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Não sabia? No meu tempo Vê, eu, quando eu tinha os meus vinte anos, dezoito Vê, quantos a-

No documento Olha e vê: caminhos que se entrecruzam (páginas 56-59)

S UMÁRIO 1INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

ATENÇÃO DO OUVINTE

F: Não sabia? No meu tempo Vê, eu, quando eu tinha os meus vinte anos, dezoito Vê, quantos a-

nos faz, né? (FLP 15 L.204)

(24) E: Porque a gente está fazendo esta entre- vista com várias pessoas em vários bairros, né? e o pessoal que fala mesmo que antigamente, né? [por] <me-> por <ma-> menos que a gente estu- dasse, mas a escola era muito mais forte [era mais] puxava mais [pela] pela [cabeça da criança] e tal, né? Valia bem mais até do que

F: [Ah! Puxava sim.] Valia bem mais a pena estudar, né? Agora não vale a pena mais. Você manda a criança pra escola, chega lá, a pro- fessora não vem, né? Uma hora a professora não vem dar aula, outra hora tem reunião, né? outra hora por falta de material, outra hora que não sei o quê e assim vai indo, né? E as crianças passam <m-> maior parte do tempo deles em casa sem estudo, né? Você vê, então não adianta você bata- lhar, você sofrer pra você dar estudo pros teus fi- lhos, né? Você faz de tudo pra dar uma coisa que você não pode. Você tira <daonde> você não tem porque você não vê um futuro mais tarde, né? (CTB 08 L. 29)

(25) Corte para o Brasil. Antônio Beldi, contro- lador do grupo Splice, de Sorocaba, foi a maior surpresa da privatização da telefonia brasileira. Partindo de um grupo relativamente pequeno, ele arrematou a TCO, uma das maiores companhias de telefonia celular do Brasil, com 2,7 milhões de clientes nas regiões Centro-Oeste e Norte e um fa- turamento da ordem de R$ 1,5 bilhão. Mas, nesta semana, Beldi protagonizou um negócio que fez com que o mercado o comparasse a Bernie Eb- bers. A TCO decidiu comprar a dívida da Splice,

sua controladora. Trata-se de um papagaio de R$ 660 milhões. Veja bem: a Splice controla a TCO com 18% do capital total, mas todos os acionistas da operadora pagarão pela compra de uma dívida que é só do sócio controlador. Resultado: as ações caíram 16,1% na quarta-feira 14 e outros 14,8%, um dia depois. Desde junho, o valor de mercado da TCO evaporou em R$ 700 milhões. (Istoé Di- nheiro, 22/08/2002).

(26) Há deputados e senadores dando uma de demagogos. Não devolva os salários, isto serve bem para Coruja e Ranzolin. Nossa região precisa de tantas coisas. Veja bem, até o IPTU e a água aumentaram 10%, tem gente que nem o que era não pagava. A Br-282 precisa ter continuidade, não seria hora dos prefeitos irem, agora sim, de pires na mão e mudar a opinião destes 30 indese- jáveis. Mesmo que fosse dinheiro do Mensalão era bem vindo. Porque quem rouba de ladrão, tem cem anos de perdão. E aqui ta fazendo uma falta. Não é mesmo moradores do Morro Grande, bei- rando a estradinha que dá acesso a Chácara do Battistella (foto da capa)? É como votar em bran- co. O Congresso Nacional precisa infinitamente menos que muitas comunidades. Ou estou errado? (Jornal O momento, de Lages/SC, 29/12/2005).

Nos exemplos (19) a (21), vê apresenta estatuto verbal bem defi- nido. Em (19), trata-se de um uso que tem como função fazer com que o O ―perceba por meio da visão‖ algo próximo (dêitico locativo). Na ocor- rência (20), verificamos que vê mantém o sentido original de percepção, mas desloca o canal perceptual da ―visão‖ para a ―audição‖. Em (20) a (26), vê amplia seu significado inicial, pois perde parte do sentido de percepção visual e adota um sentido de inferência mental, tendo em vista que a atenção do O não é mais deslocada para o espaço físico. Além disso, parece ter a conotação imperativa enfraquecida. Assim, aos poucos, notamos que esse elemento lingüístico, por meio de transferên- cia metafórica, parece percorrer a trajetória do ―mundo físico‖ para o ―mundo das idéias‖. Essa mudança semântico-pragmática afeta o estatu- to categorial do item que já pode passar a ser considerado um MD, co- mo de (22) a (26).

Em relação ao estatuto morfossintático no contexto de uso, o item

vê, nas ocorrências (19) a (21), exerce a função de um item lexical ple-

no. Porém, a partir de (22), parece sinalizar a transição de um uso verbal para um uso como MD, pois vê aparentemente tem mais independência sintática. Ressalte-se que nem sempre a total independência pode ser caracterizada devido à presença de pronomes no contexto de uso (cf. exemplo 24).

Quanto à posição, observamos que, no exemplo (22), o item ten- de a ocorrer em posição relacional e coocorre com o elemento porque, o que sinaliza simultaneamente a chamada da atenção do ouvinte e o auxílio à organização do fluxo discursivo. Por fim, nas ocorrências em contexto de escrita em (25) e (26), vê se afasta do mundo externo, mas permanece o efeito manipulativo, visto que o redator chama a atenção do leitor para algo que faz parte da informação veiculada (assumindo, nesse caso, a forma de uma construção que se pode dizer cristalizada: veja bem). Assim como com o MD olha, observamos em vê um duplo movimento: desbotamento semântico com ganho pragmático-discursivo e mudança gradativa do estatuto categorial – de verbo a MD.

2.3 Funções e formas concorrentes

As ocorrências, rapidamente examinadas nas seções 2.1 e 2.2, e- videnciam aspectos que suscitam questionamentos, os quais orientaram a formulação de nossas questões e hipóteses, já apresentadas na Introdu- ção, mas que julgamos pertinente reafirmar aqui: (i) dado que os itens apresentam origem semanticamente bastante aproximada (olhar = fitar os olhos em; e ver = perceber com a vista) e um processo de mudança semântico-pragmática também parecido, chegando a atuar como MDs, serão eles intercambiáveis em todos (ou alguns) de seus usos como MDs?; (ii) que relação esses MDs guardam com a categoria fonte, no caso, com os verbos?; (iii) em quais de seus usos os MDs já migraram para a escrita?; (iv) construções, como veja bem, funcionam da mesma maneira que itens isolados, como veja?; (v) o que leva os falantes a produzirem, de forma variável, olhe, olha; veja, vês/vê, alternando for- mas subjuntivas e indicativas?; (vi) haverá, nesses usos alternados, al- guma correlação com o sistema pronominal do PB para P2 (você/tu)? Essas indagações, entre outras, orientam o desenvolvimento deste traba- lho e vão emergir freqüentemente ao longo da tese. Neste momento,

nossa intenção é problematizar o fenômeno em estudo e evidenciar a relevância do mesmo.

Como podemos notar, embora tenham acontecido expansões de caráter semântico-pragmático, olha e vê ainda retêm, em seus diferentes usos, vestígios de seu significado-fonte. Por outro lado, apesar de os itens terem reduzida força dêitica, com enfraquecimento do comando imperativo do F sobre o O, ainda perduram traços de ato de fala manipu- lativo. Essas características nos levam a identificar um domínio funcio- nal em que os itens poderiam estar concorrendo entre si: a chamada da atenção do ouvinte (cf. ROST, 2002). Observem-se os dados:

(27) E: Totalmente? Então quando você diz que é um estado de espírito, mas estado de espírito é uma coisa só tua, tá? e como que funciona esse teu eu com o resto do mundo?

F: Veja bem, se sentir amado de fora pra dentro,

No documento Olha e vê: caminhos que se entrecruzam (páginas 56-59)