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3 IDENTIDADES E REPRESENTAÇÕES

3.4 MULHERES NEGRAS EM MOVIMENTO: LUTAS SOCIAIS SECULARES, MOBILIZAÇÃO E AFIRMAÇÃO

Amílcar Araujo Pereira (2013) estabelece uma diferenciação entre movimento negro

contemporâneo e o movimento negro existente em períodos anteriores à década de 1970

no Brasil. Segundo Pereira (2013), o ―movimento negro‖ existe no Brasil desde que os primeiros seres humanos escravizados na África chegaram à costa brasileira.

Sendo assim, corroboramos com o conceito elaborado por Pereira (2013):

Considero o movimento negro organizado como um movimento social que tem como particularidade a atuação em relação à questão racial. Sua formação é complexa e engloba o conjunto de entidades, organizações e indivíduos que lutam contra o racismo e por melhores condições de vida para a população negra, seja através de práticas culturais, de estratégias políticas, de inciativas educacionais etc.; o que faz da diversidade e pluralidade características desse movimentos social (PEREIRA, 2013, p. 110).

Sérgio Costa apud Pereira (2013, p. 112), concordando com a definição ampla de movimento negro também destaca as rebeliões de escravos e a criação de quilombos como ―indicações importantes da resistência à opressão e à exploração‖. Ele destaca a importância das ―irmandades religiosas como a forma mais difundida de organização da solidariedade entre escravos e, mais tarde, entre escravos e negros libertos.‖

Beatriz Nascimento58 dedicou parte de sua vida pesquisando quilombos (entre 1976 e 1994), o que para ela é um conceito que ultrapassa a construção acadêmica que o relacionava à ―escravidão‖ como o lugar de negros fugidos. Segundo Ratts (2006), no pensamento de Nascimento, quilombo tem a ver com as lutas contemporâneas dos negros e negras por melhorias para o povo negro, e a universidade teve um papel fundamental na vida daquela historiadora, que contrapôs as ideias dos ―intelectuais hegemônicos, que raramente nomeiam os(as) contendores(as), não citando-os, relegando-os com maior ou menor consciência ao esquecimento ou ostracismo‖.

Então, nesse momento, a utilização do termo quilombo passa ter uma conotação

basicamente ideológica, basicamente doutrinária, no sentido de agregação, no

sentido de comunidade, no sentido de luta como se reconhecendo homem, como se reconhecendo pessoa que realmente deve lutar por melhores condições de vida, porque merece essas melhores condições de vida desde o momento em que faz parte dessa sociedade (1989) (NASCIMENTO, 1999 apud RATTS, 2006, p. 53).

Como em todo o país, o negro após a abolição da escravatura não encontrou espaço na sociedade sul-rio-grandense (MACEDO, 2011, p. 91). Para o historiador, ―mesmo que o contexto no estado fosse um pouco diferente da região centro do país, a abolição lançou uma massa bastante grande de trabalhadores negros no mercado de trabalho‖, que forjaram as suas próprias formas de construir o ―Mundo Negro‖ (PEREIRA, 2013) numa sociedade sulina majoritariamente branca.

Leite (1996), afirma que a identidade étnica da região sul se constrói pela negação do negro e, no âmbito da Nação, o que prevalece é a sua branquidade, a sua europeização. Sendo assim, o Rio Grande do Sul é um estado com forte componente segregacionista.

Assiste-se, portanto, desde o século XIX, tanto nas práticas como nas

representações, ao branqueamento do Sul. Além de ser reforçada pela

historiografia, a população descendente de africanos vai se tornando proporcionalmente menor no quadro de crescimento cada vez maior de descendentes de europeus – confirmando, portanto, o sucesso da política imigratória e da ideologia racista. Será no século XX que ele se completará. Entre 1904 e 1950, o aumento da população de origem europeia foi de 784% (CARDOSO; IANNI, 1960, p. 94). Mais do que propriamente extinta, o que ocorre é que a população descendente de africanos vai diminuindo, ínsito, proporcionalmente, o que não significa, em hipótese alguma, uma diminuição em termos absolutos. Mesmo que tenha continuado a se reproduzir, mesmo que tenha permanecido constante ou até crescido em porcentagem, através dos fluxos migratórios recentes, que são significativos, o embranquecimento passou de representação a ―fato‖ estatisticamente comprovado (LEITE, 1996, p. 50).

58

Maria Beatriz Nascimento (1942-1995) é ―mulher negra, nordestina, migrante, professora, historiadora, poeta, ativista, pensadora‖. Dedicou parte de sua vida pesquisando a temática do racismo e dos quilombos. Foi assassinada em janeiro de 1995. Alex Ratts (2006, p. 20), em sua obra ―Eu sou Atlântica‖ reflete ―Fiquei pensando, parafraseando Lô Borges acerca da morte de John Lennon: como um simples canalha mata uma rainha? Numa hora como essa lamento porque pressuponho que seus projetos foram interrompidos ―por um triz‖ e supero o amargo do sentimento, quando imagino que eles se realizam em outras pessoas e coletividades por esse país afora.‖

A segregação e o racismo não desapareceram por conta de uma Lei, e ele foi ganhando cotidianamente outras formas de excluir e oprimir aqueles que traziam consigo as marcas da escravidão. Isso fez com que no Brasil proliferassem por todos os cantos de norte a sul, as organizações negras. Destacando-se entre elas: a Frente Negra Brasileira-FNB (1930); a União dos Homens de Cor-UHC (1943); o Teatro Experimental do Negro-TEN (1944); Movimento Negro Contemporâneo (1971-1995); Ilê Ayê (1974); Movimento Negro Unificado-MNU (1978); Agentes de Pastoral Negra-APN‘S (1983); Ong Maria Mulher (1987); Centro Ecumênico de Cultura Negra-CECUNE (1987); União de Negros pela Igualdade-UNEGRO (1988); Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos-IACOREQ (1999).

Nessa relação, apenas uma breve representação de algumas entidades e organizações que forjaram um ―Mundo Negro‖ ao longo do século XX, constituindo o que Amilcar Araujo Pereira (2013) chamou de Movimento Negro Contemporâneo.

Além disso, desde 1938, já há notícias de negros e negras na organização de Congressos; Convenções; Encontros; Marchas, demonstrando a diversidade de objetivos, variadas tendências e do forte cunho político das lutas levada pelos Movimentos Negros no Brasil, com distintas vertentes, mas que conseguem sistematicamente se reunir em torno de um foco comum, a luta antirracista.

Destacamos dois movimentos negros que ganharam força e se resignificaram, exigindo melhores condições de vida, além da preservação e manutenção dos espaços físicos construídos e edificados pela comunidade negra ao longo dos séculos XIX e XX, cujas reivindicações permanecem no século XXI.

1. O Movimento de Mulheres Negras, que culminou no ano de 2015 com a