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CAPÍTULO III BUSCANDO OS RESULTADOS DA PESQUISA

3.1 Conversando com as mulheres a partir dos dados, vistos sob um

3.1.12 O que é a morte para essas mulheres?

Segundo Meltzer (1984, p. 78), a morte é o inimigo que os vivos passam a vida tentando superar e derrotar para sempre, sem idéia da consequência disso.

As religiões e a filosofia sempre procuraram questionar e explicar a origem e o destino do homem. Quer seja por tradição familiar, cultural ou até mesmo por investigação pessoal cada um de nós traz dentro de si “uma morte”, quer dizer, a sua própria representação de morte. A esta são atribuídas personificações, qualidades, formas.

A morte traz um misto de alegria e dor, dor pela privação da presença dos entes queridos e alegria pela partida na consciência da missão cumprida, desejo de viver e também de morrer.

Para Pessini (2005, p. 7) a morte jamais deixou de ser atual e de provocar o homem. Ela sempre o visita, calmamente, por meio da perda de entes queridos, obrigando o homem a refletir sobre a sua própria vida finita, ou, então, nas situações inusitadas e inesperadas que o amedrontam.

O diagnóstico de câncer de mama é uma dessas situações inesperadas que amedronta, oferecendo a oportunidade de reflexão sobre a vida e sua finitude. Conforme pudemos observar, as mulheres participantes desse estudo em vários lugares, onde foram solicitadas a falar sobre a experiência com a doença, tocaram em questões que remeteram à vida e a finitude.

Nesse ponto do trabalho, especificamente, as cinco mulheres foram convidadas a falar sobre a morte, e daí pode-se colher quais as representações que a morte tem para elas. Assim, observamos que para uma das mulheres a morte é representada como sendo uma passagem, para outra um recomeço. Assim, pode- se ver que para essas duas mulheres, a representação que têm da morte está envolta por sentimentos e valores positivos, vivenciando-a como oportunidade de

recomeço, ou como uma passagem , mudança de lugar, mas tendo sentido de continuidade, não de fim, mas como uma possibilidade..

No entanto, para outras duas mulheres a morte é representada como um fim: “É o ponto final. É o ponto final de uma vida aqui na Terra”; e como uma separação dos entes queridos: “Ah .... eu acho que a gente morrendo a gente deixa todos os entes queridos pra cá”. Essas representações podem relacionar-se a vivências de medo em relação a morte, medo da solidão, da separação de quem se ama, medo do desconhecido, medo da interrupção dos planos e o fracasso em realizar os objetivos mais importantes da pessoa.

Talvez para essas duas mulheres o predomínio do medo da morte tenha se sobreposto a outras possibilidades amadurecidas de sentido para essa experiência. Desse modo, a morte representada como um fim, uma separação, uma impossibilidade de outras possibilidades, denota labilidade na confiança dessas mulheres às suas expectativas de que apesar das incertezas, das aflições, das angústias dessa experiência de vida presente, ou seja, o diagnóstico de câncer da mama, essas vivências não terminam simplesmente em um vazio, no nada, como a própria vida.

E uma das mulheres, ao ser convidada a falar sobre a morte, recusou-se a fazê-lo verbalizando: “eu não gosto de falar sobre isso”. Essa recusa em falar sobre a morte revela um dos mecanismos de defesa: a negação. Esse mecanismo nos fala de algo que pode assustar, angustiar e que a pessoa pode sentir como algo que não vai suportar. Então nega, afasta a angústia na tentativa de proteger-se contra aquilo que sente como ameaça.

Inevitavelmente, chegará o dia em que nenhum médico, ou cura d’alma, nenhum consolo sábio, nenhuma ajuda externa poderá oferecer apoio, pois sem sombra de dúvida alcançaremos o limite de nossa existência terrena e a finitude espera por nós. Essa recusa em falar sobre a finitude, a morte, parece carregada de medo, de angústia que são vivenciados possivelmente como sentimentos assustadores. Diante do susto, do inesperado - como o diagnóstico do câncer da mama, como a morte, a pessoa depara-se com o limite humano da própria vida. Para essa mulher, a maneira de lidar com tais vivências, foi o afastamento, a negação, mecanismo esse que pode ter minado a sua esperança de existir outras possibilidades, outros sentidos possíveis para a sua própria vida, que não apenas esse que conduz provavelmente para o desespero, a desesperança.

Nesse sentido, pode-se aproximar a observação de que para essa mulher o sentido que recorta a sua realidade é limitado e pouco esperançoso para poderem confiar em possibilidades além do medo, do desespero, do vazio, do nada.

Observa-se que as cinco mulheres são cristãs e, para o cristão, preparar-se para a morte significa perceber um sentido na vida que não se identifica com a vitalidade terrena, mas com a comunhão em Cristo.

O sentido da vida se dependura no sentido da morte. E o sentido nos diz Frankl (2003) “é a silhueta que se recorta contra o fundo da realidade”. A realidade que se apresentou em um dado momento da vida dessas mulheres foi o diagnóstico de uma doença com as representações que o câncer tem.

Diante dessa realidade, que defronta-se com o próprio limite - a finitude, a morte, - observa-se que duas dessas mulheres atribuíram sentido positivo para essa experiência: recomeço, continuidade. Ou seja, diante de um acontecimento doloroso e estressante, o diagnóstico de câncer da mama, puderam vivenciar um estado de fé e sentido, uma convicção e esperança com relação à expectativa profunda de que será encontrada uma saída, há possibilidades, não é um fim, um castigo. Apesar do medo do desamparo, da solidão, do desconhecido que acompanham o medo da morte, amparadas pela vivência da espiritualidade conseguem encontrar sentido para a morte, não como um aniquilamento, solidão, mas como possibilidade, continuidade.

Desse modo, estão mais em acordo com o sentido cristão da morte - a ressurreição, conforme encontramos em Jô, 25-26: “Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim jamais morrerá. Crês nisto ?”

As outras duas mulheres desse estudo, que atribuíram ou sentido negativo ou de negação, e assim, ocultando os sentimentos diante da morte, revelam formas de negar os sentimentos que a morte provoca para não sofrer. Sabe-se da importância da expressão dos sentimentos para lidar-se com as perdas.

Por que temer a morte , preenchendo-a de sentimentos negativos ou a negando ? Talvez para essas duas mulheres, nesse momento, diante da reação traumática do diagnóstico, do sofrimento causado pelos efeitos colaterais dos tratamentos, deparando-se irremediavelmente com a finitude, talvez a fé possa ter sido abalada: a mesma fé que acredita, pode duvidar, pode titubear. Afinal, não é um momento fácil da vida, onde o mar parece revolto e agitado. Nesse momento, pode

faltar o equilíbrio entre a dúvida e a certeza. Mas também, se respeitado e olhado como parte de um processo de elaboração de perda e luto, conforme nos apontam Kubler-Ross (1985, p. 89 ); Parkers (1998, p. 53) poderá contribuir para que a aceitação seja alcançada e o sentido dessa experiência com a doença seja encontrado.

Quadro 14 – O que é a morte para essas mulheres?

SUJEITOS CATEGORIA VERBALIZAÇÃO FREQUÊNCIA

1 Fim “É o ponto final. É o ponto final de uma vida

aqui na Terra.” 1

4

Deixar os entes queridos

“Ah... sei lá... eu acho que a gente morrendo a gente deixa todos os entes queridos pra cá. Eu acho que morte é isso...”

1

3 Novo

começo

“... É um novo começo. Você começa de

novo...” 1

3 Retorno “... você começa de novo... Você vai para vim

de novo pra cá” 1

5 Passagem “Uma passagem pra um segundo plano, né! A

gente só vai sair daqui e vai pro outro lado...” 1

2 Recusa em

CAPÍTULO IV - ASPECTOS PSICOSSOCIAIS, FÉ, EXPERIÊNCIA RELIGIOSA E