• Nenhum resultado encontrado

mULhERES QUE FIzERAm – mULhERES QUE FAzEm hISTóRIA

A professora de História da Ciência na Universidade de Stanford (Califórnia), Schiebinger (2001), em seu livro O femi- nismo mudou a ciência? discute como os movimentos femi- nistas dos últimos séculos transformaram a ciência e a tecno- logia, possibilitando a atuação de centenas de mulheres em áreas como medicina, biologia, engenharia, etc.

Ela nos explica, a partir do depoimento de várias mulhe- res, que a maior preocupação, e consequentemente o maior empecilho, para a entrada e permanência de mulheres na ci- ência e na tecnologia é o fato de terem de conciliar vida profis- sional e vida familiar. Portanto, o problema que afeta a atua- ção da mulher na ciência e na tecnologia é o fato de o trabalho doméstico ser atribuído como responsabilidade feminina.

Sua conclusão é de que, para trazer as mulheres para a ciência, é necessária a reestruturação dos mundos profissio- nal e doméstico, ou seja, é necessário que se faça um esforço em convencer os parceiros a participarem das atividades do- mésticas, entendendo que esta é a forma mais justa de atua- ção profissional para ambos.

Assim como Schiebinger, outras/os estudiosas/os se de- bruçaram sobre a importância dos movimentos feministas para a mudança desse cenário. Todas/os elas/es acreditam que, apesar da continuidade da divisão que relega as mulhe- res a algumas áreas do conhecimento, seja do campo da ciên- cia ou da tecnologia, aos poucos é possível notar os avanços, haja vista o número superior de mulheres nas universidades e o número cada vez maior de doutoras no país.

A divisão de áreas e tarefas, que relega mulheres e ho- mens a espaços pré-determinados de acordo com seu sexo/ gênero, é um fator importante do ponto de vista da exclusão. Ainda que se perceba uma ampliação do número de mulheres em atividades consideradas masculinas e uma ampliação do número de homens em ocupações consideradas femininas, a sociedade segue uma lógica determinista excludente e pre- judicial a toda sociedade. Meninos e meninas estão sujeitos a esta lógica que escraviza e os/as impede de escolher uma

carreira, sob pena de sofrer preconceitos, abusos, exclusões. Nesse sentido, destacamos a importância de a educação tec- nológica numa empreitada: desvelar a história da ciência e da tecnologia, de modo a discutir quem são os sujeitos, para que e para quem se fez/faz ciência e tecnologia hoje no mundo ocidental, e qual a participação das mulheres nessa história, de modo a estimular que mais meninas ingressem em áreas consideradas redutos masculinos e vice-versa.

Um importante passo nessa perspectiva, portanto, é lan- çar luz àquelas que, mesmo diante de cenários históricos, políticos, econômicos desfavoráveis, conseguiram se desta- car. Assim, podemos citar alguns nomes como o de Hipácia de Alexandria (355/370-415/416 d.C.)15. Matemática, filóso-

fa, astrônoma, também se dedicou às artes, poesia e retóri- ca. Inventou o astrolábio, o hidrômetro e o densímetro e fez trabalhos extensos sobre álgebra e geometria. Teve uma mor- te cruel, quando foi atacada por uma multidão de fanáticos cristãos enfurecidos, arrastada a uma igreja, despida e brutal- mente torturada por ser pagã.

Ada Augusta Byron Lovelace (1815-1852) estudou ma- temática e ciências, e ainda é reconhecida por conceber e desenvolver o primeiro programa para computadores, após contato com uma máquina de calcular. Em homenagem a ela, à linguagem de programação desenvolvida pelo Departa- mento de Defesa/EUA foi dado o nome de ADA.

Lembramos de Marya Sklodowska, mais conhecida e re- conhecida como Marie Curie (1867-1934). A polonesa, gradu-

15 As referências biográficas e bibliográficas foram encontradas em páginas na inter- net, sites oficiais e livros diversos; estes levantamentos foram feitos para prepara- ção de material didático para o curso Gênero e Diversidade na Escola, da UTFPR.

ada em ciências físicas e matemática, recebeu um Nobel de física e um de química. Com o marido, o físico Pierre Curie, descobriu os elementos urânio e tório, e sozinha descobriu os elementos rádio e polônio. Durante a Segunda Guerra, desen- volveu a utilização de raios X em hospitais militares. A expo- sição contínua à radiação a levou à morte por leucemia, em 1934. Além desse legado, deixou sua filha Irene Joliot-Curie chefiando seu laboratório, o que também a levou a receber um Prêmio Nobel.

A almirante Grace Murray Hopper (1906-1992) foi ma- temática e analista da Marinha dos EUA. Desenvolveu a 1ª linguagem de programação comercial fácil de usar: COBOL (Common Business-Oriented Language). Trabalhou com os primeiros computadores (Mark I e II) e foi a primeira a usar o termo bug, quando abriu seu computador que estava com defeito e encontrou uma mariposa morta lá dentro.

Rita Levi-Montalcini16 (1909-2012) fez medicina aos 20

anos e foi impedida de continuar os estudos devido à pro- mulgação de leis raciais – ela era italiana de origem judia. Conhecida como a Dama das Células, pelas pesquisas so- bre os mistérios das células, conduzidas em segredo duran- te a perseguição fascista e a invasão nazista, avançou no co- nhecimento de enfermidades neurológicas, desenvolvendo terapias de regeneração de tecidos e estudo do câncer. Nos últimos anos da guerra, serviu como médica voluntária em campos de refugiados.

16 No site <http://www.biography.com/people/rita-levi-montalcini-9380593# before-and-during-world-war-ii> podemos encontrar mais detalhes sobre sua trajetória acadêmica.

No Brasil também temos nomes importantes e mais recentes, haja vista a questão histórica apresentada an- teriormente. A começar pelo de Bertha Maria Julia Lutz (1894-1976). Estudou ciências naturais/biologia na Sor- bonne-Paris. Pesquisou principalmente anfíbios e também cursou direito pela Universidade do Rio de Janeiro. Pionei- ra nas lutas feministas no nosso país, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, em 1922. Foi eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana na Liga das Mulheres Eleitoras/EUA e também foi deputada na Câmara Federal, em 1936.

Mayana Zatz (1947), apesar de ter nascido em Tel- Aviv (Israel), vive no Brasil, onde fez toda sua formação acadêmica. Bióloga, geneticista e professora titular de Genética na Universidade de São Paulo, conduz pesquisas com células-tronco adultas não embrionárias. Também coordena o Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP). Foi voz ativa na aprovação, em março de 2005, da Lei de Biossegurança, que autorizou as pesquisas com células-tronco para fins terapêuticos. Bem-sucedida, dá seu testemunho sobre sua condição de mulher cientista:

Para o homem, é difícil ter uma mulher que se dedica de- mais à profissão. Ser uma mulher bem-sucedida acabou com meu casamento. Na maioria dos casos, os homens são criados para serem o centro das atenções. E é difícil para o homem inverter o papel17.

17 Disponível em: <http://www.terra.com.br/istoegente/382/reportagens/perso- nalidade_mayana_ zatz.htm>. Acesso em: 05 mar. 2014.

A física Marcia Cristina Bernardes Barbosa, cuja for- mação foi toda na Federal do Rio Grande do Sul, recebeu o prêmio L’Oréal-Unesco por sua contribuição à Ciência. Ela descobriu que quanto maior o número de moléculas de água, mais rapidamente ocorre uma troca de elétrons, o que faz o líquido fluir mais rápido. Os resultados de seu traba- lho têm aplicações amplas: podem explicar como ocorrem os terremotos ou mesmo esclarecer como as proteínas estão estruturadas, o que pode influenciar o tratamento de diver- sas doenças.

Ela, atualmente, é vice-presidente da International Union of Pure and Applied Physics, diretora do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFR- GS), membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnolo- gia e International Councilior da American Physical Society. Sua importância, hoje, também se deve ao seu empenho em incentivar a mudança da relação mulher e ciência no Bra- sil. Ela afirma que o campo científico permanece parecendo um ambiente hostil, mas a falta de mulheres na ciência não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, justamente porque, muitas vezes, a imagem da profissão torna a carreira desinte- ressante para meninas. Para Marcia, esta imagem deveria ser reformulada: “As meninas têm uma imagem de que cientista é uma pessoa que não tem vida social, uma pessoa que só se preocupa com o trabalho e não tem outros interesses na vida. E isso não é verdade”18.

18 Disponível em: <http://www.dw.de/f%C3%ADsica-brasileira-recebe-pr%C3% AAmio-internacional-e-quer-mais-mulheres-na-ci%C3%AAncia/a-16703124>. Acesso em: 05 mar. 2014.

Ela se considera uma representante idealista da ques- tão das mulheres na ciência, especialmente porque ela pró- pria faz parte do que ela chamou o último “Clube do Boli- nha”. Sua conclusão é de que o número reduzido de físicas no Brasil, em torno de 15%, afasta as jovens que precisam ser incentivadas ao ouvir falar do trabalho que muitas mulheres desempenham ou já desempenharam na ciência.

CONSIDERAÇõES FINAIS

Embora a história da C&T aponte para uma pouca ou quase nenhuma participação das mulheres, é possível en- contrarmos muitas representantes que, em alguma medi- da, romperam com padrões que insistiam em relegá-las às margens.

A recuperação dessa história é relevante não apenas para que saibamos um pouco mais sobre o nosso passado, mas, sobretudo, para fazer justiça com aquelas que produ- ziram conhecimentos e contribuíram para que, hoje, tenha- mos melhores condições de vida a partir do desenvolvimen- to científico e tecnológico. Apagar a história das mulheres é, de alguma forma, negar a própria história e, sobretudo, condicionar e reduzir o passado, o presente e o futuro das mulheres.

Diante desse cenário, desses e de outros nomes que não foram citados aqui, reforçamos a ideia de que a participação das mulheres nas áreas científicas e tecnológicas é um ganho para todas as pessoas, especialmente àquelas que veem na ci- ência e na tecnologia uma possibilidade de carreira, e estão à espera de só um empurrãozinho.

REFERêNCIAS

CARVALHO, Marília Gomes de. É possível transformar a minoria em eqüidade? In: RISTOFF, Dilvo et al. (Org.). Simpósio gênero e indicadores da educação superior brasileira. Brasília: Inep, 2008.p.

109-138.

CITELI, Maria Teresa. Fazendo diferenças: teorias sobre gênero, corpo e comportamento. Revista Estudos Feministas, Florianópolis,v. 9, n. 1,p.

131-145, 2001. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ ref/article/view/S0104-026X2001000100007/8898>. Acesso em: 26 set. 2016.

CRUZ, JolianeOlschowsky da. Mulher na ciência: representação ou

ficção? 2007. 242 f. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http:// www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27153/tde-06052009-131106/pt- br.php>. Acesso em: 26 set. 2016.

DANTES, Maria Amélia. Relações científicas e tradições científicas locais: modelos institucionais no Brasil no final do século XIX. In: ALFONSO- GOLDFARB, Ana Maria; MAIA, Carlos Alvarez (Org.). História da ciência:

o mapa do conhecimento. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1995. p. 923- 931.

ESTÉBANEZ, María Elina. As mulheres na ciência regional: diagnóstico e estratégias para a igualdade. Com ciência,Campinas, 2003. Disponível em:

<http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/10.shtml#5> Acesso em: 04 jan. 2010.

FERNANDES, Ana Maria. A construção da ciência no Brasil e a SBPC.

Brasília: Editora Anpocs, 1990.

GARCIA, João Carlos; OLIVEIRA, José Carlos; MOTOYAMA, Shozo. O desenvolvimento da história da ciência no Brasil. In: FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA, Shozo (Coord.). História das ciências no Brasil. São Paulo: Edusp, 1979. p. 381-408.

GORZ, André. Sobre el carácter de clase de la ciencia y los científicos. In: ROSE, Hillary; ROSE, Steven (Org.). Economía política de la ciencia.

México: Nueva Imagem, 1979. p. 107-108.

GRAÑA, François. Ciencia y tecnología desde una perspectiva de género. Disponível em: <http://www.choike.org/documentos/

grania2004.pdf>. Acesso em: 26 set. 2016.

HARAWAY, Donna. Ciencia, cyborgs y mujeres: lareinvención de

lanaturaleza. Madrid: Cátedra, 1995.

KELLER, Evelyn Fox. Qual foi o impacto do feminismo na

ciência?Cadernos Pagu, Campinas, n. 27, p. 1-22, 2006. Disponível em:

<http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/ view/8644756>. Acesso em: 26 set. 2016.

LETA, Jacqueline. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, p. 271-284, 2003.Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300016>. Acesso em: 26 set. 2016.

LETA, Jacqueline; MARTINS, Flavio. Docentes pesquisadores na UFRJ: o capital científico de mulheres e homens. In: RISTOFF, Dilvo. et al. (Org.).

Simpósio Gênero e Indicadores da Educação Superior Brasileira.

Brasília: Inep, 2008. p. 85-101.

LIRES, Mari Alavarez; ANGÓS, Teresa Nuño; PAIRÓ, NúriaSolsond. Las científicas y su historia en el aula. Madrid: Editorial Síntesis, 2003.

LOPES, Maria Margaret. “Aventureiras” nas ciências: refletindo sobre gênero e história das ciências naturais no Brasil. Cadernos Pagu,

Campinas, n. 10, p. 345-368, 1998. Disponível em: <http://periodicos.sbu. unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/4689345>. Acesso em: 26 set. 2016.

LÖWY, Ilana. Universalidade da ciência e conhecimentos “situados”.

Cadernos Pagu, Campinas, n. 15, p. 1-24, 2000. Disponível em:

<http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/ view/8635360>. Acesso em: 26 set. 2016.

RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Informática: domínio masculino?

Cadernos Pagu, Campinas, n. 10, p. 169-200, 1998. Disponível em:

<http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/ view/4172931/2332>. Acesso em: 26 set. 2016.

SARDENBERG, Cecilia Maria Bacellar. Da crítica feminista à ciência a uma ciência feminista? Labrys, études féministes/estudos feministas, jan./ jun. 2007. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ ri/6875/1/Vers%C3%A3o%20FInal%20Da%20Cr%C3%ADtica%20 Feminista.pdf>. Acesso em: 26 set. 2016.

SCHIEBINGER, Londa. O feminismo mudou a ciência? Bauru: Edusc,

2001.

SEDEÑO, Eulalia Pérez. Mujer y ciencia: una perspectiva. In: ALFONSO- GOLDFARB, Ana Maria; MAIA, Carlos A. (Org.). História da ciência: o

mapa do conhecimento. São Paulo: Edusp, 1995. p. 597-606.

STEPAN, Nancy. Gênese e evolução da ciência brasileira: Oswaldo Cruz

e a política de investigação científica e médica. Rio de Janeiro: Artenova, 1976.

TABAK, Fanny. O laboratório de Pandora: estudos sobre a ciência no

capítulo

1

QUEm FAz ENGENhARIA