• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV ASPECTOS PSICOSSOCIAIS, FÉ, EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

4.3 Variáveis psicológicas

Em seu livro Correlatos psicológicos do câncer de mama e seu tratamento11, Meyerowitz (1987, p.108) delineou o impacto psicossocial da mulher em três importantes áreas: desconforto psicológico (ansiedade, depressão e raiva); mudanças no padrão de vida (desconforto físico, interrupção no casamento ou na vida sexual e nível de atividade alterado); medos e preocupações (mastectomia/perda do seio, recorrência e morte). Apontou ainda que, apesar da variedade de opções de tratamento oferecidas, as preocupações permanecem as mesmas.

Outro importante fator que esse mesma autora delineia é qual o estágio da vida em que a doença ocorre e a estabilidade emocional (personalidade e estilo de enfrentamento) e a presença ou não de suporte interpessoal. A idade aparece como algo relevante. Dependendo da idade, há questões sociais e afetivas inerentes àquele momento. A feminilidade e auto-estima estão presentes em todas as mulheres. Mas há de se levar em conta que, quanto mais jovem a mulher, mas impacto causará, pois a fertilidade, a beleza, a atração física são incessantemente valorizadas. Se a mulher tem parceiro, ou se não tem, são questões que, segundo o mesmo autor, vão interferir e variar a resposta à adaptação.

11

Ainda em relação ao fator idade, De Florio e Massie (1995, p.66) apontam a mulher acima dos 65 anos, como alguém que também sofre algumas perdas, muitas vezes do marido, e que são menos capazes de procurar ajuda apropriada, durante o processo de cirurgia e reabilitação, acabando por ser mulheres com maior risco de problemas na adaptação do câncer de mama, pois demonstram um comportamento mais resistente.

Estudos sobre câncer de mama como os de Rowland e Massie (1998, p.385) sugerem que a mulher ativa, que soluciona seus problemas, alcança melhor adaptação. A mulher que enfrenta os seus problemas, que é flexível, terá um melhor enfrentamento, pois buscará dentro de seu contexto social o apoio como resposta às suas necessidades. Da mesma forma, esses autores concluem que essas mulheres não só enfrentarão melhor a trajetória de sua doença movidas por esse espírito de luta, como acabam vivendo mais tempo do que as mais passivas.

Greer e Watson12 (1985, apud BALONE 2001) propõem a aplicação de testes e entrevistas para avaliar o presumível comportamento característico da vulnerabilidade ao câncer, ligado à Personalidade Tipo C que se caracterizaria por dissimulação de sentimentos e uso excessivo de mecanismo de defesa.

Segundo apontam Gomes, Skaba e Vieira (2002, p.198), o câncer, de forma geral, é uma doença vista como destruidora, geralmente sentida pela maioria das pessoas como uma punição, um castigo, porque envolve sentimentos difíceis de serem administrados, principalmente o estigma social de morte. Raramente a mulher que passa pela experiência do câncer de mama retoma sua vida normalmente.

Hertel (2006, p.40) enfatiza que tanto a perda de mamas, por tratamento de mastectomia, e o cabelo, por tratamento de quimioterapia, são sentidas pelas mulheres como muito significativas. O corpo da mulher, na cultura ocidental, ocupa um valor de destaque na sociedade. Além do diagnóstico, tratamento, angústias e medos reais as perdas produzem um luto que leva um tempo devido para ser administrado ou processado para então chegar à superação do mesmo.

Duarte e Andrade (2003, p.157) apontam que a vivência do câncer freqüentemente deixa seqüelas atribuídas à ocorrência de uma mudança de identidade, já que a auto-imagem não é mais a mesma e a forma como entendem,

12

GREER, S.; WATSON, M. Mental adjustment to cancer: its measurement and prognostic importance. Cancer Surv, 1987. p.439-453.

sentem e interpretam o mundo também pode sofrer alterações, tanto positivas quanto negativas.

As manifestações de duas das mulheres participantes desta pesquisa colaboram para com as afirmações acima, sendo que a primeira delas pode ser considerada uma mudança positiva, enquanto a segunda refere-se a sentimentos de incerteza.

E, finalmente, a terceira manifestação de uma das mulheres denota uma mudança profunda nas suas crenças e valores.Inclusive tal mudança foi considerada por essa mulher como positiva.

Primeira mulher entrevistada: 54 anos, divorciada há 11anos, mastectomizada (referindo-se a cirurgia de reconstrução mamária):

Valorizei mais a minha vida. Procurei achar que isto era mais importante.... tomar mais cuidado com você. Sabe, coisas que eu não fazia antes, né? ... “Ah !! às vezes eu fico meio triste e falo: vou arrumar namorado? Já pensou arrumar um namorado sem o seio? Será que ele vai gostar? Ah!! Será que mais tarde eu tomo coragem e vou fazer a outra cirurgia?

Terceira mulher entrevistada: 44 anos, divorciada há 10 anos, mastectomizada:

Tudo, tudo mudou na minha vida... mudou tudo: minha rotina, minha maneira de pensar, até mesmo a minha maneira de me comportar, entendeu? Acho que fiquei menos egoísta, consigo pensar mais nas outras pessoas. Outra coisa que mudou: no início eu tinha medo do preconceito das pessoas.... Hoje não, hoje eu me sinto linda maravilhosa... se a pessoa olhar eu olho também ... Então eu me “inxibo” um pouquinho, né?

Muitas construções culturais acerca do diagnóstico da doença, ainda segundo Duarte e Andrade (2003, p.159), fazem com que a mulher sinta que está recebendo uma sentença de morte. Surge então o medo de ser mutilada e o medo da rejeição, dentre outros medos. As representações associadas ao câncer são, em grande maioria negativas, e associadas a algo cruel, destrutivo. As diferenças sentidas pela mulher não se limitam apenas no nível corporal e psíquico como

apontadas nas páginas anteriores, mas também no convívio social, abrangendo a família, amigos e trabalho. Assim, é importante para a mulher sentir que tem uma rede de apoio social, que não a permite desistir, e que torna mais fácil o enfrentamento da doença.

Também Hertel (2006, p.37) menciona a importância de poder haver pessoas que se disponham a ouvir para aliviar a dor. Quando falamos e alguém nos escuta atentamente, este é o momento em que também podemos nos ouvir a nós mesmos, e assim poder-se-á processar a dor. Se a família puder ser este suporte, esse fator poderá significar muito para aliviar o impacto do diagnóstico. Este suporte tem várias áreas que significam enormes forças, como acompanhar no tratamento, na vivência espiritual, no apoio psicológico ou outras.

Corbellini (2001, p.52) afirma que a mulher, ao vivenciar que descobre o câncer da mama, enfrenta dois momentos: o primeiro é a confirmação de que está com essa doença e terá que enfrentá-la; o segundo é o de pensar em como dar a notícia para as pessoas mais próximas e como elas irão reagir.

Observa-se que os familiares diretos também sofrem com a doença do câncer de seus entes queridos. Conforme apontado por Hertel (2006, p.38), e demonstrado pelas mulheres participantes desse trabalho, a forma de reagir difere entre sentir-se muito assustada e a negação da doença.

Ainda essa mesma autora faz menção que, a família também se angustia com a descoberta de câncer de um familiar e que nem sempre se sente preparada para corresponder a tudo o que dela é esperado. O medo real do sofrimento e a angústia de que o câncer poderá levar à morte, também são vivenciados pelos familiares. Essa angústia existencial lembra a própria finitude e ela, muitas vezes, pode assustar muito. Aponta que a fé é um elemento fundamental no processo da reflexão sobre a angústia existencial. Neste contexto, ela, a fé, é considerada um recurso para alívio da mesma.

Outro aspecto importante, abordado pela autora é o de que a equipe de saúde tem como foco principal a paciente. Mas constata-se que os familiares também precisam de suporte e orientação. Fato é que, na maioria das vezes, espera-se mais dos familiares do que eles de fato podem dar. Para eles a carga pode se tornar maior do que eles conseguem suportar. (p.39)

Biffi e Mamede (2004, p.263), ao abordarem a fase de reabilitação da mulher com câncer de mama, evidenciam a significativa presença do parceiro sexual, no que se refere à criação de um ambiente saudável para que a mulher possa sentir-se novamente integrada ao contexto familiar. As mudanças que podem ocorrer na rotina precisam ser incorporadas por todos os membros da família, desde o momento do diagnóstico. Da mesma forma, também é muito importante que o parceiro esteja apto a oferecer afeto, assim a paciente se sentirá acolhida e compreendida pelo mesmo.

Das cinco mulheres pesquisadas, três, que mantinham relacionamento afetivo com parceiro, descreveram vivências afetivas de afastamento, insegurança, solidão, abandono, pouca ou quase nenhuma cooperação. Isto pode indicar ambientes afetivos hostis e com sobrecarga significativa de estresse, ocasionando maiores dificuldades a essas mulheres no enfrentamento da doença, na elaboração da identidade feminina, na reconstrução da imagem corporal.

Acompanhemos, por meio de seus relatos, as vivências apontadas. Segunda mulher entrevistada: 48 anos, casada há 25 anos:

E eu nem tava contando essas coisas pro meu marido, porque meu marido é uma pessoa que em vez de te dar forças, ele começava a entrar em desespero, sabe ? Ele não sabe como me apoiar .... então eu tinha que ficar com aquilo comigo.

Terceira mulher entrevistada: 44 anos, divorciada há 10 anos, atualmente com parceiro há um ano:

Meu ex- marido.... ele sempre me aborreceu, ele sempre fez questão de aprontar algo pra me ver mal, entendeu? Ele me aborreceu bastante... Eu estava sozinha nesse período do diagnóstico e tratamento.... Foi difícil; mas eu sempre fui sozinha no dia do diagnóstico, nos dias do tratamento... Às vezes me fazia mal isso, entendeu? Às vezes me dava aquela tristeza... pô falei para ele: “eu tô sempre sozinha .... a sensação que dá é que eu não tenho ninguém, entendeu ?

Quarta mulher entrevistada: 35 nos, casada há 12 anos

O marido logo depois do diagnóstico resolveu ir embora ... e eu tô sozinha enfrentando tudo isso e com a menina (referindo-se a filha de quatro anos).

Chapadeiro et. al. (2001, p.265) referem que a sensação de ter adquirido uma vida ruim, de pior qualidade, é muito comum nas mulheres que passaram pela cirurgia de retirada da mama, já que acreditam que a sua vida sexual não será mais a mesma e que os aspectos sociais ficaram muito prejudicados.

Mencionam ainda que os sentimentos em relação à família revelam não haver uma alteração extrema no relacionamento entre os membros da família após a descoberta da doença, sendo que aqueles que ocorrem são de natureza psicológica. As vivências são tanto positivas, como o aumento da atenção, de cuidado sentido da parte dos outros, quanto negativas, como depressão, isolamento, vergonha, sendo estas últimas respostas das próprias mulheres à doença.

Apesar das constatações mencionadas, Duarte e Andrade (2003, p.157) apontam que existe a possibilidade da dinâmica familiar ser alterada, uma vez que a mulher sente-se ameaçada e o sentimento de medo começa a ser parte integrante de seu cotidiano. O diagnóstico, assim como as diferentes fases do tratamento, trazem importantes conseqüências na vida das mulheres, e uma dessas dificuldades é a de retomar sua vida pessoal e social.

Desde a notícia do diagnóstico, até o final do tratamento, aparecem muitos sentimentos e sensações. Esta se caracteriza como uma fase de incessantes mudanças, incertezas, inseguranças e, principalmente, de se deparar com o medo da morte. Falar sobre a morte não aumenta a ansiedade, mas diminui o isolamento e o medo, tornando a doença e seu tratamento menos aterrorizante.

Spink (1999, p.152) defende que, para entender a importância pessoal da doença, é preciso situá-la no contexto da biografia do sujeito. Salienta também essa autora que se deve ter em vista que a doença não elimina obrigatoriamente as metas e os desejos da paciente, que pode aproveitar esse período para fazer uma revisão de vida e um balanço de prioridades criando novos significados. Daí deve-se ter em mente que aos pacientes que vivem uma realidade como essa, ou seja, diagnóstico de câncer da mama, torna-se importante o acesso a um trabalho

multiprofissional onde, além do tratamento físico, possam receber apoio psicológico que favoreça o lidar com o estresse gerado pelo diagnóstico e os tratamentos. A mulher deve receber preparo psicológico para submeter-se a cirurgia que lhe for prescrita, e após a alta hospitalar, deve freqüentar grupos de auto-ajuda e reabilitação, e/ou conforme suas necessidades, receber atendimento individual (psicoterapia breve) para realizar os tratamentos propostos de maneira menos debilitante. Do mesmo modo, o acesso ao atendimento psicológico deve ser estendido aos familiares, pois os mesmos também passam por períodos de muito estresse.