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CAPÍTULO 4: A DINÂMICA POLÍTICA

4.2 Governo Federal no fluxo político

4.2.1 Mudanças de gestão

Um dos momentos mais propícios para o ingresso de um tema na agenda são períodos de mudanças no governo - principalmente ao início de uma nova gestão, após as eleições (Kingdon, 2003). Novos formuladores de políticas que passam a ter acesso à estrutura administrativa e novas prioridades criam expectativas de mudança na agenda, sobretudo no primeiro ano de novas administrações, como assinala Kingdon (2003, 154). Por outro lado, um novo governo pode também provocar a retirada de uma questão da agenda, bem como inibir a ascensão de outros temas. No caso da política de reforma administrativa

sob análise, são evidentes as relações entre a mudança de governo e o ingresso do tema na agenda, em 1995.

Após uma bem sucedida passagem pelo Ministério da Fazenda no governo Itamar Franco, no qual contribuiu para a implantação do Plano Real75, Fernando Henrique Cardoso, apoiado por uma ampla coalizão partidária e com grande aprovação da opinião pública assume a Presidência da República em janeiro de 1995. Neste momento, no entanto, não havia uma percepção clara do escopo da reforma administrativa. O programa de governo, embora enfatizasse a existência da crise do Estado, e defendesse um programa de reformas para lidar com essa crise, simultaneamente ao controle da inflação e da manutenção da estabilização, não previa uma reforma específica para a administração pública. Para compreendermos a forma pela qual este tema passa a focalizar a atenção governamental, inserindo-se na agenda maior de reformas do Estado, torna-se fundamental analisar a participação do então ministro Bresser Pereira. Embora não figurasse inicialmente entre as reformas do Estado, a reforma administrativa passa a integrar a agenda governamental no momento em que Bresser Pereira é convidado a participar do governo federal, decisão esta que somente se concretizaria às vésperas de 1995. De acordo com um analista do período,

“O nome de Bresser na composição da equipe ministerial surge no momento final e na cota de FHC (...). A expectativa inicial era para a pasta das Relações Exteriores, mas um movimento por um nome de carreira dos diplomatas forçou uma segunda opção: a Secretaria da Administração Federal, elevada à condição ministerial para Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE). Do convite à posse decorreram menos de duas semanas.” (Martins, 2002, 238-239).

Ao longo dos primeiros meses de 1995, Bresser Pereira, tendo assumido o recém-criado MARE, empenha-se em inserir a reforma administrativa entre as

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Fernando Henrique Cardoso foi ministro da Fazenda no governo Itamar Franco a partir de maio de 1993. A primeira fase do Plano Real teve início em maio de 1994, sendo o real introduzido como moeda oficial em julho do mesmo ano.

prioridades da agenda governamental. Um dos objetivos iniciais de sua intensa estratégia de definição de problemas e difusão das propostas, analisadas nos capítulos anteriores, consistia em relacionar a reforma administrativa às ações de ajuste fiscal, procurando demonstrar que a reforma traria redução de custos, principalmente por meio das emendas constitucionais ao capítulo da administração pública, além de garantir à estrutura estatal a eficiência e a flexibilidade necessárias para o novo modelo de Estado proposto pelo governo Fernando Henrique Cardoso, materializando o rompimento com a “era Vargas”. Tendo assumido o Ministério sem a existência de um programa consolidado para a reforma da administração pública, o então ministro se concentra na formulação do Plano Diretor e em sua difusão tanto internamente ao governo, entre outros ministros e formuladores de políticas, quanto para outros atores externos.

Assim, o tema da reforma da administração pública é incorporado tardiamente à agenda de governo. A reforma é conduzida por um órgão externo ao chamado “núcleo central” do governo, um conjunto de órgãos da Presidência da República que procuravam fortalecer a capacidade de controle e coordenação da Presidência sobre os Ministérios, como a Casa Civil da Presidência da República, a Secretaria Geral, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, e o Conselho de Governo, que contava com uma estrutura de formulação de políticas interministeriais (Câmaras de Políticas Setoriais), nas quais apenas os Ministros da Fazenda e do Planejamento e Orçamento tinham lugar garantido. A própria Câmara de Reforma do Estado76, órgão responsável pela definição das diretrizes da reforma, era controlada pelo ministro-chefe da Casa Civil.

Esta posição institucional, na avaliação de Costa (2002), enfraqueceu a ação do MARE no desenvolvimento das políticas de reforma da administração pública, uma vez que, fora do “núcleo central” do governo e com poucos recursos, o Ministério teria pouco apoio para levar adiante as propostas contidas no Plano Diretor:

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“A transformação da Secretaria da Administração Federal (SAF) em Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), mostrava que a reforma não era uma prioridade governamental. Como órgão responsável por atividades-meio, o MARE não possuía densidade própria, não representava interesses sociais relevantes, não atraía a atenção da opinião pública e, pelo contrário, tendia a enfrentar resistências generalizadas da burocracia federal, especialmente nos ministérios maiores, ciosos de sua autonomia. Sem a vinculação direta à Presidência da República, o MARE seria apenas um pequeno ministério sem recursos, procurando definir seu lugar entre os cerca de vinte ministérios.” (Costa, 2002, 30)

Outros autores, no entanto, analisam a posição institucional do MARE como favorável ao desenvolvimento da política de reforma. Gaetani (2000), por exemplo, destaca o MARE como órgão central, ao lado dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento, e da Casa Civil. Nesta perspectiva, o MARE teria um amplo escopo de ação dentro da estrutura do governo federal.

De qualquer forma, a criação do MARE sinaliza a construção de um monopólio de políticas (policy monopoly), nos termos de Baumgartner e Jones (1993), indicando que o tema da reforma da administração pública havia ingressado na agenda governamental. Independente de sua localização com relação ao “núcleo central”, o MARE representa a dimensão institucional imprescindível para o desenvolvimento de um entendimento comum em relação à reforma. É em seu interior que o problema em relação à administração pública seria redefinido e as soluções seriam apresentadas e difundidas, formando a policy

image da reforma. Instituições são o resultado do acesso de uma questão à agenda

governamental, dizem Baumgartner e Jones (1993, 84).