito ao Código Penal nem a

152

Jornal do Brasil, 15/07/1909, 12.

153 Barbosa, Marialva. História cultural da imprensa:Brasil,1900-2000. Op.cit.

154 Nora, Pierre. “Entre memória e história: a problemática dos lugares”. In: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, dez. de 1993, pp.7-28, apud Mattos, Rômulo. Pelos pobres ! Op.cit.

155 “Onde era a toca da fera”, Correio da Manhã, 4/02/1916, 3.

156 Campos, Edmundo. “Sobre sociólogos, pobreza e crime”. Dados – Revista de Ciências Sociais.Rio de Janeiro, vol. 23, n. 3, 1980, p. 383.

157

polícia”.158 Os autores desses delitos eram retratados como se fossem seres irracionais, que perpetrariam seus assassinatos/agressões por instinto.159 Em relação aos furtos/roubos, as reportagens alegavam, num sentido semelhante, que os habitantes dos morros, por serem irracionais, não podiam ver qualquer objeto ou níqueis “dando sopa” que logo os surrupiavam. “Certa gente ali não pode ver um vaso na ausência do dono, que o não traga para vender; não pode ver uns níqueis sobre uma mesa (...); uma fruta na árvore, uma galinha no quintal. Um horror! 160

Num discurso de estilo lombrosiano, as notícias pareciam afirmar que a própria aparência física dos gatunos e assassinos/agressores dos morros demonstrava a sua periculosidade: “são três criaturas singulares: de um mau físico, de uns olhos perigosos. Irão eles, por esses dias, para a Colônia Correcional, criar galinhas... Porque até ontem viviam sem trabalho, comendo gordas galinhas”. 161

Para justificar a ideia de que haveria uma suposta natureza desviante dos moradores dos morros, os jornalistas podiam ainda utilizar o imaginário social do fim do século XIX, que considerava os negros como sujeitos naturalmente vadios e criminosos. Inclusive das 11 notícias que mencionavam a cor dos criminosos dos morros, a grande maioria deles eram pretos/pardos (nove ou 81,8%) e apenas dois eram brancos, sem nenhuma referência à nacionalidade desses indivíduos.

Por vezes, os jornalistas associavam a cor/raça dos criminosos negros, moradores dos morros, ao não-trabalho e à malandragem162, através de expressões como os “pretos sem ocupação”163 e “pretos malandros”:

(...) Ficou a polícia sabendo quais os membros de que se compunha o grupo assaltante (do morro de São José, no subúrbio), graças à captura de um deles, o ladrão João Santarém. Esse indivíduo, que é um preto malandro, muito conhecido da polícia, há dois ou três dias comprometeu-se a ir indicar o lugar onde deviam achar-se os seus outros companheiros164.

158 “Os dramas da favela”, Correio da Manhã, 5/07/1909, 2. 159

Rômulo Mattos também percebe esse tipo de discurso nas matérias de jornais cariocas que ele consulta em sua tese de doutorado. Mattos, Rômulo. Pelos pobres! Op.cit.

160 “Noticiário policial: A Tijuca vai ficar livre dos ladrões. Assim quer o delegado do 17º. distrito. Uma busca no morro do Salgueiro”, Jornal do Brasil, 6/02/1916, 11.

161

Jornal do Brasil, 6/02/1916, 11.

162 Sobre as representações sobre as favelas e os negros nos morros ao longo do século XX, ver: Um

século de favela. Rio de Janeiro: Editora FGV, Zaluar, Alba e Alvito, Marcos (orgs).2006.

163 “O terror do morro de São Carlos”, Correio da Manhã, 12/11/1915, 5. 164

Sobre ainda a ideia de uma suposta natureza criminosa dos negros/mulatos dos morros, os jornalistas pareciam querer sugerir que a aparência física desses criminosos (expressão facial, formato do nariz e lábios) seria um indicativo de sua “alma criminosa”.

O acusado é um indivíduo de estatura mediana, mal encarado, de cor preta, natural do Rio. Reside no morro do Pinto em um barracão. É conhecido como pernicioso à sociedade, não só pelos maus instintos, como por ser inimigo, acérrimo do trabalho (...) . Já tem sido preso várias vezes, acusado de roubo em trapiches, como sucedeu aí há pouco tempo.165

Outro motivo apontado que explicaria o ingresso dos populares dos morros no crime – que poderia ser articulado (ou não) à primeira razão assinalada anteriormente referente à “natureza” ou à raça – referia-se à ideia de que tais indivíduos sofriam a influência perniciosa do “meio social” das favelas. Justificava-se tal fator sob a alegação de que os pais e mães, moradores das favelas, deixavam seus filhos crescendo na ociosidade ou devido à influência de más companhias. Segundo uma reportagem da

Gazeta de Notícias de 1917:

No morro de São Carlos, como por várias vezes temos referido, habita uma série enorme de perigosos indivíduos, como sejam ladrões e desordeiros, não se compreendendo como até então ainda não fosse criado ali um posto policial, cuja necessidade se torna absoluta, tais as desordens e outras vergonhosas cenas que diariamente ocorrem naquele morro. Há, entretanto, no meio dessa gente ruim, entre aqueles maus elementos, um punhado de pessoas que, malgrado a terrível influência do meio, não têm ainda corrompido o caráter. 166 Podia-se associar ainda o morro ao crime a partir da alegação de que as manifestações culturais aí presentes eram criminosas ou violentas167, tal como sugerem os títulos das seguintes reportagens: “Sangue num samba – cenas do morro da Favela”168; “A Favela em sangue: conflito em um “samba”: desordeiros e facínoras”.169

165

“Expansão de um facínora”, Jornal do Brasil, 10/03/1910, 6. 166

“Um pequeno herói”, Gazeta de Notícias, 5/10/1917, 3.

167Vale notar que a imprensa também publicava textos que procuravam legitimar o Carnaval, como expôs Eduardo Coutinho. Mas tais publicações não diziam respeito às reportagens policiais, mas sim às crônicas carnavalescas. Nestas publicações, os jornais enalteciam muitas vezes as formas de divertimento do povo, com a finalidade de defender o direito dos populares de brincar o Carnaval livremente, sem as perseguições policiais. Coutinho, Eduardo. Os cronistas de momo.Op.cit.

168 Gazeta de Notícias, 10/06/1907. 169

Mas bem diferente das reportagens policiais do período era a visão de Orestes Barbosa sobre as manifestações culturais do morro da Favela. O cronista buscava