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 Impact of infection on admission and of the process of care on mortality

2. Parâmetros farmacocinéticos

A absorção é o processo pelo qual um fármaco entra no organismo através das barreiras fisiológicas do indivíduo. Define-se biodisponibilidade como a proporção do fármaco que atinge a circulação sistémica após a sua administração. A mesma engloba toda a quantidade de fármaco que atinge a circulação, embora tal possa ocorrer ao longo dum intervalo de tempo mais ou menos prolongado.

A distribuição é o processo de saída das moléculas dos fármacos do sistema vascular para os diferentes compartimentos, nomeadamente os tecidos e órgãos. A sua transformação química é designada por metabolismo. A excreção é a sua eliminação irreversível do organismo2 (figura 2).

 

As características demográficas do hospedeiro, tais como a idade, o peso, a altura, a percentagem de massa adiposa, influenciam a PK3–5. A esta variabilidade individual associam-se as alterações condicionadas pela presença de comorbilidades, em particular patologia aguda e crónica renal ou hepática.

 

 

Figura  2  –  Resumo  das  principais  características  farmacocinéticas  

 

A posologia ideal é também condicionada pela variabilidade inter-individual, resultante das características genéticas individuais, traduzida nos polimorfismos dos sistemas enzimáticos de metabolização e excreção. No doente agudo esta variabilidade é ainda mais extrema, porque estão alterados o débito cardíaco, a taxa de filtração glomerular e a atividade enzimática de metabolização e excreção. Estas diferenças são não só inter-individuais mas mesmo intra-individuais, relacionadas com os processos fisiopatológicos da doença aguda, da sua terapêutica e do processo de convalescença. No seu conjunto esta variabilidade da PK6 é observável na curva concentração – tempo, diferente para cada indivíduo e variando ao longo do tempo, o que pode ter implicações na eficácia in vivo de cada fármaco.

2.1 Absorção

A quantidade de fármaco que entra no organismo depende da sua absorção. Quando a sua administração é extravascular, a absorção é feita através das barreiras

 

fisiológicas que se interpõe até à circulação sistémica. A absorção é representada pela curva concentração-tempo (figura 3).

 

Figura  3  –  Fármaco  com  elevada  biodisponibilidade  oral.  Apesar  de  haver  um  atraso  no  pico  de   concentração  quando  a  administração  é  feita  por  via  oral,  a  área  debaixo  da  curva  concentração-­‐ tempo  (AUC)  é  superior  a  90%  da  AUC  da  administração  IV  

 

No doente crítico diversos fenómenos contribuem para alterar a absorção e a biodisponibilidade. A mucosa digestiva apresenta-se frequentemente edemaciada, congestionada e ela própria disfuncionante, com hipomobilidade e consequente distensão, bem como com alterações na concentração enzimática ou nas proteínas transportadoras do epitélio intestinal. A doença sistémica associa-se igualmente a vasoconstrição esplâncnica, o que mais diminui a biodisponibilidade dos fármacos administrados por via entérica.

A administração de comprimidos (triturados) por sonda naso ou oro-gástrica, muitas vezes misturada com a alimentação entérica, pode reduzir a biodisponibilidade dos fármacos ao alterar as suas características físicas e químicas, além de poder causar obstrução mecânica da própria sonda. Quando se pretende utilizar a via entérica, devem ser selecionadas formulações em suspensão, preferencialmente administradas

durante períodos de pausa alimentar7. São exemplos de fármacos que não devem ser

administrados por sonda os “enteric coated”, com proteção superficial que os protege da decomposição com a acidez gástrica ou que permite a sua libertação lenta

 

(omeprazole, levodopa/carbidopa, indometacina)8, os medicamentos não trituráveis (clonidina, digoxina) ou os que são inativados pela alimentação (ciprofloxacina, haloperidol).

Também o efeito de primeira passagem, a metabolização e eliminação hepática de fármacos absorvidos no sistema porta a partir da via entérica, antes da sua entrada na circulação sistémica, pode estar alterada pela doença crítica. Estas alterações dos sistemas enzimáticos podem provocar o aumento da concentração de fármacos que deixam de ser metabolizados e eliminados, mas também diminuir a concentração ativa daqueles que são administrados como pró-droga.

O tempo de absorção de cada fármaco, quando administrado por via extravascular, varia com a sua afinidade pelos tecidos, com a existência de proteínas transportadoras e com a perfusão do órgão por onde se processa a absorção. Na doença grave, a vasoconstrição e hipoperfusão dos músculos, da pele e do tubo digestivo reduz a absorção a cada um desses níveis, tornando-a lenta, errática e muitas vezes incompleta1.

Em contrapartida a administração intravascular tem biodisponibilidade virtualmente de 100%, pelo que a mesma deve ser a preferida na doença crítica, particularmente quando é necessário assegurar início rápido do efeito farmacológico. Assim, a terapêutica antibiótica das infecções graves deve ser inicialmente administrada por via endovenosa, pois o tempo até ao início desta terapêutica influencia a mortalidade9.

Alguns fármacos, como sejam as fluoroquinolonas, o fluconazol, a doxiciclina, o paracetamol, têm uma biodisponibilidade por via entérica próxima de 100% e podem ser convenientemente administrados por esta via, logo que haja estabilização clínica e esteja assegurado o funcionamento do intestino.

O paracetamol, ao ser absorvido de forma praticamente completa logo no duodeno e ao ser doseável no plasma, pode ser usado para quantificar o tempo do esvaziamento gástrico10 e a viabilidade do trato gastro-intestinal após cirurgia11.

 

2.2 Distribuição

A concentração dum fármaco ao longo do tempo depende da dose administrada e da sua biodisponibilidade, do volume de distribuição aparente (Vd) e do clearance (Cl). O Vd é um conceito matemático que relaciona a dose administrada com a concentração sérica atingida. Corresponde ao volume do compartimento onde seria necessário diluir a dose administrada para se obter uma concentração igual à

concentração máxima (Cmax) atingida no sangue

(Vd=(dose*biodisponibilidade)/Cmax). Este conceito assume que há homogeneidade da distribuição do fármaco no organismo, ou seja, é um modelo unicompartimental. Uma vez que o Vd se correlaciona com a massa corporal, é habitualmente expresso em L/kg de peso.

Para o seu cálculo é necessário determinar esta Cmax, a qual resulta do pico de concentração doseado no sangue ao qual é adicionada a quantidade de fármaco que já se distribuiu nos tecidos ou que já foi eliminada do organismo durante o tempo que mediou entre o início de perfusão do fármaco e o seu doseamento12.

É possível inferir as características da distribuição dos fármacos a partir da ordem de grandeza do Vd. Os fármacos hidrofílicos (como sejam os antibióticos aminoglicosidos e β-lactâmicos) distribuem-se predominantemente no espaço extracelular, pelo que têm um Vd relativamente baixo (cerca de 0.2-0.5L/kg), enquanto os fármacos lipofílicos (fluroquinolonas, oxazolidinonas), com distribuição predominantemente intracelular, têm um Vd bastante mais elevado (acima dos 0.6 L/kg)12. Alguns fármacos apresentam uptake celular aumentado, ou seja são ativamente absorvidos pelas células, pelo que a sua concentração tecidular é superior à sérica. É o caso da digoxina e da amiodarona, os quais, em consequência deste fenómeno, têm um Vd superior a 1 L/kg.

A concentração de cada fármaco nos diferentes compartimentos depende assim da dose administrada e da sua afinidade pelos tecidos, em particular da sua hidrofilia e polaridade. Idealmente a posologia deve ser ajustada em função do local onde se pretendem atingir as concentrações terapêuticas. Locais com baixa permeabilidade, como o sistema nervoso central protegido pela barreira hemato-encefálica, implicam o uso de doses mais elevadas (em particular de antibióticos). Inversamente, os órgãos de excreção são por excelência locais de alta concentração, particularmente dos

 

fármacos excretados na sua forma ativa1. Os fármacos que são previamente metabolizadas em metabolitos inativos, não beneficiam deste efeito.

2.3 Excreção

A Cl é a quantidade de solução da qual o soluto, o fármaco, é completamente extraído de forma irreversível por unidade de tempo, independentemente da via de excreção.

O Cl renal depende da quantidade de fármaco que é disponibilizado ao rim, nomeadamente do débito de sangue e da sua fração livre (Fu), não ligada às proteínas. A capacidade de extração varia com a hidrofilia do fármaco (nomeadamente da Fu) e/ou da sua metabolização prévia em metabolitos hidrossolúveis, habitualmente no fígado.

Existem normas de orientação posológica bem estabelecidas na insuficiência renal crónica, suportadas por estudos de PK. No entanto, na insuficiência renal aguda a excreção é muitas vezes inferior ao previsto por essas tabelas e existe uma janela terapêutica estreita entre assegurar a eficácia e prevenir a toxicidade.

O efeito da insuficiência hepática aguda na PK é ainda mais difícil de quantificar e existem muito menos estudos nesta área. As múltiplas interações medicamentosas, a variação do débito hepático, os polimorfismos genéticos, fazem com que apenas seja possível prescrever com segurança duma forma individualizada, preferencialmente com recurso ao doseamento direto da concentração dos fármacos (therapeutic drug monitoring, TDM), sempre que disponível.

Vários dos fármacos utilizados em cuidados intensivos são metabolizados a nível hepático. São três os principais factores que condicionam a Cl hepática: 1) o débito de sangue (Q) hepático, 2) a Fu (que no seu conjunto determinam a quantidade de fármaco disponível para ser metabolizada); 3) o metabolismo enzimático envolvido, responsável pelo Cl intrínseco (Cl int)13. De acordo com os princípios da PK, o Cl hepático pode ser representado por Cl = (Q*Fu*Cl int)/(Q+Fu*Cl int).

O metabolismo hepático de cada fármaco pode ser classificado em (i) extração elevada (Cl int>0.7), em que o metabolismo depende quase exclusivamente do Q

 

hepático, (ii) extração intermédia (Cl int entre 0.3 e 0.7) e (iii) extração lenta (Cl int<0.3)14, situação em que o metabolismo é fundamentalmente dependente da Fu e do Cl int13.

Os fármacos de extração elevada são assim facilmente removidos pelo fígado desde que esteja mantido o Q hepático14,15, enquanto o metabolismo dos fármacos de baixa extração (caso da generalidade dos antibióticos) é sobretudo influenciado pela função hepática, nomeadamente pela disponibilidade dos sistemas enzimáticos responsáveis pela sua metabolização, não sendo significativamente alterado pelo Q hepático14.

Na cirrose, em que há alteração do Q hepático, está predominantemente comprometido o Cl dos fármacos de extração elevada, enquanto a lesão hepatocelular aguda causa acumulação dos fármacos de baixa extração, dependentes do Cl int, particularmente do sistema enzimático do citocrómio P450, sensível à isquémia e à hipóxia.

É importante salientar a interação fígado-rim, pois os doentes com doença hepática apresentam frequentemente diminuição concomitante do Cl renal, ainda que mantenham creatinina (Cr) sérica normal. Em consequência pode ser necessário ajuste de posologia mesmo para fármacos com excreção puramente renal16.