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CAPÍTULO 2: DEFINIÇÃO DE PROBLEMAS NA POLÍTICA DE REFORMA DA

3.1 Soluções apresentadas

3.1.2 Dimensão cultural e de gestão

3.1.2.1 Projetos básicos

Os projetos básicos, destinados a introduzir o modelo gerencial na administração pública brasileira, são compostos pelos projetos de Agências Autônomas e Organizações Sociais, além de projetos destinados à revisão da estrutura administrativa do governo federal (Brasil, 1995, 71-75).

Com base na experiência britânica de reforma, na qual a ênfase recaiu sobre a criação de quangos (quasi autonomous non-governamental organizations) ou paramercados, entidades pertencentes a um setor denominado “público não- estatal” e que se tornariam responsáveis pela prestação de serviços anteriormente

atribuídos ao Estado50, estes projetos são apresentados como forma de aumentar a eficiência da gestão pública, flexibilizando os controles burocráticos.

Para operacionalizar o conceito de “público não-estatal” - fundamental ao modelo gerencial, como indicam as experiências internacionais - o Plano Diretor apresenta um esquema conceitual no qual são definidas quatro áreas de atuação do Estado: núcleo estratégico; atividades exclusivas do Estado; serviços não exclusivos; e produção de bens e serviços para o mercado (Brasil, 1995, 51-59).

O núcleo estratégico seria composto pelos Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e, dentro do poder Executivo, caberia exclusivamente a este núcleo a formulação de políticas públicas pelo Presidente da República, seus ministros e auxiliares diretos (Brasil, 1995, 52). Os níveis estaduais de governo também teriam seus núcleos estratégicos correspondentes.

A delimitação entre serviços exclusivos e não exclusivos é estabelecida com base na concepção de “poder extroverso”, um termo jurídico, utilizado para designar o “poder de regulamentar, fiscalizar e fomentar” (Brasil, 1995, 52). De acordo com Bresser Pereira (1998-d, 63), “o Estado detém este poder para assegurar a ordem interna - ou seja, garantir a propriedade e os contratos -, defender o país contra o inimigo externo, e promover o desenvolvimento econômico e social”. Além destas funções características do Estado liberal, são consideradas atividades típicas do Estado algumas políticas que “não são intrinsecamente monopolistas ou exclusivas, mas na prática, dado o volume das transferências de recursos orçamentários que envolvem, são de fato atividades exclusivas de Estado” (Bresser Pereira: 1998-d, 64). Finalmente, algumas atividades econômicas como investimento na área de infra-estrutura, são também apontadas como exclusivas pelo autor. Todas estas atividades exclusivas deveriam ser desenvolvidas em unidades descentralizadas, chamadas “Agências Autônomas”, sendo estas controladas pelo núcleo estratégico através de contratos

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Sobre a introdução dos quangos no serviço público britânico, ver Ferlie et. al. (1999), especialmente o capítulo 3, “A Criação e a Evolução dos Paramercados” (pp. 97-148).

de gestão51. Desta forma, a idéia presente no Plano Diretor consiste em manter a prestação destas atividades pelo setor público, mas com a instituição de um mecanismo de separação entre a formulação de políticas (circunscrita ao núcleo estratégico) e sua execução (nas Agências Autônomas).

Embora o Plano Diretor enfatize a criação de Agências Autônomas, mais adiante, no entanto, a terminologia Agências Autônomas é alterada para Agências

Executivas. Em 1997, o MARE já emprega formalmente a denominação

“Agências Executivas”, em publicação específica para divulgar o projeto (MARE, 1997-d). O Decreto que formaliza o projeto, publicado em fevereiro de 1998, faz menção ao termo Agências Executivas52. Escrevendo em 1998, Bresser Pereira faz referência ao projeto utilizando o termo Agência Executiva: “Nos termos do Plano Diretor, temos dois tipos de agências executando atividades exclusivas de Estado: as agências executivas e as agências reguladoras” (Bresser Pereira, 1998-e, 225)53. No entanto, um exame minucioso do Plano Diretor nos revela que, para as atividades exclusivas, é proposta apenas a criação de agências autônomas (e não executivas) e nenhuma menção à criação de agências reguladoras é feita em toda a extensão do documento, embora o Plano Diretor destaque a “função regulatória” do Estado em comparação com a “função executora” (Brasil, 1995, 09).

Assim, nas primeiras versões do projeto de reforma, o projeto de agências autônomas é concebido nos moldes da experiência do Decreto-Lei 200 (relação estabelecida pelo próprio Plano Diretor), baseado na idéia de flexibilização administrativa e financeira e de descentralização de atividades para autarquias e fundações. A criação dessas agências não configurava, na verdade, alterações jurídicas no formato já existente das autarquias e fundações. A nova denominação - agências autônomas - se justificava por introduzir, de acordo com o governo, duas alterações básicas em relação aos formatos já existentes na administração

51

Originários da França, onde foram criados no início dos anos 70, e largamente utilizados pelo governo britânico no período Thatcher, os contratos de gestão já tinham sendo utilizados pelo governo federal brasileiro desde 1991, embora a recente reforma tenha irradiado o formato contratual como forma de ligação entre os setores do Estado definidos pelo Plano Diretor.

52

Decreto 2.487, de 02 de fevereiro de 1998.

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indireta: a ampliação da autonomia financeira e administrativa, e o controle baseado em contratos de gestão. A autonomia concedida a estas agências permitiria o livre gerenciamento dos recursos colocados, pelo governo, à disposição destas instituições. A autonomia administrativa traduzir-se-ia em três áreas: recursos humanos; orçamento e finanças; e serviços gerais e contratação de bens e serviços. A idéia principal é a de que, com maior poder de decisão sobre seus recursos, estas agências poderiam aplicá-los de forma mais eficiente. A concessão de autonomia financeira e administrativa é apontada como a forma mais eficiente na execução dos serviços públicos, principalmente, na avaliação do governo e de acordo com o modelo gerencial, por garantir a redução dos custos e a racionalização das despesas. Como contrapartida à concessão de autonomia, as agências deveriam adotar uma filosofia de gestão baseada no planejamento estratégico, orientado para resultados, sendo controladas pelo núcleo estratégico do Estado através de contratos de gestão.

Desta forma, o projeto inicial “tem como objetivo a transformação de autarquias e de fundações que exerçam atividades exclusivas de Estado, em agências autônomas, com foco na modernização da gestão” (Brasil, 1995, 73). Mais adiante, esta solução é reformulada, e as agências autônomas passam a ser tratadas como um conceito mais amplo, abarcando dois tipos de agências: as agências executivas e as agências reguladoras. Desta forma, a idéia inicialmente presente no Plano Diretor rapidamente se transforma para abranger novas soluções.

As atividades não-exclusivas do Estado, ou seja, áreas em que o setor público atua paralelamente às instituições privadas – saúde, previdência e assistência social, educação, cultura, desporto, ciência e tecnologia, pesquisa, comunicação social, meio ambiente, além de outros serviços de interesse coletivo – seriam, no esquema conceitual proposto, transferidas para “um setor público

não-estatal, através de um programa de publicização, transformando as atuais

privado, sem fins lucrativos (...)” (Brasil: 1995, 58)54. A justificativa apontada é que este tipo de atividade não deveria ser necessariamente estatal, embora devesse manter seu caráter público e o financiamento, parcial ou total, sustentado pelo governo. O projeto de Organizações Sociais é concebido, no esquema conceitual do Plano Diretor, como forma de transferir os serviços não-exclusivos para o setor

público não-estatal, que deveria priorizar o atendimento ao cliente-cidadão. A

legislação que criou a figura jurídica das Organizações Sociais foi aprovada pelo Congresso Nacional em 1998, sendo rapidamente regulamentada nos níveis subnacionais55. O Plano Diretor atribuiu ao novo formato institucional as mesmas vantagens apresentadas no projeto de Agências Autônomas: autonomia de gestão e aumento da eficiência na gestão de recursos. Há, entretanto, uma outra vantagem enfatizada pelo governo no projeto das Organizações Sociais: o incentivo ao controle social e à gestão direta dos serviços sociais pela comunidade. “Reformar o aparelho do Estado”, diz o Plano Diretor,

“Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em agências autônomas, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as organizações sociais.” (Brasil, 1995, 56).

Os dois modelos, que visam substituir o modelo burocrático pelo gerencial, são representados como soluções tecnicamente viáveis e, mais do que isso, desejáveis para a administração pública brasileira. Tornam-se desejáveis na medida em que afirmam a eficiência como valor inquestionável e se apresentam como soluções específicas para garantir que a ineficiência atribuída ao modelo burocrático seja superada, capacitando o “aparelho do Estado” a obter melhor desempenho.

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Grifo do original.

55

O governo federal instituiu as organizações sociais por meio da Lei n.º. 9.637, de 15 de maio de 1998. No estado de São Paulo, as organizações sociais são regidas pela Lei Complementar nº. 846, de 4 de junho de 1998.

Além dos projetos voltados para as atividades exclusivas e não exclusivas, o Plano Diretor apresenta mais um projeto básico, desta vez destinado a “fortalecer o núcleo estratégico”. O projeto Avaliação Estrutural consiste em “analisar as missões dos órgãos e entidades governamentais, identificando superposições, inadequações de funções e possibilidades de descentralização visando dotar o Estado de uma estrutura organizacional moderna, ágil e permeável à participação popular” (Brasil, 1995, 72). Trata-se, portanto, de um projeto técnico-administrativo destinado a desenvolver estudos que indicariam as “necessidades” de extinção de órgãos, descentralização, privatização, fusão de unidades ou criação de novos órgãos.