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Morfodinâmica e evolução dos ambientes naturais

4 METODOS E TÉCNICAS

2 BASES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

2.4 Morfodinâmica e evolução dos ambientes naturais

A introdução do conceito de morfodinâmica nasce com a ruptura da percepção estática e relativamente rígida da evolução do relevo, divulgada no Brasil a partir da proposição de Tricart (1977), para quem diferentes ambientes naturais encontrados na

Fe203 + H20 = 2Fe00H c l c hematita goethita

superfície terrestre, na perspectiva da teoria de sistemas, resultam das diversas relações de troca de energia e de matéria entre seus componentes.

Na concepção ecológica, o ambiente é analisado sob o prisma dessa teoria, na qual as trocas de energia e matéria acontecem em condição de equilíbrio dinâmico. Esse equilíbrio é modificado pelas frequentes intervenções humanas na natureza, gerando no ambiente estados de desequilíbrios temporários ou permanentes. A partir dessas ideias, Tricart (1977) definiu três categorias de ambientes: estáveis, quando se encontram em equilíbrio dinâmico;

intergrades, em condições de transição, e instáveis, quando os ambientes se encontram em

desequilíbrio. Nessa perspectiva, mesmo admitindo a ideia de que os elementos lito- estruturais exercem grande influência na evolução das unidades do relevo, esse autor realça que localmente essa relação não se faz de forma predominante e, assim, o estudo da dinâmica da paisagem em nível local passa, necessariamente, pela compreensão da dinâmica dos processos e seus efeitos sobre os materiais e as formas de relevo.

A esse respeito, Bigarella et al. (2007) destacam que, no estabelecimento de relações entre rochas/elementos estruturais e processos erosivos atuantes, pode-se identificar a resistência dos materiais e resgatar a história da evolução geológica em nível local, regional e até mundial.

E assim, partindo da complexidade que envolve essa relação entre materiais e processos, Christofoletti (1980), destaca o conceito de balanço morfogenético/dinâmica das vertentes como um sistema aberto, em que

a meteorização e a pedogênese correspondem às componentes verticais na vertente, sendo que a ação combinada entre elas tem o efeito de aumentar a espessura do regolito; e que os demais processos morfogenéticos (movimentos do regolito, escoamento, ação eólica e outros) correspondem às componentes paralelas. Tais processos tem o efeito de retirar os detritos da vertente, promovendo a diminuição da espessura do regolito e o rebaixamento do modelado (CHRISTOFOLETTI, 1980, p.58).

O princípio da morfodinâmica adota como premissa o balanço entre morfogênese e pedogênese para determinar o grau de instabilidade da paisagem, estabelecendo, então, o balanço morfogenético pela relação entre os componentes perpendicular e paralelo. O perpendicular se caracteriza pela ação da infiltração, favorecida pela presença da vegetação, implicando em alterações de natureza bioquímica, possibilitando a instalação dos processos pedogenéticos, enquanto o paralelo se caracteriza pelo efeito erosivo, favorecido pela

ausência da cobertura vegetal e proporcionando a ação dos processos morfoesculturais (CASSETI, 2005).

Conforme Christofoletti (1980), o ambiente encontra-se marcado por um equilíbrio climáxico quando a encosta se encontra num momento de biostasia, porque predomina a componente perpendicular. Ao contrário, quando a componente paralela se instala, o processo de morfogênese torna-se dominante, caracterizando um desequilíbrio climáxico através da intensa erosividade. Neste caso, a resistasia constitui o momento em que a cobertura vegetal é retirada, como resultado das alterações climáticas (escala de tempo geológico) ou da degradação processada pela ação antropogênica (escala de tempo histórico do homem).

A respeito dos processos morfodinâmicos, Magalhães Jr. e Moreira (1999) chamam a atenção para a importância da relação entre a atuação de movimentos de massa e a geração de sequências coluvionares diversas. Isto porque colúvios de textura fina são geralmente relacionados a típicos ambientes úmidos e estáveis tectonicamente, originados a partir da atuação associada de processos como splash (erosão), rastejamento, fluxos e deslizamentos, enquanto que os colúvios detríticos e tálus de blocos têm sido comumente associados a ambientes mais secos ou instáveis tectonicamente, uma vez que os afloramentos rochosos predominam em relação às zonas cobertas por manto de decomposição. Assim, Magalhães Jr. e Moreira (1999, p. 23) destacam que

mudanças climáticas ou eventos tectônicos são apontados como responsáveis por bruscas rupturas no equilíbrio natural das paisagens, transformando a morfogênese, a morfodinâmica e a geração de sequências deposicionais. Movimentos de massa com a consequente formação de colúvios com seixos, blocos e/ou matacões têm sido citados na literatura como resultante de condicionantes climáticos específicos ou atividade tectônica intensificada em períodos determinados (Allison, 1991; Modenesi, 1992; Whitney e Harrington, 1993).

Para Casseti (2005), a importância da compartimentação topográfica no estudo do relevo deve-se principalmente ao fato de que a mesma evidencia o resultado das relações processuais e respectivas implicações tectônico-estruturais registradas ao longo do tempo, considerando o jogo dos componentes responsáveis pela elaboração e re-elaboração do modelado, em que as alternâncias climáticas e as variações estruturais tendem a originar formas diferenciadas.

A esse respeito Melo et al. (2005) lembram que se deve levar em conta que formas e processos quaternários refletem a ação de processos mais recentes, que podem repetir-se ou intensificar-se até na escala humana, implicando na recombinação ou interação de feições e

materiais herdados com os processos atualmente vigentes. Os processos morfogenéticos atuais colaboram na morfogênese em proporções variáveis, de acordo com os sistemas morfoclimáticos dominantes. Sob essa ótica, relatam que podem ser identificados dois tipos principais de meios no espaço brasileiro: um tipo onde ocorre uma intervenção direta dos agentes externos sobre as rochas (no qual se inclui o interior do Nordeste) e outro em que os agentes morfogenéticos dependentes do clima interferem de forma indireta sobre as rochas, o que ocorre de forma predominante nas regiões Norte e Sudeste.

A partir de exemplos da identificação de paleossolos em diversas regiões do mundo, Melo et al. (2005, p. 260), demonstram que

em razão da multiplicidade das variações de sequências climáticas que se sucederam depois do Neogeno, as formas de relevo raramente refletem apenas as condições presentes (‘formas características’: Brunsden, 1993), exceto em casos em que condições morfoclimáticas particularmente agressivas apagaram todos os traços de ações anteriores (SUMMERFIELD, 1991; PEUVAST;VANNEY, 2002).

Dessa maneira, podem ser identificados três grandes tipos de domínios naturais no Pleistoceno:

1) Os meios continuamente marcados por ações mecânicas e as regiões continuamente desérticas ou semiáridas [...]; 2) os meios alternativamente marcados por ações mecânicas e bioquímicas que, pela riqueza de suas heranças, apresentam uma complexidade máxima nas relações entre processos, condições climáticas e formas de relevo – nesse caso, sobretudo nas regiões temperadas [...] não tendo grande expressão no Brasil; e 3) os meios continuamente marcados por ações bioquímicas, nos quais as condições foram sempre propícias ao desenvolvimento de solos do tipo ferralíticos e fersialíticos, com alternância de formação e degradação de couraças lateríticas in situ (TARDY; ROQUIN, 1998) e de fases de intemperização profunda e ablação, favoráveis aos fenômenos de pediplanação (THOMAS,1989b) [...]. Nesses meios, houve sempre forte tendência à manutenção das formas de relevo que não se diferenciam de maneira marcante daquelas atuais. Nesse domínio situa-se a quase totalidade da zona intertropical brasileira (MELO et al., 2005, p. 260).

Continuando essa interpretação dos ambientes, esses autores concluem que a análise da relação entre processos e produtos da morfogênese atual permite considerar, além da variação natural dos meios, a aplicação desse conhecimento no contexto de riscos naturais, uso e ocupação do meio e manejo de áreas naturais. E destacam que

com exceção de ambientes extremamente instáveis [...], tal abordagem não pode desprezar a análise de formas e modelados produzidos por condições

morfoclimáticas anteriores às combinações dinâmicas em curso. As perspectivas futuras apontam no sentido de relativização crescente da importância dada aos estudos morfoclimáticos clássicos (e.g. Geomorfologia Climática, em Tricart e Cailleux, 1995) aos processos atuais, a favor da consideração do papel exercido na organização das paisagens pelos processos pretéritos, climáticos e estruturais [...] assim como aqueles de ordem social (MELO et al.,2005, p. 261).

Para Oliveira e Rodrigues (2007) as variações das características climáticas regionais são importantes para o entendimento da evolução do relevo, porém não se deve esquecer que os efeitos diretos dos diferentes eventos glaciais de dimensão planetária não foram sentidos diretamente no continente sul-americano após o Terciário. E assim referem-se aos efeitos das variações do nível do mar e seus reflexos sobre os níveis de base regional e local, como participantes da esculturação de novas superfícies de aplainamento que compõem os níveis topográficos mais baixos de cada região. E concluem que as mudanças no relevo a partir do Pleistoceno imprimiram dimensões locais e abrangência regional, aparecendo tanto nos perfis geométricos das vertentes e no aprofundamento dos canais de drenagem, como na formação de planícies e terraços fluviais, considerando, portanto, que durante o Pleistoceno dois conjuntos de processos diferentes intercalaram-se, operando alternadamente e submetendo as paisagens a diversas variações: em épocas glaciais e de clima seco predominaram os processos de degradação lateral; e nos períodos úmidos predominaram a dissecação fluvial, alterando, assim, o funcionamento dos processos superficiais operantes nas fases de transição climática.