• Nenhum resultado encontrado

A mudança de perspectiva das Políticas Sociais ao longo do tempo: do universalismo

protetor ao particularismo social

Apesar da imprecisão do surgimento das políticas sociais, para uma parcela maior da população, há certo consenso entre

os estudiosos que aponta a crise do capitalismo em 19296 como o

6 A partir de 1929, coma queda da bolsa de Nova Iorque e a Grande Depressão

(1929 a 1932), a crise econômica se instala pelo mundo ocorrendo uma redu- ção de um terço do comércio mundial (SALVADOR, 2010).

191

momento em que o Estado passou a assumir um destacado papel de regulação das relações entre sociedade e mercado, tendo como resultante um conjunto de políticas sociais (SALVADOR, 2010). Essas só ganharam densidade institucional e dimensão cívica quando o WelfareState (WFS) que, para muitos, começou a ser formado na Europa, no último terço do século XIX, firmou-se em meados do século XX como instituição diretamente respon- sável pelo atendimento de necessidades sociais agravadas pelo inexorável desenvolvimento capitalista (PEREIRA, 2011).

Apesar de seu surgimento estar relacionado às deman- das por maior igualdade e reconhecimento dos direitos sociais e segurança econômica, o WFS não se institui como forma de amparo às necessidades da sociedade, mas prioritariamente para lidar com a conversão do capitalismo em modo de produ- ção dominante a partir da Revolução Industrial. Para Pereira (2011) o WFS é um fenômeno contraditório porque, ao mesmo tempo em que atende necessidades sociais, impondo limites às livres forças do mercado, o faz preservando a integridade do modo de produção capitalista.

O paradigma dominante do Estado de Bem-Estar Social se instituiu por meio de marcos distintos em diferentes países. Cada um desses marcos gira em torno de um eixo particular que conjuntamente forma as colunas mestras (teóricas, políti- cas e ideológicas) modernas do WFS e de suas políticas: pleno emprego (Keynes); direitos de cidadania (Marshall); seguridade econômica e de existência (Beveridge).

Salvador (2010) apoiado em Offe (1984) define WFS como um conjunto de disposições legais que asseguram aos cidadãos o recebimento de prestações da seguridade social obrigatória e acesso a serviços de saúde e de educação organizados pelo Estado, além do auxílio em casos definidos de necessidades e

192

contingências. Pereira (2011) afirma que o chamado Estado do Bem-Estar Social oferece claras evidências de que não é propriamente um Estado, mas um tipo histórico de socieda- de que engloba diferentes esferas de produção, distribuição e consumo e diferentes interesses – do mercado, do estado, dos trabalhadores, dos cidadãos em geral.

Diferentemente do projeto de sociedade, gestado nos países que promoveram o Estado do Bem-Estar Social, uma nova ordem de gerenciamento público se estabeleceu em muitos países a partir da crise do final dos anos 70, em torno de um projeto apoiado na generalizada privatização do Estado com a venda de empresas estatais, a mercantilização de serviços públicos e a redução dos benefícios da seguridade social, ao tempo que oportunizava a financeirização do capital.

Essa nova ordem ocasionou mudanças no perfil das polí- ticas sociais, uma vez que se estabelecia a primazia do mercado e que se reduzia o papel do Estado na proposição das políticas. Assim, nos países desenvolvidos houve uma junção dos siste- mas de proteção universal e os sistemas de proteção focaliza- da em grupos vulneráveis. Nos países em desenvolvimento, os sistemas de proteção universal nem bem se instituíram e já foram associados a programas focalizados, principalmente, em grupos socialmente vulneráveis dado a concentração de renda desses países.

Mota, Amaral e Peruzzo (2012) indicam que esse cenário antagônico resulta no hibridismo que é justamente o principal elemento diferenciador que vai caracterizar a política social contemporânea: uma mescla entre sistemas universais bási- cos e formas individualizadas de proteção privada. Os sistemas universais básicos consistem no atendimento aos direitos de cidadania elucidados por Marshall, como saúde e educação,

193

por exemplo, já as formas de proteção individualizada dizem respeito a programa com critérios de elegibilidade, criados com base nas características dos grupos que se pretendem alcançar (incapazes ao trabalho, pessoas abaixo da linha da pobreza, idosos aposentados, entre outros).

O crescente desmonte do universalismo protetor – como fundamento da cidadania social, sendo atualmente privilégio de poucos – dá vez ao particularismo social e à mercantilização da política social (PEREIRA, 2011). Sposati (2011) indica que há recentralização do social, dessa vez no mercado, tornando-o locus privilegiado de ofertas de serviços paralelos, ampliando a privatização da educação, saúde, previdência social, assis- tência social, quer para o campo lucrativo como para o não lucrativo, na forma de responsabilidade social das empresas. Para Pastorini (2006), no contexto neoliberal, as políticas sociais redistributivas passam a ocupar um lugar residual, deixando espaço para o protagonismo das “novas políticas sociais” que aparentemente são apresentadas como ações solidárias produ- to da soma dos esforços do Estado (suposto representante do bem comum) e da sociedade civil (entendido como um espaço despolitizado e regido pela harmonia social).

A forma atualmente predominante de política social é resultado de uma minimização da proteção social e transmu- tação em políticas de combate à pobreza. Melhor dizendo, a centralização no combate à pobreza mascara o que de fato o Estado mínimo intenciona que é transferir a responsabilida- de dos direitos conquistados para a população e o mercado (SPOSATI, 2011; MOTA, AMARAL; PERUZZO, 2012).

Dessa forma, existe pelo governo o abandono de um modelo de proteção social baseado nas ideias de seguridade social e dos direitos sociais, de universalização do atendimento,

194

da uniformidade de benefícios, da participação da população no controle do sistema de proteção social e da descentrali- zação democrática. Para Pastorini (2006), nessa nova moda- lidade de intervenção social, denominada por alguns como “novo paradigma das políticas sociais”, o Estado delega parte de suas responsabilidades de proteção social para a sociedade civil e para o mercado, fazendo com que os aptos busquem por meio de seus próprios recursos a sua seguridade social e amparando de forma mínima os que não conseguem por si só atingir suas necessidades básicas.

Os programas sociais nesse novo paradigma não visam atender à população inteira, com características universalis- tas, mas sim à parcela da população que por sua não inserção no mercado de trabalho não consegue obter esses serviços no mercado privado. São exemplos desses programas, os progra- mas de transferência de renda condicionada, políticas inclusi- vas como cotas a extratos sociais menos favorecidos na inserção no ensino superior, programas de financiamento para habitação com preços diferenciados, os bancos de alimentos, os programas de distribuição direta de alimentos e os restaurantes populares. As políticas de Segurança Alimentar e Nutricional se destacam como ações de grande relevância para assegurar de direitos, uma vez que sem a realização do DHAA outros direitos são inviabilizados.

195

Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional: