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Capítulo 1 Epidemiologia da infeção

4. Mortalidade e fatores de risco

Neste estudo a mortalidade hospitalar dos doentes infetados foi elevada, de 38.2%, ainda mais alta nos doentes admitidos em choque séptico, 48.8%. À semelhança de outros estudos, a mortalidade aumentou com a idade (OR por ano de vida 1.03)12,13, com as comorbilidades (em particular insuficiência cardíaca, doença neurológica e imunossupressão), com a dependência física prévia e com o número de órgãos em falência na admissão14.

Inversamente, a mortalidade dos doentes sépticos agudos admitidos na enfermaria, habitualmente sem falências orgânicas, é habitualmente baixa, inferior a 5%15,16. No entanto, neste estudo, a mortalidade hospitalar dos 488 doentes que foram primariamente admitidos na enfermaria e requereram posteriormente transferência para UCI, foi similar à dos doentes (com maior gravidade clínica na admissão) que foram diretamente admitidos na UCI (35.9% vs. 35.1%, p=0.78). A identificação mais precoce do doente agudo, grave e seu encaminhamento para UCI poderá trazer benefícios clínicos 4.

Outras variáveis de processo de tratamento que neste estudo estiveram associadas ao aumento da mortalidade foram a inadequação da terapêutica antibiótica inicial (OR 2.3) e a aquisição duma segunda infeção durante o internamento na UCI (OR 2.2), à

semelhança do que fora previamente descrito17. Também estas são áreas

potencialmente susceptíveis de melhoria.

Neste estudo destacou-se a elevada prevalência de comorbilidades na população estudada (74.3%). Estas influenciam a decisão médica de suspender ou de não introduzir medidas terapêuticas ativas18, o que pode ser, só por si, um factor de

 

prognóstico (self fullfilling prophecy)19. De facto, nesta população já previamente menos saudável, a infeção é de forma frequente, o evento terminal sobreposto a uma série de outras doenças não infeciosas (degenerativas, inflamatórias, neoplásicas). Muitos destes doentes morrem com a infeção e não da infeção, embora essa distinção não seja, na maioria das vezes, fácil. Nas palavras de Sir William Osler “It is much more important to know what sort of a patient has a disease than what sort of a disease a patient has” e, referindo-se à pneumonia “so fatal is it, that to die of

pneumonia in this country is said to be the natural end of elderly people”20.

A repetida exposição destes doentes a antibióticos facilita o desenvolvimento de resistências bacterianas, o que pode ter impacto ecológico significativo, como se discutirá no capítulo 8.

A mortalidade dos doentes infetados ocorrida já após a transferência da UCI, na enfermaria, também foi estatisticamente superior à dos doentes sem infeção (14.2% vs. 9.0%, p<0.01). Tem sido sugerido que a melhor estabilização clínica e analítica prévia à transferência da UCI pode contribuir para a diminuição da mortalidade hospitalar21. A proteína C-reactiva (PCR), marcador da resposta de fase aguda, quer o seu valor absoluto22 quer a sua variação relativa antes da transferência23, parece poder ser útil para identificar os doentes com maior risco de mortalidade, ajudar a escolher a altura de transferência e o local de destino.

Em conclusão, a infeção grave em Portugal é prevalente e constitui um problema importante de saúde pública, o qual poderá estar a acentuar-se em resultado do aumento das resistências aos antimicrobianos. Algumas estratégias relativamente simples, focadas no diagnóstico, estratificação de risco e alocação de recursos, bem como uma utilização mais cautelosa e racional dos antibióticos, podem ajudar a melhorar o prognóstico destes doentes e a preservar o valor destes fármacos.

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