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4.3 UHE BELO MONTE

4.3.4 Plano de Atendimento à População Atingida

Tendo em vista o histórico de graves conflitos sociais decorrentes da implantação de grandes empreendimentos hidrelétricos no Brasil, a legislação e as políticas públicas nacionais têm buscado conceder um tratamento mais inclusivo e de acordo com as expectativas da população atingida. Sob esse aspecto, cite-se o Decreto nº 95.733/88, que “dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras federais, de recursos destinados a prevenir ou corrigir os prejuízos de natureza ambiental, cultural e social decorrentes da execução desses projetos e obras” (BRASIL, 1988), bem como o Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico (1992/2003), onde se destaca que “o remanejamento de população afetada por seus empreendimentos deve visar à recomposição dos seus quadros de vida num nível de qualidade pelo menos igual, e preferivelmente superior, ao que era usufruído antes da intervenção do setor” (NORTE ENERGIA, 2011).

Nesse sentido, a Norte Energia e o governo federal (por meio do IBAMA) têm empreendido esforços no sentido de evitar, ou ainda, minimizar, os conflitos socioambientais na região, em decorrência da construção de Belo Monte. Dentre esses esforços, cite-se a elaboração, pela Norte Energia, do Plano de Atendimento à População Atingida, incluído dentro do PBA20 (NORTE ENERGIA, 2011). O referido Plano identifica todos os grupos sociais, famílias e indivíduos que serão atingidos pelo empreendimento em função do deslocamento compulsório (físico-territorial), de perdas econômicas mediante a ruptura de suas atividades produtivas, pelo comprometimento dos vínculos sociais (comunitários, familiares, de vizinhança, de compadrio etc.) ou ainda pela perda dos equipamentos sociais ou da infraestrutura até então disponível (NORTE ENERGIA, 2011).

O Plano é composto pelos seguintes Programas:

1. Programas na área rural: Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Rural; Programa de Recomposição das Atividades Produtivas Rurais; Programa de Recomposição da Infraestrutura Rural.

2. Programas na área urbana: Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Urbana; Programa de Recomposição das Atividades Produtivas Urbanas; Programa de Acompanhamento Social; Programa

20 O PBA tem a finalidade de detalhar as recomendações incluídas no EIA e nas condicionantes da Licença

Prévia, visando a obtenção da Licença de Instalação (LI), necessária para o início das obras (PDRS XINGU, 2012).

Restituição/Recuperação da Atividade de Turismo e Lazer; Programa de Recomposição/Adequação dos Serviços e Equipamentos Sociais.

Segundo o PBA, o Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Rural visa dar cumprimento às condicionantes 2.14, 2.15, 2.16, 2.17, 2.18 e 2.32 explicitadas na Licença Prévia (LP) nº 342/201021, e tem seu Público-Alvo composto da forma descrita a seguir:

Tabela 3 - Público alvo do Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias

Fonte: Norte Energia (2011).

21 A Licença Prévia de Belo Monte de nº 342/2010 foi concedida pelo Ibama em 01/02/2010, tendo como um dos

requisitos a realização de audiências públicas as quais foram realizadas e contaram com a participação de cerca de 5.000 pessoas. Conforme a própria denominação, essa Licença exige o cumprimento de um conjunto de condicionantes dentro de prazos estipulados. Adicionalmente, para efeito de obtenção da Licença de Instalação, os planos socioambientais devem ser detalhados e constar do PBA. A seguir, os condicionantes relativos ao Programa da área rural:

[...] 2.14 Apresentar no PBA proposta de constituição, garantia de representatividade, funcionamento e integração do Fórum de Acompanhamento e dos Fóruns de Discussão Permanente, incluindo sua interface com os conselhos e comissões específicas.

2.15 Apresentar no PBA convênios firmados com os órgãos competentes visando ações de regularização e fiscalização fundiária nas áreas a serem afetadas pelo empreendimento.

2.16 Apresentar no PBA a metodologia que será adotada na valoração e os critérios para cálculo de áreas remanescentes viáveis, considerando necessariamente o “isolamento social” pela saída de moradores atingidos da região.

2.17 Apresentar no PBA o Cadastro Socioeconômico – CSE dos grupos domésticos da Área Diretamente Afetada – ADA, incluindo os moradores e demais pessoas que utilizem o trecho da Volta Grande em suas atividades; os pescadores de peixes ornamentais e pescadores comerciais – tanto a montante como a jusante de Altamira; os trabalhadores ligados às atividades de praias, incluindo comerciantes, barqueiros e outras funções relacionadas a atividades exercidas nesses locais, com identificação de geração de trabalho e renda, bem como os oleiros e trabalhadores de atividades mineráveis e extrativistas. Esses grupos domésticos deverão ser público- alvo do programa de Monitoramento dos Aspectos Socioeconômicos.

2.18 Detalhar no PBA, a forma e metodologia de análise dos impactos que poderão ser mitigados pelo Projeto de Reparação (compensação social), de forma a deixar claro aos atingidos quais perdas poderão ser "compensadas socialmente" e as respectivas compensações.[...]

2.32 Dependerão de licenciamento no órgão municipal ou estadual de meio ambiente as seguintes obras decorrentes: ... reassentamentos [...]

Para o remanejamento da população rural, o Plano propõe as seguintes formas de tratamento (NORTE ENERGIA, 2011):

Indenização em moeda corrente;

Relocação assistida: esta modalidade procura garantir a recolocação do proprietário, em área na mesma região, segundo montantes e condições equivalentes às originais;

Reassentamento: esta modalidade será adotada se for do interesse dos atingidos e poderá ser implementada em área remanescente ou em área a ser adquirida para fins de reassentamento rural.

As famílias e/ou os trabalhadores rurais poderão escolher a forma de indenização que seja mais adequada à sua realidade, segundo o vínculo com a propriedade ou com o proprietário e em função das condições de comprometimento do imóvel (NORTE ENERGIA, 2011). Nesse sentido, a Norte Energia elaborou pesquisa junto à população, quanto à sua expectativa em relação ao tipo de tratamento a ser escolhido por ocasião do remanejamento. Os resultados dessa pesquisa seguem reproduzidos a seguir:

Tabela 4 - Expectativa da população quanto ao empreendimento

Fonte: Norte Energia (2011).

A implantação do Programa de Negociação e Aquisição de Terras e Benfeitorias na Área Urbana é composto pelos projetos de: Regularização Fundiária Urbana; Projeto de Indenização e Aquisição de Terras e Benfeitorias Urbanas; Projeto de Reassentamento Urbano e Projeto de Reparação. Para a implementação desse programa, o empreendedor deverá providenciar o atendimento à população atingida e concentrar as informações para divulgação à essa população (NORTE ENERGIA, 2011).

O Projeto de Indenização e Aquisição de Terras e Benfeitorias Urbanas compreende o conjunto de ações propostas para mitigar os impactos referentes à transferência compulsória

da população na área urbana de Altamira, em decorrência da formação do Reservatório do Xingu, que afetará áreas marginais aos igarapés Altamira, Ambé e Panelas e à orla do rio Xingu.

Com relação ao número de pessoas atendidas pelo Programa, o PBA estabelece a meta de atendimento a 16.420 pessoas, que compreendem os grupos domésticos da Área Diretamente Afetada (ADA) 22, conforme transcrito a seguir:

Negociar e adquirir todos os imóveis urbanos contidos abaixo da cota 100m dentro dos limites da área urbana de Altamira. Segundo dados da pesquisa socioeconômica elaborada para o EIA da UHE Belo Monte, foram identificados 4.760 imóveis, sendo destes 666 estabelecimentos comerciais, de serviços ou industriais, e 4.362 grupos domésticos. Os residentes nestes grupos domésticos perfazem 16.420 pessoas (NORTE ENERGIA, 2011).

Ressalte-se ainda, que esse Projeto se baliza no princípio da negociação entre as partes, onde todos os atingidos terão direito ao Laudo de Avaliação de sua benfeitoria e à livre escolha entre indenização ou reassentamento. A avaliação dos imóveis será realizada de acordo com as normas estabelecidas na ABNT e IBAPE/SP, e o método a ser utilizado será o de comparação de dados de mercado. Nesse método, segundo Deslandes (2002, apud NORTE ENERGIA, 2011):

o Valor de Mercado é determinado pela comparação direta com outros imóveis semelhantes ao avaliado, cujas informações ou dados de mercado são obtidos valendo-se de entrevistas, visitas técnicas, anúncios de jornais ou revistas, documentações de transferência, cadastros ou informações de corretores. Cabe, pois, ao avaliador comparar as informações de mercado, levando em consideração todas as características intrínsecas e extrínsecas do imóvel avaliando em relação aos paradigmas.

Da mesma forma que o Projeto da área rural, o Projeto de Indenização e Aquisição de Terras da área urbana deve garantir uma indenização justa aos proprietários, proporcionando condições mínimas dignas para o seu restabelecimento, após a remoção. As formas de atendimento à população urbana atingida serão as mesmas mencionadas no caso da população rural, quais sejam: indenização; relocação assistida, onde o morador pode optar pelo recebimento da indenização em dinheiro pelo valor de sua propriedade/benfeitoria, e utilizar estes recursos para a aquisição de outra moradia; e o reassentamento em outra área na cidade de Altamira próxima ao local de origem. Em pesquisa realizada pela Norte Energia, a respeito da opção a ser escolhida pelos atingidos, verificou-se que o reassentamento urbano foi a mais apontada, preferida por 40% (quarenta por cento) da população (NORTE ENERGIA, 2011). Os resultados dessa pesquisa seguem reproduzidos a seguir:

22 Compreende as áreas necessárias para a formação dos reservatórios e para a implantação da infraestrutura do

empreendimento. Os grupos domésticos da ADA constam como uma das condicionantes ambientais, no item 2.17 da LP nº 342/2010.

Tabela 5 - Opção de atendimento no caso de remoção

Fonte: Norte Energia (2011).

Cabe ressaltar o aspecto da participação social na fase de remanejamento, praticado pela concessionária tanto na área urbana quanto na área rural. O mecanismo de consulta à população e informação acerca dos trabalhos que estão sendo realizados proporciona mais segurança e confiança aos atingidos, uma vez que permite sua inclusão no processo decisório. Como visto em capítulos anteriores deste trabalho, essa inclusão é essencial para a prevenção de conflitos socioambientais (BERMANN, 2007).

Não obstante as ações empreendidas para mitigar os conflitos em torno de Belo Monte, são latentes as discussões e manifestações a respeito da viabilidade do projeto e dos impactos sociais e ambientais a ele atrelados. A ex-Senadora Marina Silva, em entrevista dada ao jornal O Globo (2011), fala que a barragem de Belo Monte é um retrocesso no que tange a “economia verde” no contexto da Rio+20. Ela afirma que a UHE Belo Monte não possui viabilidade econômica e social caso fossem incluídos todos os impactos intangíveis e incomensuráveis. Na mesma linha, o bispo do Xingu, Dom Erwin, se posiciona enfaticamente contra o projeto de Belo Monte, e a favor das populações ribeirinhas e indígenas habitantes da região do Xingu, dentre outras vozes que clamam contra a implantação do empreendimento (p.ex.: MDTX, ONGs e sindicatos), tendo em vista a existência de problemas socioambientais mal resolvidos, como os condicionantes ambientais, previstos na licença de instalação, ainda não cumpridos (SILVA, 2011).

O movimento social contra Belo Monte está se fortalecendo à medida que evoluem as obras da usina. Na manhã do dia 15 de junho de 2012, centenas de pessoas – integrantes de ONGs (International Rivers, Xingu Vivo e Amazon Watch), outros ativistas, povos indígenas e população ribeirinha – ocuparam o sítio da obra de Belo Monte, para cavar um canal, buscando restaurar o fluxo do rio Xingu. O movimento denominado “Deixe o rio Xingu correr livre” colocou cruzes ao longo da borda do rio, em homenagem às pessoas que morreram em defesa da Amazônia, e plantaram 500 árvores nativas de açaí para estabilizar o

fluxo do rio. Eles anseiam que o assunto sobre a implantação de Belo Monte seja colocado na pauta da Terra Rio + 20 (International Rivers, 2012).

Foto 1 - Movimento “Deixe o rio Xingu correr livre”

CAP. 5 - GESTÃO DE CONFLITOS UHES SOBRADINHO, ITAPARICA E BELO MONTE

A Tabela 6, a seguir, demonstra o resultado comparativo dos três estudos de caso apresentados de forma sintetizada, de modo a facilitar a análise proposta:

Tabela 6 - Conflitos nas Usinas Hidrelétricas Sobradinho, Itaparica e Belo Monte

Barragem Rio/ Estado Potência Instalada (MW) Período de implantação Reservatório (km2) / Deslocados Principais movimentos sociais Principais causas do conflito/ consequências para população Contexto sociopolítico Metodologias de gestão de conflitos Sobradinho São Francisco/ BA 1.050,3 1973 e 1978 4.214/ 60.000 Movimento de resistência formado basicamente pela organização comunitária local, preexistente à intervenção do Estado; a organização sindical era frágil; não houve atuação de partidos políticos; influência ativa da Igreja Católica no final do processo. Os baixos valores das indenizações e a forma arbitrária de seu estabelecimento; o deslocamento compulsório e mal planejado da população atingida; destruição de hábitos culturais; desespero e insegurança gerados na população frente aos aspectos coercitivos de atuação da CHESF. Autoritarismo político (regime militar); conjuntura desfavorável às reivindicações populares; população não participou efetivamente do processo de reassentamento. Não houve mediação na gestão dos conflitos, mas sim uma pressão social sobre o governo, que terminou alterando os rumos que estavam sendo impostos pelo Estado. Itaparica São Francisco/ PE e BA 1.479,6 1976 a 1988 843/ 40.000 Emergência do campesinato como força social organizada; fortalecimento do movimento sindical de trabalhadores rurais. Desalojamento de pessoas com foco principal no descumprimento do cronograma das obras planejadas para o reassentamento. Início do processo de abertura política e consequente transição democrática. Plano de Desocupação; incorporação da negociação na gestão de conflitos, com a participação da população atingida no processo decisório; assinatura do termo de compromisso entre CHESF e Pólo Sindical.

Barragem Rio/ Estado Potência Instalada (MW) Período de implantação Reservatório (km2) / Deslocados Principais movimentos sociais Principais causas do conflito/ consequências para população Contexto sociopolítico Metodologias de gestão de conflitos

Belo Monte Xingu/ PA 11.233

Implantação iniciada em ago/2011. Início da operação comercial prevista para jan/2015. 516/ 19.000 (previsão) Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu – MDTX; Igreja Católica; ONGs; e o Sindicato dos trabalhadores rurais. Mudanças na paisagem, no comportamento das águas do rio Xingu e dos igarapés, na fauna e na vegetação; deslocamento compulsório da população ribeirinha; aumento das pressões sobre terras indígenas e seus recursos naturais; maior pressão por serviços básicos, decorrentes do aumento populacional. Democracia: empoderamento da população, com sua consequente inclusão no processo decisório. Elaboração do PDRS do Xingu pelo governo em conjunto com a população; elaboração do Plano de Atendimento à População Atingida pela Norte Energia; EIA/RIMA; avanço na legislação ambiental e na gestão pública; negociação e participação popular no processo decisório. Fonte: A autora.

Os dados apresentados revelam que:

a) Partindo-se da relação entre área alagada/potência instalada para as três usinas tem-se que:

• Sobradinho: 4214 km2 / 1050,3 MW= 4,01 • Itaparica: 843 km2/1.479,6 = 0,57

• Belo Monte: 516 km2/11.233 = 0,046

Esses resultados indicam uma mudança na concepção dos projetos de usinas hidrelétricas, por meio da adoção da tecnologia fio d‟água (caso de Belo Monte), que, por não possuírem reservatório de acumulação, geram menores impactos sociais (incluindo um menor nº de pessoas atingidas) e ambientais. Por outro lado, a falta de um reservatório implica não haver armazenamento de água para as épocas de seca, diminuindo a geração de energia nesses períodos. Entretanto, tendo em vista a necessidade de atender aos interesses sociais, mediante a construção de usinas hidrelétricas que gerem o mínimo de impactos socioambientais possíveis, a ordem vigente é a adoção da tecnologia a fio d‟água, pois “decorre da formação do reservatório a maioria das alterações associadas aos meios físico, biótico e socioeconômico” (EPE, 2010). Cite-se, como exemplo, a perda de vegetação e da fauna na área do reservatório, a

alteração da qualidade da água em função do alagamento da vegetação marginal e a desapropriação de áreas urbanas e rurais.

b) Há uma forte correlação entre o contexto sociopolítico em que os empreendimentos foram implementados e as respectivas reações populares. Em Sobradinho, que foi construída à época da ditadura militar, houve menor reação popular, sem movimentos sociais organizados. O Governo tinha muito mais autoridade para impor o que havia sido estabelecido do que nos demais empreendimentos. Não houve transparência na execução do projeto e a população não foi incluída no processo decisório. Já em Itaparica, implantada no período de transição democrática, verifica-se uma organização social mais efetiva, com o fortalecimento dos sindicatos e emergência do campesinato como força social organizada, além da participação da igreja, com as caritas e comissões pastorais. Em Belo Monte, projeto implementado (ainda em construção) à época da democracia, observa-se a existência de muitas forças políticas atuantes, destacando-se o Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu – MDTX, a Igreja Católica, as ONGs que atuam na defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas, e o Sindicato dos trabalhadores rurais. À medida que amadurece a democracia, mais fortes e organizados se tornam os movimentos populares, implicando maior empoderamento da população na luta por seus direitos, assim como sua inclusão no processo decisório.

c) As técnicas de gestão de conflitos utilizadas também progrediram ao longo do tempo. Em Sobradinho houve apenas uma pressão da população sobre o governo e a CHESF para demonstrar sua insatisfação e seu desejo de ser ouvida. Não houve a utilização de técnicas de gestão de conflitos como negociação e mediação. Já em Itaparica e em Belo Monte houve a utilização de técnicas de negociação e de mediação, que levaram, inclusive, à elaboração de planos de desocupação. Em Itaparica, o plano de desocupação foi elaborado após uma longa mediação realizada pelo sindicato dos trabalhadores rurais, e representou um contrato elaborado entre as partes com vistas a cumprir o acordado (COSTA, 2003) e, consequentemente, a melhor atender à população atingida. Em Belo Monte a prática da negociação foi frequentemente utilizada, havendo consulta à população atingida ao longo do processo decisório, como se verifica a partir da leitura do Plano de Atendimento à População Atingida.

Esse Plano prevê, por exemplo, a escolha, por parte da população atingida, da melhor forma de compensação pelo deslocamento compulsório (indenização em dinheiro ou reassentamento p.ex.). Já a mediação pode ser verificada tanto em Itaparica quanto em Belo Monte, na ação dos sindicatos, que atuaram na defesa dos direitos dos trabalhadores rurais, e na participação da Igreja em defesa dos índios e da população ribeirinha. Em Belo Monte, pode-se citar, ainda, a mediação realizada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em defesa dos interesses dos povos indígenas.

d) Comparando-se os três casos analisados, percebe-se, também, uma evolução na legislação ambiental e nas políticas públicas relacionadas à implantação de barragens. Cite-se, nesse sentido, importantes marcos legais como a Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei 6938/1981, as Resoluções CONAMA nº 001/1986 e nº 237/1997, e a Constituição Federal de 1988. Todos esses regramentos trouxeram importantes instrumentos para proteção do meio ambiente e das pessoas atingidas por barragens. A exigência de elaboração do EIA/RIMA como condição para obtenção do licenciamento ambiental é um exemplo dessa evolução. À época da implantação das usinas de Itaparica e Sobradinho, não havia a obrigatoriedade de se elaborar o EIA/RIMA como pré-requisito para obtenção do licenciamento ambiental. Esses estudos permitem que o Órgão Ambiental tenha o maior número de informações possíveis sobre os impactos socioambientais que serão causados pelo empreendimento. A partir dessas informações, o IBAMA apresenta um conjunto de condicionantes para mitigação desses impactos, que devem ser seguidas pelo empreendedor como pré-requisito para se obter a licença de instalação, necessária ao andamento das obras. Em Belo Monte já houve a elaboração do EIA/RIMA por parte do empreendedor, que, só obteve a necessária Licença de Instalação após atender aos condicionantes estabelecidos pelo IBAMA.

Tomando como base as variáveis de Deutsch (1973, apud ALMEIDA, 2003) para definição dos conflitos, podemos analisar os conflitos decorrentes da implantação de usinas hidrelétricas ocorridos nas três usinas selecionadas da seguinte maneira:

1. as características das partes no conflito: de um lado tem-se a população atingida pela construção de grandes barragens, que é a parte mais vulnerável e fragilizada, possuindo menos informações e menos capacidade de impor suas

vontades; de outro lado tem-se o Poder Público e as grandes empresas privadas, interessadas na construção de usinas hidrelétricas, partindo do pressuposto que o Brasil possui o maior potencial hidrelétrico do mundo e, por ser a hidroeletricidade uma energia renovável e de baixo custo, esse potencial não deve ser desperdiçado. Contudo, em Sobradinho e Itaparica a população tinha menos acesso às informações do que em Belo Monte, já que, com o advento da Internet e do celular, as informações circulam mais rapidamente, tornando mais fácil a comunicação entre as partes e a participação da população nas decisões;

2. a relação de uma parte com a outra: observa-se uma clara assimetria de poder e de informações entre as duas partes do conflito. O governo e as empresas privadas detêm a maior parte das informações e divulgam aquilo que consideram apropriado para a população afetada pelos grandes empreendimentos hidrelétricos. Somente com a ascensão dos movimentos sociais organizados é que a população conseguiu se colocar a par do processo

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