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terapeutas-psicólogos, psicólogos-terapeutas

ao longo da pesquisa entrevistei indistintamente terapeutas que trabalhavam com as mais diferentes técnicas e com formação anterior diversificada. não havia um critério valorativo de escolha dos profis- sionais baseado na formação anterior à sua entrada na rede terapêutica esse critério, no entanto, não tardou a aparecer ao longo das entrevistas e das conversas informais que pude realizar com vários deles. Como exposto no capítulo que tratou dos tipos-limite “piscologizante” e “es- piritualizante”, a questão da formação anterior revelou-se de extrema importância no que se refere não apenas à forma de entrada na rede terapêutica alternativa, mas também permear – na forma de um “filtro” – a percepção da própria experiência terapêutica. além dessa diferen- ciação, no caso específico dos psicólogos, pude frequentemente ouvir críticas constantes à forma de tratamento concedida aos terapeutas- psicólogos, por parte do órgão representativo da classe, o Conselho regional de Psicologia/rj.

através das conversas com esses psicólogos, uma característica desses profissionais da rede terapêutica alternativa acabou por se revelar bastante sui generis: se, por um lado, no âmbito da rede, eles priorizavam uma perspectiva “científica” do trabalho desenvolvido, procurando imprimir uma conotação mais “psicologizante” aos aspectos “místicos”

lado, do ponto de vista do Conselho, eles eram considerados “pouco científicos”, por promoverem uma mistura de recursos terapêuticos incompatíveis com a tradição acadêmica da psicologia. os psicólogos- terapeutas situavam-se de forma ambígua entre esses dois posiciona- mentos, buscando um reconhecimento “oficial” da “heterodoxia” de sua prática terapêutica.

as reclamações eram constantes e os conflitos, abertos, entre eles e o Conselho. o ano de 1996 foi marcado por uma vigilância mais sistemática, por parte do Conselho, em relação ao trabalho desenvolvido por esses psicólogos. a grande maioria dos psicologos-terapeutas que entrevistei já havia sido notificada da irregularidade de sua atividade, bem como sido visitada por um dos fiscais responsáveis pela averigua- ção mais detalhada. nessas visitas, o papel do fiscal era não somente conversar com o psicólogo, mas também avaliar as condições do seu local de trabalho, como, por exemplo, verificar se o consultório possuía uma decoração acentuadamente “esotérica”.

resolvi, então, realizar uma visita ao Conselho para obter outras informações sobre essa “perseguição” e, evidentemente, inteirar-me do debate buscando conhecer as diferentes posições nele envolvidas. no momento de minha chegada, um funcionário da comissão de fisca- lização estava notificando, por telefone, uma psicóloga acerca de um processo que teria sido aberto contra ela. segundo esse funcionário, o motivo da notificação residia no fato de que a profissional estaria oferecendo “promoções”, do tipo “primeira consulta grátis”, para ampliar sua clientela. a etapa posterior à notificação, por telefone, da irregularidade observada pelo fiscal, seria a assinatura de documento escrito reconhecendo a notificação feita pelo Conselho. Feito isso, o processo segue, então, alguns trâmites burocráticos, mas quase nunca termina com alguma punição mais severa ao profissional que se encontra em situação irregular.

esse procedimento é considerado padrão. tanto no caso acima narrado, como no que se refere aos problemas acarretados pelos psicó- logos-terapeutas. o que quero esclarecer, a partir do exemplo acima, é que não existe distinção de tratamento para a questão dos profissionais

que se envolvem com técnicas alternativas de tratamento. a comissão de fiscalização do Conselho representa a primeira triagem onde são tratados todos os processos de irregularidades concernentes à ética pro- fissional dos psicólogos. o caso dos psicólogos-terapeutas é apenas um dentre os inúmeros casos observados e fiscalizados, ainda que seja um dos mais importantes, tanto do ponto de vista quantitativo – envolvendo um trabalho considerável de conversas e visitas aos consultórios – como qualitativo, a medida que essa questão ganhou um destaque crescente, ao ponto de se constituir num dos principais temas a serem discutidos no ii Congresso nacional de Psicologia, em 1996.

no que se refere à fiscalização do trabalho dos psicólogos-te- rapeutas, a comissão do Conselho contava, em 1996, com três fiscais especialmente treinados para esse fim. Faziam um levantamento cons- tante dos anúncios veiculados pelos psicólogos, utilizando como base de dados os anúncios veiculados em órgãos da grande imprensa, como o Jornal do Brasil, O Globo e a revista Veja. Curiosamente, não partici- pava dessa lista nenhum dos jornais alternativos da área. o fato é que, apesar do caráter limitado deste levantamento, a fiscalização, ainda assim, vinha conseguindo “rastrear” o trabalho de uma boa parcela de profissionais, acarretando medos e angústias que giravam em torno dos possíveis desdobramentos do processo inicial de repreensão.

Muito embora houvesse certa “atmosfera de medo”, permeando as relações entre estes psicólogos e o Conselho, o procedimento adotado pelos fiscais para se resolver o problema era relativamente simples. eles contatavam o profissional para uma conversa, no intuito de “orientá-lo”, e expunham o que consideravam ser o principal problema: a veiculação, no mesmo anúncio, de sua formação enquanto psicólogo e terapeuta alternativo. a orientação do Conselho era a de desvincular os dois trabalhos, tanto no que se refere ao anúncio propriamente dito, como também na clínica. anunciar e administrar separadamente o tratamento e o problema estaria resolvido.

na percepção dos profissionais do Conselho, as terapias alternati- vas eram tidas como underground e, portanto, desqualificadas no âmbito

da psicologia. embora essa avaliação fosse partilhada pelos profissio- nais do Conselho, eles rejeitavam qualquer possibilidade de rotulação do seu trabalho como sendo de “caça às bruxas”. afinal, precisava-se fazer cumprir a resolução do Conselho Federal de Psicologia n. 16/94, de dezembro de 94, que dispunha sobre o tratamento dessa questão, da qual destaco o trecho seguinte:

1o. Parágrafo: Fica vedado ao psicólogo na publicidade através de jornais, rádio, televisão, ou outro veículo de comunicação, vincular ou associar ao título de psicólogo e/ou ao exercício profissional rótulos expressões, práticas ou técnicas tais como: tarologia, astrologia, numerologia, Cristaloterapia, terapia energética, Psicoterapia Xamânica, psicologia esotérica, terapia de transmutação energética, Quiromancia, Cromote- rapia, Florais, Fotografia Kirlian, terapia regressiva de vidas Passadas, psicologia espiritual, terapia dos chakras, terapia dos Mantras, terapia de Meditação, psicoterapia do Corpo astral, trabalho respiratório Mohãmico, projeciologia, Programação neurolinguística, iridologia. Parágrafo único: as alternativas acima, são meramente exemplificativas, sendo igualmente vedadas outras práticas alheias ao conhecimento científico no campo da psicologia, já existentes ou que venham a ser criadas.

a relação estabelecida entre o Conselho e os psicólogos-terapeu- tas caracterizava-se por uma “não aceitação negociada”: sabe-se que não se pode praticar a terapêutica alternativa, o que não impede o reconhe- cimento de que muitos a exercem. a questão, porém, é que, enquanto psicólogos, esta vinculação é proibida, mas não enquanto terapeutas; a estratégia que passa a ser adotada pelos psicólogos é a da desvinculação das terapêuticas, uma estratégia em si mesmo problemática, a medida que, no âmbito da experiência individual, isso nem sempre é possível. o problema é, portanto, pretensamente contornado, mas o núcleo da questão fica de fora, permitindo que as discussões em torno do tema fiquem restritas à questão da ética profissional e não da legitimidade das técnicas alternativas.