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Apesar da crescente preocupação, tanto teórica quanto aplicada, com as questões referentes à qualidade de vida, sabe-se que o assunto está revestido de uma grande complexidade, o que faz dele um tema desafiador. Os desafios estão relacionados aos diferentes aspectos e dimensões que envolvem a temática, seja do ponto de vista objetivo, subjetivo ou espacial. A questão tem sido abordada em diferentes escalas espaciais: da internacional à local. Dentro deste contexto, a municipal tem assumido relevada importância, especialmente no que se refere aos estudos urbanos. Isto é importante para que sejam tomadas medidas visando a reduzir as desigualdades sócio-econômicas que se manifestam em muitas destas áreas.

Os estudos que vêm sendo realizados privilegiam, mais intensamente, as grandes e as médias cidades, deixando de lado as pequenas, como se elas não tivessem significância. Com vistas a preencher esta lacuna, esta categoria de cidades foi eleita o objeto principal desta pesquisa. A partir da análise apresentada no capítulo anterior, com base em uma ampla literatura, foi exposta uma série de questões que envolvem também as pequenas cidades ou municípios. Considerando-se, por exemplo, as contribuições de Shin et al. (1982), Soares, Silva e Abdo (1984), Abaleron (1986/87), Bravo e Vera (1993), Sufian (1993), Paula (1993), Mazetto (1996), Almeida (1997), Caiado (1997), Herculano (2000), Queiroz et al. (2004), pode-se aferir a complexidade e a amplitude dos estudos sobre a qualidade de vida nas cidades, através das mais diversas abordagens.

A pesquisa envolvendo o Rio Grande do Sul possui como referencial teórico muitos dos aspectos identificados e destacados na literatura avaliada. A questão fundamental centra- se na análise de pequenos municípios e pequenas cidades do estado; contudo deve-se atentar no fato de que eles não aparecem isolados no espaço sul-rio-grandense, mas fazem parte de um contexto maior: a totalidade do estado. Neste sentido, tanto sofrem os efeitos das mudanças coletivas que ocorrem em todo o território estadual, derivadas de ações do governo ou de setores privados, como também interferem na totalidade da unidade da federação com suas mudanças ou estagnação. Em razão disso, a caracterização do estado gaúcho assume

relevada importância para explicar as particularidades destas cidades. Pode-se dizer que o estado do Rio Grande do Sul é o que é, em decorrência da dinâmica histórica, política, demográfica e econômica de todas as diferentes unidades municipais que o compõe.

O Rio Grande do Sul é o terceiro estado brasileiro quanto ao número de municípios, com 496, em 2001. Minas Gerais, com 853, e São Paulo, com 645, ocupam respectivamente o primeiro e o segundo lugar. No estado sul-rio-grandense, 61,5% deles possuem população de até 10.000 habitantes, constituindo – como são considerados nesta pesquisa – pequenos municípios, os quais têm como sede pequenas cidades. Como se pode notar, a definição adotada se apóia no tamanho demográfico e não na extensão territorial, já que alguns desses pequenos municípios e/ou cidades têm áreas bem extensas, como, por exemplo, Herval e Cambará do Sul, com áreas de 2.796,3 km² e 1.157,6 km², respectivamente.

Alguns deles apresentam problemas de má qualidade de vida, como: deficiências nas áreas da saúde e da educação, desemprego, baixo nível de renda, carência de infra-estrutura e saneamento básico, além de problemas ambientais. No entanto, nem todos os municípios e cidades pequenas podem ser assim caracterizados. Alguns apresentam aspectos positivos, como, por exemplo, Nova Bassano, que na área da educação possuía, em 2000, uma taxa de analfabetismo de apenas 3,8%. Neste mesmo ano, a expectativa de vida em Victor Graeff era de 75,2 anos e sua taxa de mortalidade infantil, zero. No outro extremo têm-se municípios que apresentam estas características com perfis negativos, como, por exemplo, Braga, que em 2000 registrou uma taxa de analfabetismo de 18,3% e de mortalidade infantil de 31,25o/oo.

Estudos já efetuados, apresentados no Capítulo I, apontam muitos destes problemas que afetam a qualidade de vida urbana. Como exemplo, podem-se destacar as pesquisas de Soares, Silva e Abdo (1984), Caiado (1997), Queiroz et al. (2004) e Figueiredo (2001), dentre outros. Os primeiros estudaram a qualidade de vida em favelas do Rio de Janeiro com base na infra-estrutura e saneamento básico, e constataram que havia muitas carências.

O segundo empreendeu um estudo comparativo sobre qualidade de vida e dinâmica sócio-espacial em núcleos urbanos de municípios paulistas, à luz de indicadores como: habitat, entorno, oferta de serviços de infra-estrutura e equipamentos sociais de uso coletivo. O estudo evidenciou que a oferta destes serviços é maior e melhor nas cidades de maior porte e pior nas de pequeno porte, verificando, nas últimas, uma piora na qualidade de vida da população.

Os terceiros realizaram uma pesquisa sobre qualidade de vida e políticas públicas no município de Feira de Santana, na Bahia. Dentre os objetivos dessa pesquisa estava o levantamento de informações sobre a implementação de políticas públicas nas áreas de

educação, saúde e meio ambiente. Os maiores problemas estavam vinculados ao analfabetismo (20,0% de analfabetos), à carência de esgoto sanitário (carência de 70,0%) e à degradação ambiental.

O quarto, em sua pesquisa sobre qualidade de vida num bairro periférico da cidade de Santa Maria, RS, demonstrou que a população residente se caracterizava pela má qualidade de vida, com carências relacionadas a: educação, renda, emprego, condições de infra-estrutura, questões ambientais, dentre outras. Somam-se a estes problemas outros de natureza variada, que se tornam cada vez mais relevantes, como a falta de integração na vida local e de participação da população na tomada de decisões. Também ocorre a falta de consideração de alguns dos governos locais com as questões ligadas à administração local, às vezes revelando corrupção por parte daqueles que deveriam primar pela melhoria da qualidade de vida da população.

O estado gaúcho apresenta uma diversidade de problemas que podem ser caracterizados tanto por variáveis objetivas quanto subjetivas. São estas as questões que se pretende avaliar nesta pesquisa. Porém, para que elas sejam melhor compreendidas é necessário que se faça antes uma análise abrangente sobre o estado, envolvendo suas transformações históricas e político-administrativas e as mudanças em seu perfil demográfico, em sua dinâmica espacial, em sua economia e em seu significado, tendo como referencial relevante a espacialização destas inter-relações que, para o conjunto, revela significativas diversidades.

Rio Grande do Sul e suas transformações históricas