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O problema atual da Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio é ampliar suas dependências e para que isto ocorra há uma previsão de compra do terreno localizado a rua Silva Jardim esquina com a Serafim Valandro. Está previsto também a aquisição de um terreno para sua sede campestre, a reestruturação do time de futebol e a organização de um time de voleibol sob orientação da Professora

Neuza Rodrigues. As informações à Reportagem foram gentilmente prestadas pelo

Presidente da Sociedade, Sr. Alcey Bonifácio dos Santos, estando assim constituído o restante da Diretoria: Vice-Presidente, Ari Xavier, 2º Vice José Marques, Secretário Loreno Cruz, 2ª Secretária Judite Campos, 3ª Secretária Estela Maria Santana dos Santos.

FOTO: ALCIDES CORREA

REPORTAGEM: NOEMI CRISTINA FLORES. (A Razão-Ano41-Dom-09 de Fev 1975-N 98-p.)

Ao contrário de sua primeira diretoria do início do século XX, majoritariamente masculina, a composição da gestão de 1975 contemplava as mulheres, embora elas ainda não ocupassem os cargos de maior poder e prestígio, que era o de Presdiente ou até mesmo Vice, evidenciando as diferenças dentro das diferenças, bem como o sexismo presente nas estruturas de sentimento dominantes no interior do Clube.

Ao nos depararmos com a história do Clube Treze de Maio contada pelo jornal, chamou-nos a atenção o fato dele estar ali naquele local de destaque na coluna social, entretanto, verificou-se também a forma como os demais clubes brancos tiveram as suas histórias descritas, com um espaço duas ou até quatro vezes maior do que a do clube negro, numa evidente demonstração dos privilégios da branquitude santa-mariense (SHUCMAN, 2012).

Ser branco e ocupar um lugar simbólico de branquitude não é algo estabelecido por questões apenas genéticas, mas sobretudo por posições e lugares sociais que os sujeitos ocupam, é o que nos explica Lia Schucman (2012), ao destacar que ser branco tem diferentes conotações compartilhadas culturalmente em diferentes lugares. Segundo a ela, ―Nos EUA ser branco está estritamente ligado à origem étnica e genética de cada pessoa; no Brasil está

ligado à aparência, ao status e ao fenótipo; na África do Sul, fenótipo e origem são importantes demarcadores de brancura (SCHUCMAN, 2012, p. 22-23).

Moore (2007, p. 22) explica que ―desde seu início, na Antiguidade, o racismo sempre foi uma realidade social e cultural pautada exclusivamente no fenótipo, antes de ser um fenômeno político e econômico pautado na biologia‖. Fenótipo tem a ver com as características físicas visíveis de cada pessoa, textura do cabelo, cor da pele, tamanho dos lábios. Segundo Moore (2007),

é um elemento objetivo, real, que não se presta à negação ou à cofusão. É ele, não os genes, que configura os fantasmas que nutrem o imaginário social; que serve de linha de demarcação entre os grupos raciais e como ponto de referência em torno do qual se organizam as discriminações ―raciais‖ (MOORE, 2007, p. 22).

O racismo brasileiro manifesta-se em gradação, atingindo mais as pessoas com um fenótipo mais próximo da ancestralidade africana (cabelos crespos, lábios grossos, pele escura) e minimizando as discriminações conforme a aparência se aproxime do fenótipo branco.

Em Santa Maria ser branco é desfrutar de privilégios econômicos, com a apropriação dos melhores espaços de lazer, com água em abundância, ter os maiores e melhores imóveis para construção dos seus clubes sociais em espaços doados pelo poder público, cujos gestores também se beneficiam desses lugares para o seu lazer e de seus familiares, enquanto o clube social negro tem que comprar o seu espaço, juntando os parcos recursos de cada associado.

Ser branco em Santa Maria é também ser herdeiro daqueles que tem terras e imóveis e que já nasceram com a possibilidade de desfrutar os finais de semana de uma das cidades mais quentes do Rio Grande do Sul, ou o dia que quiserem, frequentando piscinas, sedes campestres, saunas, cultivando a prática de esportes como tênis, natação, vôlei, tiro ao alvo, vendo suas crianças felizes em seus coloridos playgrounds; é ainda deter o poder midiático e manter anos a fio bibliotecas privadas, arquivos, jornais próprios, sem que tudo isso seja considerado por aqueles que ocupam esses lugares, como um privilégio, afinal, conforme a ―Modinha para Gabriela‖ de Dorival Caimmi ―eu nasci assim/eu cresci assim/e sou mesmo assim/vou ser sempre assim‖.

Figura 8 – Sociedade Cultural Ferroviária Treze de Maio em destaque na coluna social do jornal A Razão, em 1975

Fonte: Jornal A Razão-Ano41-Dom-09 de Fev 1975-N 98-p.

Cada matéria destacava os seguintes itens das entidades sociais, os quais alustramos em quadro específico (APÊNDICE A – Clubes Sociais da cidade de Santa Maria, em 1975): nome completo do clube e suas alterações de nome, desde a sua fundação; possíveis apelidos ou qualificação; endereço; data de fundação; composição das diretorias desde a fundação; número de sócios; principais atividades; eventos; promoções e espaços físicos do clube.

Destacamos também o seguinte excerto de A Razão de 11 de fevereiro de 1975 sobre a história de um dos clubes brancos da cidade, o Clube 21 de Abril, que revela que naquele

lugar ―Negro é aceito‖, comprovando que nos demais até 1975, negros não eram bem-vindos, exceto no Carnaval, “Para encher os olhos”:

Figura 9 – Clube 21 de Abril e a revelação: ―Negro é aceito‖

Fonte: A Razão-Ano41-Ter-11 de Fev. 1975, n. 99, p. 5.

A segregação entre negros e brancos na sociedade santa-marientese não estava explícita em leis, mas em ações e escancarada na mídia, na sociedade racializada da época, como nessa matéria do jornal A Razão de 1975. Racismo só se tornaria crime inafiançável no Brasil, a partir da nova Constitução, promulgada em 1988, a Lei 7.716, de 05/01/198941. Nessa entrevista, o jornalista descreve a posição do presidente do ―21‖:

“Negro é aceito”. Famoso pelos ―carnavais com tentação a proporcionar aos

associados um maior de inverno‖ obtêm a maior afluência nesse tipo de promoção, o clube tem uma particularidade de ser um dos poucos que aceita o elemento negro em suas dependências. Em entrevista concedida numa das noites de carnaval, o presidente salientou que, mediante apresentação de carteira social, a Sociedade tem as portas ―abertas para todos, independente da cor do indivíduo‖, dizendo ainda que ―não temos porque não aceitar o negro, já que trata-se de um ser humano como o branco‖. Portanto a discriminação é algo que não ocorre no Vinte e Um (A Razão- Ano41-Ter-11 de Fev. 1975, n. 99, p. 5).

41 Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/

Numa analogia ao que a administradora Luiza Bairros (1995)42 exemplifica, ao assistir um programa de televisão em que a mulher negra é subjugada e invisibilizada pela mulher branca apresentadora de um quadro sobre culinária, pois a mulher negra é aquela que está ali para alcançar os talheres e produtos, bem como lavar os pratos em rede nacional, aqui o que se percebe é que o estereótipo que associa a população negra ao Carnaval, nessa cidade de brasileiros brancos descendentes de imigrantes europeus do extremo sul do Brasil, não vigora, pois nem durante essa festa, que é um dos únicos perídodos que a população negra poderia ser visível, negros e negras, bem como seus espaços, são excluídos, minimizados ou invisibilizados. O Carnaval e as soberanas são prerrogativas da branquitude em Santa Maria.

Esse quadro certamente merece um estudo mais aprofundado e detalhado das entidades sociais desse período, sob o ponto de vista dos privilégios da branquitude, investigando as outras sociedades negras invisibilizadas pela mídia hegemônica. O que sabemos através das entrevistadas é a existência dos outros dois clubes sociais negros que estavam em plena atividade naquele período e que sequer foram citados, o Familiar e o Elite.

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Nasceu em 1953, gaúcha de Porto Alegre Luiza Helena de Bairros retornou à massa de origem em julho de 2016. De 2011 a 2014, ela foi ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) no governo Dilma Rousseff. Deixou um legado inestimável para a sociedade brasileira através de seu pensamento e suas obras e, para as mulheres negras, em especial.