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A barragem de Itaparica está localizada no rio São Francisco, nos municípios de Jatobá e Glória, estados de Pernambuco e Bahia, respectivamente. Esse empreendimento foi construído, também pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), no período que se estendeu de 1976 a 1988, com uma potência instalada de 1.479,6 MW (BRASIL, 2012), e um reservatório de 843 km2, que resultou no deslocamento forçado de, aproximadamente, 40.000 pessoas, segundo os dados de Mc Cully (2001).

Ao contrário de Sobradinho, em Itaparica foram constatadas mudanças significativas com relação à realocação da população. Devido ao contexto político vivenciado pelo Brasil à época da construção de Itaparica, marcado pelo início do processo de abertura política e consequente transição democrática, fortaleceu-se o discurso da participação da população no processo de reassentamento, assim como a ação dos movimentos sociais organizados (ARAÚJO et al., 2000; ANDRADE, 2006).

O campesinato emergiu, então, como uma força social organizada, assim como o movimento sindical de trabalhadores rurais8, que passa a empreender ações articuladas na defesa dos interesses da classe. Segundo Araújo et al. (2000, p. 91):

A participação do movimento sindical no processo de reassentamento adquire significado relevante no cenário político dos municípios direta e indiretamente atingidos pelos efeitos da construção da barragem.

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Em 1979 criou-se uma estrutura organizativa chamada de Pólo Sindical dos trabalhadores do Submédio São Francisco para lutar contra os efeitos negativos da construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica, unificando posseiros, arrendatários, pequenos agricultores e sem terras da região, constituindo-se como uma organização de trabalhadores rurais para defesa dos direitos dos camponeses perante o governo (BOMFIM, 1999).

Devido a essa conjuntura política, a CHESF publicou, em 1985, o Plano de Desocupação relativo ao reservatório de Itaparica, o qual estabeleceu “as estratégias de atuação da CHESF na resolução dos problemas decorrentes da inundação e consequente transferência das populações” (ARAÚJO et al., 2000, p. 55). O plano estabelecia, dentre outros aspectos, objetivos ligados ao desenvolvimento regional e local, assim como a recomposição da vida produtiva e a integração da população atingida no processo de reassentamento. A CHESF atribuiu o sucesso do plano de desocupação à participação das comunidades afetadas, uma vez que muitos conflitos foram impedidos ou, ainda, solucionados mediante negociação.

Com isso, o governo acreditava estar reconhecendo a dívida social acumulada durante a implantação de outros projetos hidrelétricos, quando os investimentos para o bem-estar das populações não foi condizente com os altos investimentos aplicados no setor hidrelétrico (ARAÚJO et al., 2000).

Verifica-se, também, documentos do Pólo Sindical, mediante os quais foram reivindicadas indenizações justas, além de alertarem para a importância dos aspectos sociais envolvidos no processo de transferência compulsória das populações atingidas pelo reservatório. Nessa ocasião, não se colocava em questão a validade da edificação do empreendimento, mas sim seus efeitos sociais adversos, consubstanciados na experiência de Sobradinho (ARAÚJO et al., 2000).

Uma série de conflitos foram travados no decorrer das tratativas realizadas entre a Chesf e o Pólo Sindical, tendo como principal causa o descumprimento do cronograma das obras planejadas para o reassentamento. Segundo Araújo et al. (2000), o atraso no cronograma ocasionou verdadeiros problemas sociais em alguns reassentamentos, como desesperança, desagregação familiar, alcoolismo e ociosidade forçada, que passaram a dominar o quotidiano de trabalhadores. O desfecho desses conflitos foi marcado pela assinatura do termo de compromisso firmado entre a CHESF e o Pólo Sindical, com uma série de benefícios incorporados à população atingida, resultado de negociações e pressões sociais exercidas sobre os executores da obra (ARAÚJO et al., 2000).

Nesse sentido, Araújo et al. (2000) argumentam que os planos de reassentamento propostos em Itaparica foram inovadores, por incorporarem a dimensão social nas ações planejadas pelo poder público, além de se consolidar a visão do reassentamento como política compensatória aos atingidos por barragens.

Portanto, ficam claros os avanços sociais alcançados em Itaparica, quando comparado ao caso de Sobradinho.

A presença mais efetiva das populações atingidas no processo de reassentamento configura-se como um tipo de participação que rompe no âmbito do encaminhamento das decisões tomadas, com as práticas eminentemente autoritárias e excludentes, características de intervenções anteriores (ARAÚJO et al., 2000, p. 51).

A transição democrática contribuiu para a organização social e a participação da população atingida no processo decisório. A prática da negociação foi incorporada no processo de gestão de conflitos realizado pela Chesf, oportunidade em que se firmou o termo de compromisso entre Chesf e Pólo Sindical. A mediação também foi realizada, mediante a ação do sindicato como representante da população atingida, lutando por seus direitos e alcançando a vitória, traduzida na elaboração do Plano de Desocupação de Itaparica.

Nota-se, também, uma evolução dentro da própria Chesf no tratamento dispensado à população atingida. Um exemplo disso é que à época da implantação da UHE Sobradinho, as questões relativas aos deslocamentos eram tratadas por advogados de fora da empresa, contratados para essa finalidade específica. Já em Itaparica, criou-se um departamento dentro da Chesf, o qual era responsável, especificamente, por cuidar dos assuntos relacionados à população atingida, como seus interesses e a construção de reassentamentos. Com isso, a Chesf procurou incorporar os problemas sociais às suas decisões (ANDRADE, 2006).

Assim, o período de abertura política, em que foi implantada a UHE Itaparica, foi marcado por um processo de democratização nascente com fortes movimentos internacionais ambientais e de direitos humanos, os quais acirraram o conflito. Nasceram novas formas de representação e relações entre as comunidades locais, governo, agências internacionais, ONGs e instituições globais, bem como emergiram os conceitos de "desenvolvimento sustentável", "conservação" e "forças de mercado". Com esses novos ideais, os conflitos sociais e ambientais se tornaram mais evidentes na paisagem do Rio São Francisco, como se nota a partir do estudo de caso da UHE Itaparica (ANDRADE, 2006).

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