• Nenhum resultado encontrado

Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional: o desafio de se instituir a Alimentação Adequada

como direito social além do texto constitucional

A concretização dos direitos humanos e mais particu- larmente do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) compreende responsabilidades tanto por parte do Estado quan- to da sociedade. A garantia dos direitos humanos e sociais deve ser assegurada pela execução das políticas públicas. Trata-se de um instrumento importante para o alcance do desenvolvi- mento social. É possível com elas oferecer os serviços básicos com a devida qualidade que os cidadãos necessitam (SEN, 2000). Segundo Valente (2003) o direito humano à alimentação deve ser visto como inseparável do direito humano à nutrição, na medida em que o alimento só adquire uma verdadeira dimensão humana quando transformado em um ser humano bem nutrido, saudável, digno e cidadão.

O DHAA está previsto na Declaração Universal dos Diretos Humanos no Artigo XXV -1:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de asse- gurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimen- tação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança, em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, p. 5).

Pinheiro e Carvalho (2010) corroboram essa visão amplia- da do DHAA. Para as autoras o termo “adequação” não significa exclusivamente um pacote mínimo de calorias e nutrientes, mas

196

também condições sociais, econômicas, culturais entre outras necessárias para sobrevivência digna dos seres humanos. Uma alimentação só poderá ser assim considerada quando atender às expectativas de diferentes grupos da sociedade e for consi- derada uma alimentação saudável. Adequação da alimentação é uma resultante das dimensões de quantidade e qualidade asso- ciadas a padrões culturais, regionais, antropológicos e sociais da alimentação das populações.

É necessário que as pessoas que sofrem de fome não sejam vistas apenas do ponto de vista das necessidades, mas como sujeitos com direitos, o que implica em obrigações para as autoridades públicas para assegurá-los. As pessoas que se encontram em algum nível de insegurança alimentar têm o direito de exigir políticas dos governos para que as situações de fome e má nutrição sejam minimizadas. É preciso identificar os obstáculos que as pessoas enfrentam para se alimentarem com dignidade, passo essencial para que essas políticas sejam bem direcionadas (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2011).

Baseadas no DHAA as políticas públicas de SAN no Brasil são uma preocupação datada do início do século passado, inten- sificada com o processo de urbanização do país. O processo de industrialização levou a um êxodo rural de uma população que tinha sua alimentação originária na agricultura de subsis- tência, com mudanças severas da configuração demográfica das cidades que passaram a sofrer um aumento populacional sem planejamento. Dessa forma, foram criadas situações de Insegurança Alimentar (IA) para uma parcela muito represen- tativa da sociedade.

A questão da fome no Brasil, para alguns autores, tem suas raízes vinculadas ao processo histórico de formação da

197

sociedade brasileira, no período colonial. O diagnóstico e as políticas receitadas para o combate à fome no país passaram por três fases. Até a década de 1930, os problemas de abastecimento estavam associados à questão da oferta de alimentos para a população que crescia dirigindo-se às metrópoles. Desse período até o final da década de 1980, a fome passou a ser encarada como um problema de intermediação entre a regulação de preços e o controle da sua oferta, teve como iniciativas ações em grupos focais escolares, trabalhadores e gestantes. Finalmente, a partir da década de 1990, os problemas de abastecimento passaram a ser combatidos, supostamente, mediante a desregulamentação do mercado, na esperança de que o crescimento econômico pudesse proporcionar renda, emancipando as famílias pobres e fazendo que alcançassem a cidadania (VASCONCELOS, 2005).

As abordagens do século XX para o DHAA foram focaliza- das essencialmente no desenvolvimento de tecnologias para melhorar o uso e a produção alimentar. Isso foi muito importante naquela época, mas a situação mudou. Hoje, a forma como os alimentos são produzidos é tão importante quanto a quantidade. A abordagem do direito é uma forma de nos guiarmos na direção correta, é uma forma de obrigar os governos a fazerem a melhor escolha. É preciso associar o aumento dos níveis de produção alimentar ao aumento da renda dos pobres e ao enfrentamento dos desafios ambientais do nosso tempo (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME, 2011, p. 11).

Hoje, após a revolução verde, o problema da fome não é fundamentado na falta de alimentos, mas na falta de renda para se alimentar adequadamente. A produção de alimentos na

198

economia de livre mercado e sem regularização ou controle esta- tal está voltada para o lucro, portanto a falta de renda, traduzi- da por pobreza, consequência da desigualdade social, agravada pela grande taxa de desemprego e pelo crescimento econômico insuficiente para incorporar a população desempregada, além da falta de políticas públicas eficazes no campo da segurança alimentar, não favorecerem a erradicação da fome (GOES, 2009; HENRIQUES, 2000 apud BELIK; SILVA; TAKAGI, 2001).

Diante da problemática da vulnerabilidade da fome, reflexo da má distribuição de renda no país, o governo federal desenvolveu uma complexa e abrangente política pública de SAN, a Estratégia Fome Zero, estratégia que tem por objetivo assegurar o DHAA às pessoas com dificuldades de acesso aos alimentos. Tal estratégia se insere na promoção da SAN à luz da inclusão social e a conquista da cidadania das populações mais susceptíveis à fome (BRASIL, 2012; SILVA, 2008).

O Programa Fome Zero atua a partir de quatro eixos articu- ladores os quais são formados pelo Acesso ao alimento, a Geração de renda, o Fortalecimento da agricultura familiar e a Articulação, mobilização e controle social (BRASIL, 2012). O Quadro 1 descreve esses eixos e identifica os programas que são promotores desses pontos estratégicos para promoção da SAN.

199

EIXO COMPONENTES

ACESSO AO ALIMENTO

Programas de transferência de renda como, por exemplo: Bolsa Família; Programas de alimentação e nutrição como a Alimentação Escolar (PNAE); alimentos a grupos populacionais específicos; cisternas; restaurantes populares; bancos de alimentos; agricultura urbana/hortas comunitárias; Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN); distribuição de vitamina A (Vitamina A+); distribuição de ferro (Saúde de Ferro); alimentação e nutrição de povos indígenas; educação alimentar; nutricional e para consumo; alimentação saudável/ promoção de hábitos saudáveis. Há ainda o acesso ao alimento por meio de incentivos fiscais como o Programa de Alimentação do trabalhador (PAT) e a redução de tributos como a desoneração da cesta básica de alimentos.

GERAÇÃO DE RENDA

Qualificação social e profissional, Economia solidária e inclusão produtiva, Consórcio de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local (CONSAD), Organização produtiva de comunidades (PRODUZIR), Desenvolvimento de cooperativas de catadores, Microcrédito produtivo orientado.

FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FAMILIAR

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), Garantia- -Safra, Seguro da Agricultura Familiar, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA).

ARTICULAÇÃO, MOBILIZAÇÃO E CONTROLE SOCIAL

Casa das Famílias – Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Mobilização social e educação cidadã, Capacitação de agentes públicos e sociais, Mutirões e doações, Parcerias com empresas e entidades, Controle social – conselhos da área social.

Quadro 1 – Componentes dos eixos articulares da Estratégia Fome Zero.

200

Apesar de a Estratégia Fome Zero (EFZ) fortalecer prin- cipalmente as políticas de renda, são, igualmente, importan- tes e necessárias políticas de acesso aos alimentos em virtude do caráter emergencial da vulnerabilidade à fome nas popu- lações carentes, que precisam se alimentar com dignidade. Compreendendo a importância dessas ações emergenciais Yasbek (2004) aponta que essas devam ser políticas educati- vas (em relação aos hábitos alimentares), organizativas (para defesa dos direitos) e emancipatórias (visando a autonomia). Programas do eixo “Acesso a alimento” são tidos como ações emergenciais, entre eles, programas de acesso a refeições por um baixo custo têm bastante relevância.

No Rio Grande do Norte, um exemplo de fornecimento de refeições de baixo custo é o Projeto Café do Trabalhador. O Projeto possui seis unidades (Mossoró, Assú, Angicos, Ceará Mirim, João Câmara e Natal) no Rio Grande do Norte, está inseri- do no Programa de Apoio ao Trabalhador por meio da Secretaria do Trabalho e Assistência Social do Estado, sendo esta refeição oferecida nas Centrais dos Trabalhadores (MEIOS, 2009). Projetos como o Café do Trabalhador são considerados políticas locais da EFZ, ações práticas para solucionar o problema da fome, caben- do aos governos estaduais e municipais a execução e avaliação dessas ações.

O Projeto idealizado em 2004 e implementado em 2008 tem como justificativa de criação a necessidade de atender grande parcela dos trabalhadores que, em atividade, não tem possibilidade de tomar o café da manhã em seus lares, o fazem de maneira precária, optando por alimentos de baixo valor nutricional e baixo custo para não comprometer o salário.