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4.3 UHE BELO MONTE

4.3.1 Movimentos sociais em torno de Belo Monte

Assim como na economia, na política há grandes diferenças na natureza e no grau de poder de cada grupo, o que torna a luta desigual. Os movimentos sociais têm a função de empoderar a população e torná-la parte ativa nas decisões que tenham como objeto riscos ambientais e conflitos que envolvam interesses individuais x interesses coletivos, rompendo as barreiras de desigualdade. Para empoderar a população torna-se necessário educá-la, de forma a mantê-la informada a respeito dos direitos coletivos que lhes estão sendo usurpados, bem como dos riscos ambientais que a cercam. Somente uma gestão integrada levará a um planejamento participativo do setor elétrico, em que todos os interesses são equilibrados, direcionando o país a um desenvolvimento sustentável, onde meio ambiente e sociedade são respeitados.

A seguir serão apontados os principais atores responsáveis pelo empoderamento da população atingida pelo projeto de Belo Monte, bem como sua missão e principais objetivos.

- Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu - MDTX.

O MDTX, inicialmente denominado MPST – Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica, foi constituído como uma proposta regional, liderada pelos agricultores com

15 A Licença de Instalação para a UHE Belo Monte foi concedida pelo IBAMA sob o nº 795, em 01 de junho de

2011, e é válida por seis anos. Contudo, sua validade está atrelada ao cumprimento dos condicionantes por ela estabelecidos.

a finalidade de buscar novos rumos para o projeto de Colonização da Transamazônica. Criado em meados dos anos oitenta, o MDTX é uma rede de organizações sociais com representantes em onze municípios da região da Rodovia Transamazônica e Baixo Xingu, no Estado do Pará16. O movimento é assessorado pela Fundação Viver Produzir, Preservar (FVPP), que capta recursos e executa projetos nestes municípios e nos municípios de Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso e Trairão (TONI; SOUZA; PORRO, 2006). Integrado por atores sociais dos meios urbano e rural, o MDTX conta com o apoio expressivo de parlamentares estaduais e federais. Suas lideranças assumem uma posição contrária em relação à usina, enfatizando os prejuízos causados pela implantação da UHE Tucuruí (FARIA, 2004b).

Segundo Toni, Souza e Porro (2006), o MDTX, juntamente com a FVPP, tem tido papel de destaque na criação de governança ambiental na região da Transamazônica, além de impulsionar uma série de projetos de desenvolvimento na região. Segundo Toni, Souza e Porro (2006, p. 2), “o movimento se fortaleceu, estabeleceu sólidas alianças, conseguiu captar um volume considerável de recursos e se tornou um importante ator na discussão e implementação de políticas ambientais”.

- Igreja Católica

Na região de Altamira, a Igreja Católica é uma instituição com muita influência sobre os grupos sociais locais, além de possuir um forte sentido missionário. Articulada internacionalmente e com ampla atuação na Amazônia, ao combinar religião com prática social, exerce uma forte influência política na região (FARIA, 2004b).

Sua principal missão é a defesa dos grupos indígenas da região Amazônica, exercendo influência, também, nas questões sociais ligadas à defesa dos excluídos urbanos. Seu posicionamento é de oposição ao projeto de Belo Monte, em alinhamento com a posição dos movimentos sociais (FARIA, 2004b). Toni, Souza e Porro (2006, p. 20) afirmam que a “igreja católica foi o aliado mais importante na evolução dos movimentos de base da Transamazônica e sua maior fonte de recursos”.

Frise-se, nesse sentido, a atuação do bispo do Xingu, Dom Erwin Kräutler, que representa a Igreja Católica ativamente na proteção dos mais pobres e dos mais frágeis, dos indígenas, dos ribeirinhos e dos extrativistas da Amazônia, e tem feito uma oposição

16 Os Municípios são Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Rurópolis, Senador José

incansável contra a hidrelétrica de Belo Monte. Em entrevista concedida à revista Época, em junho de 2012 (BRUM, 2012), o bispo revela sua opinião a respeito do projeto, enfatizando a angústia da população ribeirinha, que não quer deixar suas terras, e dos povos indígenas que serão atingidos indiretamente pelo empreendimento. Segundo Dom Erwin, Belo Monte não chegará a inundar as terras indígenas. Contudo, nos 100 quilômetros da Volta Grande do Xingu vai se chegar a um mínimo de água, que inviabilizará a pesca, a agricultura e a locomoção dos indígenas da região. Isso contribuirá para que os índios que vivem em aldeias se tornem citadinos, e terminem por perder sua língua e sua cultura (BRUM, 2012). O bispo afirma, ainda, que, no Xingu, por causa de Belo Monte, poderá acontecer tanto a morte cultural quanto a morte física dos povos indígenas:

A morte cultural, porque arrancarão deles a possibilidade de sobreviver em determinado espaço que, para eles, é muito significativo, porque é o chão de seus mitos, de seus ritos, é onde enterraram seus antepassados. Se você arranca isso dos indígenas, você corta o cordão umbilical deles com a terra. Precisamos compreender que eles têm outro relacionamento com a terra, diferente do nosso. Para nós, a terra é coisa que se compra e se vende. Para eles, não. Além da morte cultural, é provável que também aconteça a morte física, porque eles não estão preparados para viver na cidade. Os Arara, por exemplo, foram dizimados por doenças depois de serem contatados. Essa história nunca foi bem contada (BRUM, 2012, p. 4).

Além disso, Dom Erwin ressalta que a energia e o progresso gerados por Belo Monte não visam a beneficiar diretamente a região de Altamira, mas sim, a garantir energia para as grandes indústrias multinacionais e para a exportação de matérias primas. Segundo o bispo, “nas discussões sobre Belo Monte com o governo federal não há diálogo, não há discussão. A usina será construída de qualquer maneira, muito mais por razões políticas do que por razões técnicas e/ou econômicas” (BRUM, 2012).

- ONGs: Rios Vivos, Amigos da Terra e International Rivers.

As ONGs ligadas às causas indígena e ambiental possuem grande articulação em plano nacional e internacional, estando especialmente interessadas na preservação da biodiversidade da Amazônia. Elas atuam promovendo estudos sobre o meio ambiente e/ou por meio de denúncias, manifestando-se, portanto, de forma contrária à construção da UHE Belo Monte (FARIA, 2004a).

A ONG Rios Vivos, por exemplo, prioriza em sua agenda o tema “infraestrutura e energia na América do Sul”, com vistas a combater os impactos ambientais e sociais decorrentes dos grandes empreendimentos sobre regiões ecologicamente sensíveis como a

Amazônia. Além disso, defendem a inclusão de alternativas sustentáveis para geração de energia elétrica nas atuais políticas públicas (FARIA, 2004a).

Outro exemplo da atuação de ONGs contra Belo Monte foi a elaboração, pelas ONGs Amigos da Terra e International Rivers, de um dossiê contrário ao empreendimento, com o objetivo de demonstrar aos eventuais financiadores os “riscos financeiros, legais e de reputação” embutidos na obra (GLASS, 2011).

Dentre os riscos financeiros apontados para o Complexo Belo Monte, citam-se os riscos: (i) de retorno, advindos das grandes incertezas sobre custo de construção, baixa capacidade de geração, incertezas sobre custos de mitigação e compensação socioambientais; (ii) de mercado, relativos a riscos de crédito, do mercado de títulos e de commodities; (iii) na estrutura de custos, atrelados a divergências sobre o custo total da obra e aos custos de compensações social e ambiental; (iv) de estruturação, relativos às garantias relacionadas à construção do empreendimento e aos riscos de cliente, ou seja, a possibilidade dos preços médios da energia de Belo Monte no mercado livre não serem competitivos (HURWITZ et al., 2011). Nesse sentido, o estudo sustenta que Belo Monte não pode ser considerado “apto” a qualquer obtenção de crédito.

- Sindicato dos trabalhadores rurais

A principal organização de trabalhadores e pequenos produtores no Estado do Pará é a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará – FETAGRI, filiada à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a qual atua na mobilização de trabalhadores e de pequenos produtores rurais, com vistas a garantir ganhos para este segmento (FARIA, 2004b). Essa entidade vê a questão fundiária e a posse da terra como a principal fonte de conflitos na região e acredita que a agricultura familiar na Amazônia apresenta um aspecto diferenciado, uma vez que o debate do desenvolvimento está diretamente ligado ao debate das questões ambientais (PARÁ, 2010). Por esse motivo, a Fetagri acredita que o estado deve apoiar a agricultura familiar como forma de promover o desenvolvimento sustentável na região. Faria (2004b) afirma que a posição do grupo diante da construção de Belo Monte é “fortemente influenciada pela resultante das forças políticas da região, podendo ir do apoio à rejeição”.

4.3.1 Gestão dos Conflitos Socioambientais em Belo Monte

A área de influência direta17 da construção de Belo Monte abrange os municípios de Altamira, Anapu, Brasil Novo, Senador José Porfírio e Vitória do Xingu. (BRASIL, 2009). Dentre os principais impactos socioambientais gerados por Belo Monte, identificados no Estudos e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA da usina (BRASIL, 2009), ressaltam- se as mudanças que ocorrerão na paisagem, no comportamento das águas do rio Xingu e dos igarapés, na fauna e na vegetação, além de impactos na vida das pessoas (indígenas e não indígenas) que habitam a região. Com a finalidade de prevenir, diminuir ou compensar esses impactos, o EIA apresentou medidas organizadas em planos, programas e projetos, que contribuirão, ainda, para aumentar os benefícios dos impactos positivos decorrentes da construção da usina (BRASIL, 2009).

A população diretamente atingida pela construção de Belo Monte a ser deslocada, será de aproximadamente 19.000 pessoas, conforme apresentado no EIA/RIMA da usina (2009). Os dados relativos às pessoas afetadas seguem transcritos na tabela abaixo:

Tabela 2 - Área diretamente afetada pela implantação da UHE Belo Monte, conforme EIA/RIMA, maio/2009

Área Diretamente Afetada – ADA

Localidade Imóveis Famílias Pessoas

Altamira 4.747 4.362 16.420

Meio rural 1.241 824 2.822

Total 5.988 5.186 19.242

Fonte: (BRASIL, 2010c).

Para permitir a expropriação das terras afetadas pela usina, foi necessária a emissão da Declaração de Utilidade Pública (DUP)18, pela ANEEL, das áreas necessárias à construção de Belo Monte. Algumas considerações devem ser levantadas em relação ao ato de declaração de utilidade pública a ser emitido pela ANEEL. Seus contornos encontram-se fundados no Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (BRASIL, 1941). Por meio da redação

17 São as áreas vizinhas que ficam em volta da UHE Belo Monte e do reservatório, denominadas AID – Área de

Influência Direta. Elas incluem não só as terras que vão ser ocupadas pelas obras e pelo reservatório, mas também aquelas que vão sofrer interferências diretas, negativas ou positivas, do empreendimento (BRASIL, 2009).

18 Sobre esse assunto, a Lei nº 9.074, de 07 de julho de 1995, estabelece em seu art. 10 que “cabe à Agência

Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica” (BRASIL, 1995).

conferida ao art. 2º19, constata-se que, mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pelos entes políticos a quem foi atribuído o poder de emissão da DUP (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal). Portanto, percebe-se que o procedimento desapropriatório inicia-se pelo ato declaratório de utilidade pública que se configura como ato tipicamente emanado de autoridade pública que delimita quais bens passam a ser necessários para o cumprimento de uma finalidade pública (CRETELLA JÚNIOR, 1972).

Nesse sentido, a ANEEL, por meio das Resoluções Autorizativas nº 2.853, de 05 de abril de 2011, e nº 3.293, de 20 de dezembro de 2011, declarou de utilidade pública as áreas de terra com superfície total de 285.906,2305 ha (duzentos e oitenta e cinco mil, novecentos e seis hectares, vinte e três ares e cinco centiares) necessárias à implantação dos reservatórios, da APP (área de preservação permanente), dos canteiros de obras, das demais estruturas e dos reassentamentos populacionais da UHE Belo Monte (BRASIL, 2011; 2012b). Vale ressaltar que, desse total, 119.563,8922 ha referem-se à área destinada à construção de reassentamentos. Sobre esse aspecto, saliente-se que Belo Monte foi o primeiro empreendimento em que quase a metade das áreas declaradas de utilidade pública (41%) foram destinadas a reassentamentos. Isso indica um avanço na preocupação da concessionária (solicitante da DUP, que justifica a necessidade das áreas requeridas) em atender aos anseios da população local e evitar os conflitos sociais na região (BRASIL, 2010b).

Com relação às populações indígenas, os impactos ligados ao aumento da população são mais fortes para as terras indígenas mais próximas do empreendimento, quais sejam: Paquiçamba, Arara da Volta Grande do Xingu e para a Área Indígena Juruna do km 17. O aumento da chegada de pessoas à região tende a provocar o aumento das pressões sobre essas terras indígenas e seus recursos naturais, bem como o aumento da disseminação de doenças e da exposição dos indígenas ao alcoolismo, à prostituição e às drogas (BRASIL, 2009).

Para evitar esses efeitos negativos sobre os povos indígenas da região, a Norte Energia propôs projetos e programas ligados à educação ambiental, à saúde e saneamento nas terras

19

Art. 2º Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

§ 1º A desapropriação do espaço aéreo ou do subsolo só se tornará necessária, quando de sua utilização resultar prejuizo patrimonial do proprietário do solo.

§ 2º Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.

§ 3º É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e emprêsas cujo funcionamento dependa de autorização do Govêrno Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República. (Incluído pelo Decreto-lei nº 856, de 1969) (BRASIL, 1941).

indígenas, além de um plano que incentive a população indígena a continuar morando nas aldeias (BRASIL, 2009).

Não obstante todos os esforços empreendidos pelo Poder Público e pela Norte Energia no sentido de minimizar os impactos sociais negativos advindos da construção da usina, algumas preocupações vêm sendo demonstradas por ONGs, ambientalistas e a população afetada, incluindo os povos indígenas que habitam próximos à região.

Segundo Hurwitz et al. (2011), no caso de Belo Monte, questões políticas se sobrepuseram a critérios técnicos e preceitos legais, oferecendo riscos imensos para seus investidores. Os autores ressaltam a importância do respeito às normas legais de proteção ao meio ambiente, bem como a necessidade de uma participação efetiva da sociedade civil no planejamento estratégico do setor elétrico.

Sob esse aspecto, vale ressaltar a motivação para a importância política concedida a Belo Monte. As fontes alternativas de energia dificilmente suprirão a demanda energética exigida pelo país. Considerando que o Brasil possui o domínio da tecnologia de construção e operação das UHE, o modelo do desenvolvimento da matriz energética brasileira não pode deixar de lado seu enorme potencial hidrelétrico. O grande problema é que os primeiros empreendimentos hidrelétricos foram implantados à custa de enormes impactos sociais e ambientais, o que terminou por marcar negativamente projetos desse tipo. Cabe, portanto, ao poder público, “resgatar a enorme dívida com os atingidos pelas barragens dos megaprojetos hidrelétricos anteriores, realizados com total desprezo pelas populações residentes nas suas áreas de impacto” (FONSECA, 2005).

Com a experiência proporcionada pelos grandes impactos ambientais e sociais causados no passado, o projeto para a construção da UHE Belo Monte se mostra inovador, ao construir em conjunto com a população local o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS) do Xingu, antes mesmo que a usina seja implantada (FONSECA, 2005). Além disso, a Norte Energia elaborou um Plano de Atendimento à População Atingida, com o objetivo de “reduzir os impactos sociais negativos decorrentes da implantação da UHE Belo Monte e apresentar soluções que considerem as expectativas e demandas da população atingida por este empreendimento” (NORTE ENERGIA, 2011). A seguir, serão explicitados esses dois planos, que integram, juntamente com o EIA/RIMA já mencionados, a gestão de conflitos socioambientais empreendida em Belo Monte.

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