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Orestes Barbosa, sua trajetória profissional na imprensa e suas publicações sobre o universo criminal

CAPÍTULO I: REPORTAGENS E REPÓRTERES POLICIAIS NO RIO DE JANEIRO

2. Os repórteres policiais

2.1. Orestes Barbosa, sua trajetória profissional na imprensa e suas publicações sobre o universo criminal

Orestes Barbosa foi sem dúvida um dos grandes repórteres de polícia e cronistas da cidade no início do século XX, tendo exercido intensa atividade jornalística ao longo de sua vida.232 Anos mais tarde, na década de 30, se tornaria muito conhecido na história do samba brasileiro.233

Nascido em 7 de maio de 1893, nas imediações do bairro de Vila Isabel, Orestes era filho de um ex-major da polícia do Império, e uma dona-de-casa de tradicional família militar. 234

Iniciou seus estudos de forma autodidata, e foi criado em contato direto com as ruas da cidade235. Aprendeu a ler nas calçadas, em cabeçalhos e manchetes de jornais. Só aos 12 anos ingressou no Liceu de Artes e Ofícios, onde aprendeu o ofício de

231 “Noite trágica”, Correio da Manhã, 26/10/1906, 1. 232

Velloso, Mônica. A cultura das ruas. Op.cit.

233 Sant’Anna, Marilene Antunes. A imaginação do castigo: discursos e práticas sobre a casa de

Correção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tese de Doutorado, História, PPGHIS/UFRJ, 2010.

234 Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op. cit. 235

revisor.236 Conseguiu seu primeiro emprego como revisor, em 1911, no jornal O

Mundo, por intermediação de um jornalista de grande prestígio, Ernesto Sena.237 Assim, como a maioria dos jornalistas da época, ingressa no jornalismo ocupando um cargo subalterno na hierarquia dos jornais.

Segundo o seu biógrafo Carlos Didier, quando Orestes entra para O Mundo, a revisão é um “bico” que rende cinco mil-réis por dia de trabalho. “Quem precisa e agüenta o tranco, faz dois “bicos”: um num matutino, outro num vespertino”.238 Era uma opção de estudantes pobres, de quem busca um complemento para o ordenado, de quem ainda não encontrou seu destino profissional, como diz Didier. Mas pode ser que, na perspectiva de Orestes, o jornalismo também significasse o primeiro patamar para atividade política ou para ocupar cargos na burocracia oficial. Afinal, como vimos anteriormente, este era o grande ideal dos jovens estudantes que ingressavam nos jornais da época.

O grande sonho de Orestes era se tornar repórter.239 Enquanto não surgia a oportunidade de realizar seu sonho, ele foi se aprofundar nos segredos da língua portuguesa da mesma forma como aprendeu a ler: observando e perguntando. 240 Meses depois de ingressar no jornalismo, realizou o seu sonho de se tornar repórter. Diferentemente dos outros jovens jornalistas da época, iniciou esse ofício não como repórter de polícia, mas sim como repórter envolvido em questões do mundo político no jornal Diário de Notícias, em 1912. Mas logo depois foi transferido para a reportagem policial, tema que alicerçou sua carreira e sua fama, como lembrou Marilene Antunes.241

Segundo Didier, as reportagens policiais do Diário de Notícias englobavam uma variedade de temas, desde temas ingênuos aos assuntos mais trágicos, das notas curtas aos artigos em série.242 O seu biógrafo elenca esses variados temas abordados pelo repórter:

236

Idem, ibidem, p. 20. 237

Sobre este jornalista, ver: Sant’Anna, Marilene Antunes. A imaginação do castigo: discursos e

práticas sobre a casa de Correção do Rio de Janeiro. Op.cit.

238 Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op. cit., p. 44. 239

Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op.cit; Sant’ Anna, Marilene Antunes. A imaginação do castigo.

Op.cit.

240 Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op.cit, p. 44.

241 Sant’Anna, Marilene Antunes. A imaginação do castigo. Op. cit. 242

Cocottes roubadas por moço de recados na Lapa, ladrão de guarda- chuvas preso com quatro exemplares no braço, comilão que não paga despesa, hóspede que vende as colchas das camas, agressão a pedradas, atropelamento por carrinho de mão e coice de cavalo, tudo é notícia, inclusive casos brutais: pai que pratica lenocínio com a própria filha, menor violentada por açougueiro, suicídio (....).243 Anos depois Orestes trabalhou em outros jornais cariocas – O Século, A

Imprensa e A Folha – como repórter de polícia. Neles, segundo nos informa Didier,

conseguiu alguns “furos de reportagem” de crimes famosos, como foi o assassinato do conhecido político Pinheiro Machado.244 Possivelmente tais “furos” tenham proporcionado a Orestes prestígio junto aos jornais e ao público, já que, como vimos anteriormente, as notícias inéditas davam notoriedade aos jornalistas.

Mais tarde Orestes acabou sendo preso duas vezes, por injúria e calúnia245. Dessas experiências na prisão resultou a publicação de um livro de crônicas, Na prisão, cuja primeira edição de mil exemplares, do ano de 1922, esgotou em seis dias246. Tal livro fala sobre a vida nas prisões do Rio, onde Orestes relata a figura de famosos ladrões e criminosos da cidade nas décadas de 1900 e 1910.247

Um ano mais tarde, publicou outro livro de crônicas intitulado Bambambã, que trata do universo da criminalidade no Rio de Janeiro do início do século XX. Algumas dessas crônicas foram publicadas originalmente na Gazeta de Notícias. O título do livro é uma gíria, que faz referência ao indivíduo valente, bom de briga. Bambambã é uma palavra derivada de bamba, com mais de uma grafia, porém sempre com o mesmo sentido.248

No período em que Orestes esteve na prisão, ao se encontrar com criminosos que ficaram conhecidos na cidade por suas peripécias famosas, buscou transformá-los em personagens de suas crônicas. Exemplo disso foi o caso do crime que ficou conhecido como “crime da Velha da mala de ouro”, cometido por um conjunto de ladrões em 1917:

Ela usava um berloque – uma mala de ouro – e ficou conhecida como a Velha da mala de ouro.

243 Idem, ibidem, p. 71. 244 Idem, ibidem. 245

Sobre os processos de injúria e calúnia que Orestes Barbosa se envolveu, ver: Didier, Carlos. Orestes

Barbosa. Op.cit.,p. 147.

246 Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op.cit, p. 188.

247 Barbosa, Orestes. Na prisão.Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos,1922. 248

Os ladrões foram lá pensando que ela possuía uma mala cheia de dinheiro....

O estrangulamento da Velha da mala de ouro abalou a cidade.

Uma octogenária, na Piedade, certa noite, teve a casa assaltada por uma quadrilha.

A velha, ouvindo rumor, saiu corajosamente para o quintal com uma lança na mão e aí foi estrangulada.

O chefe da quadrilha, o Boneco, foi preso e, como os outros, negou o crime.

Um dia, porém, todos confessaram o delito ao major Bandeira de Mello.

Dizem, no entanto, que a confissão foi conseguida a pau.

O “Cara de Velho” mostrou-me a mão calosa, esforçando-se por convencer-me de que a espessura que eu via derivava das palmatoadas do major.

Nem ele, nem o “Boneco”, nem o “Formiga”, nem o Cassiano, fizeram nada.

- Talvez, que o Alcino, que nos acusou, seja cúmplice dos assassinos. - E quais são eles?

- Os assassinos são um tal “Vivi” que está estabelecido em Madureira e o Jerônimo, que está na Colônia.

Disse-me o “Cara de Velho” que a velha estrangulada não possuía só o berloque.

Era uma velha rica, dona de uma casa e de muitas jóias. - Como sabe disso?

- Porque uma sobrinha dela disse a polícia.

A quadrilha que estrangulou a Velha da Mala de Ouro foi condenada a 150 anos de prisão (...).249

Alguns anos antes do período em que Orestes esteve preso, assinou uma série de artigos com pseudônimos, e muitas vezes os escreveu sem se identificar como autor, intitulada “Reminiscências policiais”.250 Os textos aí relembram inúmeros casos que tiveram grande repercussão na imprensa carioca no início do século XX, como os múltiplos delitos do famoso Afonso Coelho e o degolamento de “Madame Holofote”251. Essas publicações eram marcadas por características muito semelhantes de diversas notícias de crimes do período. Nelas havia a mescla da informação e opinião, o estilo sensacionalista de narrar, críticas veementes às investigações policiais da época, e os títulos entrecortados que resumiam o artigo que seria lido pelo leitor no interior do texto: “Reminiscências policiais: A cidade de outr’ora. O crime das degoladas. A rua Senhor dos Passos em 1898. Flora Gonçalves e Ferreira de Carvalho – A morte de Ferreira das degoladas – Justino Carlo, o Carleto – polícia e justiça”.

249 Barbosa, Orestes. Na prisão. Op. cit., pp. 149-150. 250 Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op. cit.

251

Depois do crime de Maria Macedo, nenhum outro emocionou tanto o Rio antigo como o crime da rua Senhor dos Passos.

(...) Ali se deram conflitos sangrentos e furtos contínuos sem que a polícia pudesse ter mão a tudo aquilo.

(....) Como é comum nos grandes crimes a polícia ficou atordoada e iniciou as investigações atropeladamente.

Apesar de muito esforço desenvolvido nada foi apurado pela polícia que precisava ao menos de alguma suspeita para dar andamento ao seu serviço.

Na noite do crime, a polícia prendeu só na rua Senhor dos Passos 14 ladrões.

Mas não foi possível atirar sobre nenhum deles a brutal responsabilidade (...) . 252

Como se pode notar acima, o texto de Orestes é escrito em frases e parágrafos breves. Na apresentação da segunda edição de Bambambã, os escritores Armando Gens e Rosa Gens salientam que a escrita de Orestes “chega-se a um estilo teatralizado, dramático, que exibe cenas do cotidiano da cidade com a precisão de instantâneos”253. O próprio Orestes define as crônicas que escreve como narrativas breves, bem ao ritmo dos acontecimentos que se sucediam de forma rápida, e com observações leves sobre temas cotidianos254:

Na febre da vida que nos empolga, muitos aspectos da cidade desaparecem sem um registro.

Ao cronista, veloz como o seu tempo, cabe o dever de evitar esse desaparecimento, trazendo assim para uma viagem de bonde os comentários dos cafés. 255

Feita até aqui essa breve análise sobre a biografia de Orestes e de suas publicações sobre crimes, vale dizer que ao longo da tese utilizaremos tais textos, que como vimos foram publicados no início dos anos 20.

Apesar de terem sido produzidos num período um pouco posterior ao nosso recorte temporal, as referidas publicações devem ser vistas não apenas como resultado da experiência de aprisionamento de Orestes no início dos anos 20. Certamente, a produção desses textos é resultado também da própria memória de Orestes sobre os delitos antigos ocorridos na cidade, como ele mesmo registra, ao se referir a um crime que gerou ampla repercussão na imprensa:

252

A Folha, 7/10/1920, 2.

253 Barbosa, Orestes. Bambambã. Op. cit., p. 13. 254 Didier, Carlos. Orestes Barbosa. Op. cit.

255 Barbosa, Orestes. “Na vertigem da cidade”, A Notícia, 26/09/1923, p. 1, apud Didier, Carlos. Orestes

Quando houve o crime da rua da Carioca eu era muito criança. Cantarolei bastante aquela modinha do jaquetão e guardei as fisionomias dos célebres estranguladores – Rocca com o “cavaignac” bem tratado e “Carleto” barbudo, deixando ver só os olhos miúdos.256 Além disso, essas publicações de crimes devem ser tratadas como produto da própria experiência de Orestes Barbosa como repórter policial na década anterior, quando transitou nos mais diversos lugares do Rio e nos considerados “espaços perigosos da cidade”. Afinal, certamente para os repórteres da época a própria cidade do Rio de Janeiro era uma fonte permanente de informações – cidade esta entendida aqui como o símbolo capaz de exprimir a tensão entre racionalidade geométrica e emaranhado das existências humanas, como expõe Ítalo Calvino257 – uma vez que nos mais variados espaços urbanos esses profissionais de imprensa conversavam com diversos tipos de pessoas e experimentavam pessoalmente diversas dimensões da vida urbana258. Era através desse contato entre os repórteres e a cidade que as reportagens pareciam construir uma espécie de “mapeamento geográfico” da criminalidade no Rio de Janeiro, como analisaremos a seguir.