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a palavra “terapêutica” constitui uma moeda forte na legitima- ção da especialidade do trabalho desenvolvido pelo profissional da rede alternativa. a conotação adquirida atualmente por essa categoria remete ao explicitamente terapêutico – como no caso das diversas técnicas alternativas de tratamento e diagnóstico – ou fazendo alusão ao terapêutico, a medida que se constrói uma relação de afinidade com o “autoaperfeiçoamento” e o “autoconhecimento”, valorizando sua dimensão ou efeito terapêutico. nos diferentes jornais alternati-

vos dessa área e nos prospectos de cursos, workshops e atendimentos individuais, é frequente e cada vez mais intensa a utilização da palavra “terapêutica”, como definidora da especificidade ou da finalidade do trabalho realizado, diferenciando-o de outros usos e efeitos possíveis. assim, por exemplo, a dança é reapropriada no âmbito terapêutico como “biodança”, como neste anúncio, em folder, de um espaço tera- pêutico alternativo:

Biodança é um sistema de integração e desenvolvimento, baseado em movimentos corporais, música e situações de integração em grupo. reforça os mecanismos naturais de auto-regulação, estimula vivências harmonizadoras, restaura a auto-estima, o prazer de viver e a capacidade de melhor enfrentar os desafios existenciais.

dessa forma, na apresentação de algum trabalho que se situe fora do circuito mais “restrito” e “consolidado” das técnicas, é muito comum a sua qualificação como “eminentemente terapêutico”, manifestando “efeitos terapêuticos” ou ainda como uma ferramenta eficaz no âmbito do “processo terapêutico”. a presença desses qualificativos indica uma escolha na abordagem do trabalho, revelando o reconhecimento de uma dimensão singular e imemorial, como podemos observar no seguinte trecho do artigo Quiroprática: na Antiguidade, quando o homem ainda estava em estreita simbiose com ele mesmo e seu universo, fazia-se gestos instintivamente terapêuticos. (1995)

se hoje em dia esse equilíbrio foi perdido, a necessidade parece ser a construção consciente e sistemática da perspectiva terapêutica, como meio de obtenção do reequilíbrio perdido. É nesse caminho que a terapêutica se situa, oferecendo uma abordagem muitas vezes qua- lificada como “mais profunda”. o artigo Hipnose consciente (1995) é um bom exemplo desse movimento, a medida que, através do acréscimo do termo “terapia”, o autor procura salientar a dimensão terapêutica (de tratamento) da hipnose, distinguindo-a de outras interpretações “menos sérias”: “a hipnoterapia é um tratamento muito mais profundo e sério do que pêndulos tentando convencer a pessoa daquilo que ela não é”.

práticas ou vivências corporais variadas. Uma pequena listagem com alguns exemplos de artigos de jornal34 aponta esse fenômeno de recon-

versão semântica e nos auxilia a visualizar a sua dimensão: 1. Argila, anjo da Terra... uma terra que cura (argiloterapia)

Justificativa: Por pertencer ao reino mineral, a argila tem em si grande capacidade para absorver vibrações densas e mate- riais, o que a torna um instrumento de harmonização e cura quando colocado em contato com o organismo humano. 2. Encontro com o desconhecido (Musicoterapia)

Justificativa: som é uma energia vibratória e as frequências vibratórias podem se combinar de diversas maneiras, ofe- recendo um universo inesgotável de possibilidades sonoras e da expressão psico-corporal [...] é aí que a música entra como instrumento no processo terapêutico, estruturando um pano de fundo, um ambiente de percepção, onde poderão se expressar as mais variadas e significativas formas de relação terapêuticas.

3. Jejum: quando a natureza cura (jejum como técnica terapêutica) Justificativa: antigamente, quando ainda não existiam re- médios nem tratamentos, uma vez ou outra – muito rara- mente – o homosapiens adoecia. Qual era o seu fim já que não sabia sequer fazer um chá? Perdiam o apetite, deixavam de comer, e intuitivamente os desequilíbrios eram entregues à Mãe natureza. [...] e o homem jamais conseguirá inventar método mais simples, natural e rápido para recuperar a saúde que a abstinência total de alimentos, exceto a água, ou seja, o jejum.

4. Saúde através da frutoterapia... um presente da Mãe Natureza Justificativa: os povos antigos buscavam na natureza o ali- mento, o remédio, a solução para todas as necessidades. nos tempos atuais, a terapeuta estudiosa da flora nacional, através

34 Publicados respectivamente em Ganesha (1995, [199-], 1996, Pêndulo (1995), Homeopatia & Vida (1995, [199-]).

da frutoterapia, vem-se obtendo excelentes resultados nos trabalhos de regeneração e tonificação celular.

5. Sucoterapia

Justificativa: Grande parte dos recursos energéticos e vita- lizantes da natureza estão contidos nas seivas dos vegetais e nos sumos das diversas frutas. ingerir esses sucos é por em ação certos mecanismos fisiológicos que trazem saúde ao nosso organismo.

6. Relaxterapia

Justificativa: o relaxamento permite que se reverta o de- clínio orgânico e psíquico para que se possa retomar a vida em direção aos verdadeiros ideais. [...] acessível a todos, a relaxterapia é um método auxiliar de cura, uma verdadeira massagem interior, um sedativo natural que permite a pessoa se conhecer, se cuidar, descansar, se recuperar, renovar-se e revitalizar o corpo e a mente, promovendo o renascimento para uma vida de equilíbrio, harmonia e saúde.

7. Hidroterapia é a chave para a saúde

Justificativa: embora os efeitos da hidroterapia sejam no- táveis, ainda não foi formulada uma teoria para explicar a capacidade terapêutica da água. [...] se considerarmos o prin- cípio ayurvédico de que a água transfere a própria energia ao organismo que a recebe, ela então contribui de modo efetivo na recuperação das partes do organismo.

todos os exemplos acima35 parecem apontar para uma nova forma

de abordagem de um conjunto de práticas e saberes que não são novos (alguns de domínio popular, como no caso do jejum), mas adquirem le- gitimidade a medida que lhes são atribuídos o qualificativo de “terapia”. essa ressignificação, menos perceptível no conteúdo que na nominação, é reveladora da forma como se estrutura a rede terapêutica alternativa

em sua interface, por um lado, com a nebulosa místico-esotérica, e por outro, com as demais “terapêuticas” concorrentes.